Os americanos são, na globalidade, um povo bom e generoso.
Têm na diversidade e numa fantástica capacidade de integrar as minorias um dos seus maiores trunfos -- e sabem disso.
Democratas e também republicanos fundam o seu discurso político nessa ideia poderosíssima.
Os sentimentos primários e vingativos do atual inquilino da Casa Branca (que em nada se enquadram, por exemplo, na tradição de Lincoln e Reagan, referências maiores do Partido Republicano que Trump tornou "barriga de aluguer" para chegar à Casa Branca) serão combatidos pela força e pujança da sociedade civil dos EUA.
Não tenho dúvidas sobre isso.
A partir de certo ponto, pelos políticos em Washington DC (que, de resto, foram insultados e difamados por Donald Trump em pleno discurso de posse, ao serem acusados de se terem apropriado indevidamente do dinheiro do povo nas últimas décadas) também.
Por agora, democratas e muitos republicanos mantêm-se em estado de choque sem saber como lidar com este bizarro e indigno Presidente. 63 milhões de americanos votaram a 8 de novembro passado em Donald Trump -- e isso é preocupante.
Mas desses 63 milhões, depois destes oito dias frenéticos e assustadores, uma parte não se revê nas posições do Presidente. Mais americanos (66 milhões) votaram na candidata Hillary Clinton.
E alguns milhões de mulheres no Midwest e negros na Carolina do Norte que não foram votar estarão, agora, profundamente arrependidos e com um sentimento de culpa pelo que está a acontecer. E, na verdade, têm razões para se sentir assim.
O Canadá, de forma inteligente, oferece-se para acolher os imigrantes que os EUA de Trump pontapeiam.
A China, sábia, posiciona-se economicamente nos países do TPP, tratado que os EUA de Trump rasgaram e mostra responsabilidade ao afirmar que pretende manter o Acordo Climático de Paris, que os EUA de Trump prometem ignorar.
O México, ressentido, acena a uma nova relação comercial com a China, para retaliar a vergonha do muro e minimizar a taxação dos produtos mexicanos que os EUA de Trump ameaçam.
Os primeiros dias de Donald Trump na Casa Branca mostraram um Presidente frenético, a expandir ao limite os seus poderes através de ações executivas unilaterais.
Sempre que Barack Obama assinava uma ordem executiva presidencial, os republicanos no Congresso acusavam-no de "tirânico" e "fast and furious".
Bons tempos.
Comparado com o que Donald Trump decidiu unilateralmente nos primeiros oito dias, era brincadeira. E agora, como vão reagir os membros do GOP em maioria nas duas câmaras do Capitólio?
O "protecionismo" e a "agressividade defensiva" do novo Presidente vai, rapidamente, levar a um fechamento que tornará os EUA mais pequenos, não"grandes outra vez".
E talvez proporcione oportunidades inesperadas a vizinhos e rivais.
A força dos EUA funda-se na diversidade. Quando Donald Trump repele quem é diferente, enfraquece a América, não faz dela “grande outra vez”.
Nos últimos dias assistimos a laivos de autoritarismo presidencial no país da Liberdade. O reforço de poderes dados por Trump a Steve Bannon, o seu ideólogo "alt-right" que além de conselheiro chefe tem agora também acesso direto ao Conselho de Segurança Nacional, é muito preocupante.
"No hate, no fear, Muslims are welcome here"
Há esperança?
Claro que há.
A juíza federal Ann Donnelly, do Eastern District de Nova Iorque, honrou os tão lembrados "checks and balances" e impediu a Administração Trump de aplicar a"immigration ban".
Foi seguida, nas horas sequentes, por dois outros juízes federais da Virgínia e por 16 procuradores-gerais, obrigando a Administração Trump a corrigir algumas das instruções dadas.
Esperemos que seja só o início de uma reação que tem que ser alargada, corajosa e abrangente dos vários poderes da sociedade americana.
No JFK, noutros aeroportos dos Estados Unidos e até à porta da Casa Branca houve enormes manifestações anti-Trump e contra a “Muslim Ban”, gritando "no hate, no fear, Muslims are welcome here" (sem ódio, sem medo, os muçulmanos são bem-vindos aqui).
Oficiais de Imigração dos EUA temem estar a violar leis internacionais, ao seguir a "Muslim Ban". Advogados trabalham "pro bono" nos aeroportos, para assegurar os direitos dos imigrantes impedidos de entrar (mesmo quem tem "green cards" e apenas quer voltar a casa).
Vários democratas e até alguns senadores republicanos (Jeff Flake, do Arizona; Susan Collins, do Maine; no Congresso condenam a "Muslim Ban" e demarcam-se do Presidente.
É nestes momentos que se prova a dimensão e a força de um povo e de um país. E refiro-me sempre aos EUA, seja em que situação for, como "aquele grande país".
A Casa Branca de Trump, reporta a CNN, está a ponderar a exigência da consulta das redes sociais e dos telefones móveis de visitantes estrangeiros, numa extensão às medidas de reforço das fronteiras a lançar por estes dias.
O nosso país precisa de fronteiras fortes e medidas extremas”, tuitou Donald para se justificar.
A presidência Trump enche de vergonha a imagem dos EUA.
Mas, como bem disse Barack Obama na sua mensagem final, “será apenas uma vírgula”.
Parece-me claro que, em muito pouco tempo, a herança presidencial de Barack Obama será bem mais valorizada. As comparações têm essa vantagem.
A realidade política e social é dinâmica.
Nos EUA, então, ainda mais. A América é muito melhor que Donald Trump. Vai resistir e vai regressar.
Pode demorar. Mas vai.