Se Segóvia ainda não viu propriamente o Diabo, já vive numa polémica infernal, que levou um juiz a suspender a instalação da estátua criada por José Antonio Abella e encomendada pelo município socialista, para criar mais uma atração turística na cidade, 90 quilómetros a norte de Madrid.
Multiplicaram-se as queixas de cidadãos contra a instalação da estátua do Diabo a tirar uma selfie, no alto da rua de San Juan, levando uma recém-criada associação de católicos a lançar uma petição online, que já conta com mais de 5000 assinaturas.
A criação do médico reformado, escritor e escultor José Antonio Abella pretende gerar mais uma atração na cidade, que recebe anualmente a visita de 800 mil turistas.
Todos vão ao aqueduto, à praça central, à catedral e ao palácio Alcázar. Os turistas tendem a ignorar outras partes da cidade e a escultura - que fica a 200 metros do aqueduto - é destinada a atraí-los para um sítio diferente", explicou o escultor ao jornal britânico The Guardian.
A intenção do escultor e do município não conseguiu convencer alguns católicos da cidade espanhola com cerca de 50 mil habitantes, que receiam até que a estátua venha a ser objeto de culto por parte de grupos satânicos.
Esta representação é ofensiva para os católicos porque pressupõe a exaltação do mal e o uso do nome de Deus no que mais causa repulsa aos católicos, que é o Diabo”, refere a petição.
"Deus do aqueduto"
Na base da polémica, está precisamente o aqueduto de Segóvia, construído com granito da Serra de Guadarrama, perto de Madrid, um dos mais importantes monumentos da cidade deixado pelos romanos. Reza a lenda que os seus 167 arcos monumentais teriam sido edificados pelo Diabo numa só noite.
No primeiro ou segundo século, havia uma jovem rapariga que todos os dias escalava a montanha para ir buscar água. Certo dia, farta desta árdua tarefa, a rapariga pediu ao Diabo que lhe arranjasse uma forma de não ter que se levantar cedo todas as manhãs para subir à montanha. O Diabo concedeu-lhe o desejo, mas queria em troca a sua alma, se conseguisse terminar a construção antes do nascer do dia. A jovem aceitou a proposta, mas depressa se arrependeu. Quando o Diabo estava prestes a colocar a última pedra no aqueduto, o canto de um galo anunciou a manhã e a rapariga salvou-se", sustenta a lenda.
Por conta da lenda, a estátua em bronze com mais de um metro e 70 centímetros de altura recebeu o título em latim "Segodevs, Aqvaedvcti Artifex", algo como "Deus de Segóvia, artífice do aqueduto". Entretanto, segundo os católicos opositores à instalação, o município já aceitou renomeá-lo, ficando apenas "artífice do aqueduto".
"Um aceno para a lenda do aqueduto"
Em defesa da estátua, o município de Segóvia tem tentado pôr água na fervura, considerando tratar-se de "uma peça que não pretende ser uma lição de história inteligente e chata, mas um aceno para a lenda do aqueduto".
Além disso, Abella adicionou um elemento de atualidade, um telemóvel celular com o qual o próprio diabo está tirando uma selfie em frente à sua obra, o Aqueduto. Um convite sem palavras para que os turistas se fotografem ao lado do diabinho e que permite ao escultor, ao visitante e aos segóvianos registar o seu amor pela cidade", escreveu o município no Facebook.
Pela sua parte, o escultor espanhol, que se inspirou na estátua de um Diabo que vira na cidade alemã de Lubeck, diz não compreender a “campanha” contra a sua obra, que classifica de “inocente”.
Estamos no século XXI! É uma caricatura sorridente e amigável do Diabo. Esta nova associação diz que a estátua é ofensiva para os sentimentos religiosos das pessoas, mas não há nenhum aspeto religioso nisto (...) esta situação passa uma imagem muito triste de Segóvia e de Espanha”, revelou em entrevista ao The Guardian.
Abella admite já que esta será a sua última escultura, preferindo continuar a dedicar-se aos livros. Ao jornal espanhol El País, salienta que, por coincidência, a estátua do Diabo deverá ficar instalada ao lado da antiga sede da Inquisição na cidade espanhola de Segóvia.
Parece que os inquisidores nunca terminaram completamente neste país", conclui sarcasticamente.