“Donald Trump tem a idade emocional de uma criança de oito anos”
eleitora indecisa do Ohio, na véspera da eleição
Passou uma semana e ainda continua a ser estranho associar os conceitos de “Presidente eleito” e “Donald Trump”.
Mas a realidade vai avançando e a verdade é que o surpreendente vencedor da eleição presidencial de 8 de novembro até já deu alguns sinais de perceber o sistema que vai herdar.
Trump, em entrevista à CBS, não insistiu muito na tecla de “prender Hillary”e deu a entender que não vai, afinal, “destruir o ObamaCare”.
Ao nomear Reince Priebus, líder do Comité Nacional do Partido Republicano, para “chief of staff” (uma espécie de primeiro-ministro sem cargo assumido), Donald sinaliza vontade de fazer pontes com a estrutura oficial do GOP.
Priebus, durante a conturbada época de primárias e depois na eleição geral, vestiu a pele de conciliador entre o destemperamento de Trump e os membros mais ortodoxos do Partido Republicano. E terá tido, agora, a recompensa por isso.
Mas bem mais inquietante é a nomeação de Steve Bannon para ‘senior counselor’, assim uma eminência parda da futura Casa Branca.
Ao escolher uma das figuras mais radicais, agressivas e violentas do espaço mediático e ideológico norte-americano dos últimos anos para seu conselheiro político sénior, Donald Trump está a querer dizer que, apesar de alguns sinais em contrário, vai mesmo transportar para a Casa Branca a plataforma de extrema-direita que o fez vencer esta corrida.
Líder e fundador do site Breitbart, Bannon é, em quase tudo, ainda mais perigoso e radical do que Trump.
Há cerca de dois anos, num texto no seu site ideológico, assumiu um objetivo: acabar de vez com o clã Bush e a sua “cultura palaciana e country club” e agitar a direita com a nomeação de um candidato fora das contas oficiais, fora do sistema e fora da elite política de Washington.
“Primeiro vamos acabar com a dinastia Bush, depois acabamos com os Clinton”. A profecia viria a cumprir-se a 8 de novembro.
Ao mesmo tempo, Bannon e os seus pares da extrema-direita pretendiam aproveitar a eleição de 2016 para “varrer da Casa Branca a esquerda e os herdeiros dos anos falhados de Obama”, tendo dois ódios de estimação: o ObamaCare e as conquistas do ainda Presidente dos EUA na área dos direitos das minorias.
Donald Trump não pretenderá seguir isto à risca. Pelo menos no primeiro mandato, caso tenha como objetivo buscar a reeleição em 2020.
Mas com Bannon como conselheiro sénior (e possivelmente ainda com Newt Gingrich e Rudy Giuliani a fazerem parte da sua administração em postos de topo), não sobram grandes ilusões: o futuro Presidente, mesmo sendo menos desbragado e errático do que parecia na campanha, está amarrado a uma agenda ideológica e a uma vontade férrea da direita radical de se vingar de duas derrotas em eleições presidenciais perante um político como Barack Obama.
Bom exemplo desse bailado entre extremismo e moderação é a forma como Paul Ryan, speaker do Congresso, primeiro tentou acolher Trump, mostrando ao Presidente eleito as obras que estavam a ser feitas no Capitólio, e dois dias depois fez questão de lhe cortar as vazas, garantindo que “os republicanos no Congresso não têm qualquer intenção de financiar brigadas de deportação”.
Trump terá sempre a arma de impedir a reeleição de Ryan como líder do Congresso. Talvez por isso, Paul, que se recusara a dizer o nome de Donald quando votou nele, referiu-o por 17 vezes nas boas-vindas ao Presidente eleito,
It’s all about politics.
Donald já não fala em “deportar em massa 12 milhões de imigrantes ilegais”, mas garantiu que os “não documentos que sejam perigosos e tenham cometido crimes vão ter que sair ou vão ser presos”. Quantos? “Uns dois ou três milhões”, atirou o futuro Presidente, não se sabendo muito bem com que dados.
A queimar os últimos cartuchos na função, Barack Obama, um dos grandes perdedores da corrida Hillary/Trump, tem tentado pôr água na fervura.
Tirou do encontro com Donald na Casa Branca a impressão de que “o Presidente eleito não segue à risca uma ideologia, não terá sequer uma ideologia fechada. Será antes um pragmático, alguém que vai percebendo aos poucos as dificuldades que o esperam”.
Quem acompanhe há anos o estilo de reagir de Barack Obama não se surpreende com esta posição do 44.º Presidente sobre o 45.º que está para vir daqui a semanas.
É um posicionamento de um líder sensato e sensível, que tenta ao limite estabelecer pontes e desdramatizar os piores cenários.
Mas, como escreveu Simon Schama no Financial Times, “o tempo não está para relativizações e para achar que tudo se há-de resolver”. “Quem acredita no consenso e na democracia liberal deve estar preocupado. E não deve acomodar-se e ficar tranquilo perante o que pode estar para vir”, nota o autor do livro “O Futuro da América”.
No campo democrata, a digestão da derrota está a ser traumática.
Hillary Clinton, em ação privada com os financiadores, atirou culpas para a carta do diretor do FBI, James Comey, a 11 dias da eleição, numa altura em que a corrida parecia resolvida a favor da democrata.
Terá alguma razão: o episódio reavivou fantasmas de desconfiança e falta de transparência da candidata e isso desmobilizou parte do seu eleitorado.
Mas não está aí a explicação toda. A estratégia Hillary falhou ao não avaliar devidamente o risco que havia de Trump fazer desmoronar a “firewall” democrata no Midwest.
Quando os alarmes soaram no campo de Clinton, já era tarde.
Para já, os democratas no Congresso vão tentando estancar as maiores feridas. A primeira batalha é forçar Trump a recuar na nomeação de Steve Bannon, por lhes parecer ainda mais inaceitável que o Presidente eleito.
Donald Trump não terá grande vontade de avançar mesmo com uma investigação especial contra Hillary – mas há muita gente que o apoiou e que está desejosa que isso aconteça mesmo.
Os próximos tempos na América vão ser interessantes de analisar. Naquele sentido da maldição chinesa, claro: interessantes porque muito, muito perigosos.