Histórias da Casa Branca: luz ou sombra sobre a colina - TVI

Histórias da Casa Branca: luz ou sombra sobre a colina

  • Germano Almeida
  • 2 ago 2016, 11:21
Hillary Clinton e Donald Trump

Nunca umas eleições presidenciais nos EUA foram tão definidoras como este duelo Hillary/Trump pode vir a ser: prevalecerá a perspetiva confiante ou ressentida?

"A América que conheço é cheia de coragem e otimismo e inovação. A América que conheço é decente e generosa. Sim, temos inquietações e problemas a resolver. E sentimo-nos frustrados com a paralisação política e preocupados com divisões raciais. Mas o que vejo, ao viajar pelos 50 estados deste grande país, mais do que tudo, é o que está certo nos EUA. A América já é grande. A América já é forte. E garanto-vos: a nossa força, a nossa grandeza, não depende de Donald Trump. Com Hillary Clinton, a América pode ser ainda maior. Ainda mais forte. Porque nunca houve ninguém tão qualificado como ela para exercer a função de liderar este grande país".

BARACK OBAMA, Convenção Democrata de Filadélfia

 

"Este é um cargo sério. Isto não é 'reality TV'. Vi as decisões que é preciso tomar e o trabalho que tem que ser feito e e tenho muita confiança que, se se recordar ao povo americano o que está em jogo e todos os assuntos incrivelmente importantes em que temos de acertar, então os eleitores farão uma boa escolha. É isso que habitualmente fazem".

"Estou preocupado com o Partido Republicano. A democracia funciona, este país funciona, quando temos dois partidos que são sérios, que tentam resolver problemas e têm diferenças filosóficas e têm debates aguerridos e discutem, contestam eleições, mas o que se quer, no final do dia, é um sistema saudável de dois partidos. Quer-se que o Partido Republicano nomeie alguém que seja capaz de fazer o trabalho se ganhar. E quer-se pessoas que compreendam os assuntos e com quem seja possível sentar-se à mesa com discussões de princípio e, em última análise, continuar a ser possível fazer progredir o país".

BARACK OBAMA no programa «Tonight Show» de Jimmy Fallon, na NBC

 

A 98 dias das eleições presidenciais nos EUA, as expetativas dificilmente poderiam ser mais altas.

É costume dizer-se que a próxima eleição é “a mais importante de sempre”. Mas, desta vez, parece que é mesmo verdade. 

Nunca se terá assistido a uma disputa tão polarizada, tão diferente no seu significado crucial, tão determinante para as décadas que aí virão, nos EUA e no resto do mundo.

Hillary Clinton corporiza a visão de «stronger together» (juntos somos mais fortes), o seu lema de campanha.

É a visão democrata, que prevaleceu em presidenciais desde 2008, graças ao ‘yes we can’ de há oito anos e do ‘forward’ de há quatro, sempre com uma noção geral de ‘we are all in this together’ (estamos todos nisto juntos).

Obama, ajudado pelas suas duas vitórias em presidenciais, conseguiu nos últimos oito anos manter coeso o campo democrata, não tão homogéneo como por vezes parece, fundado nessa ideia forte: uma visão solidária e coesa da sociedade traz vantagens para todos.

Hillary está a ter mais dificuldades para garantir essa ‘grande coligação’ da esquerda e do centro político americano, talvez por estar mais conotada com os interesses de Wall Street e das grandes corporações e por estar a tentar, nesta eleição, um equilíbrio difícil de concretizar: federar os republicanos indignados com Donald Trump e garantir os votos da ala progressista (o movimento Sanders, nas primárias, foi um sinal de alarme, ainda que o apoio claro de Bernie e também da senadora Elizabeth Warren, do Massachussets, na convenção possa ter dado empurrão para que Clinton agarre a base esquerdista nesta reta final).

Tsunami no Partido Republicano

O que se está a passar na Direita americana é mais profundo e complexo de explicar.

A nomeação presidencial de Donald Trump foi um tsunami para o Partido Republicano.

Nada será como dantes.

Políticos que até há dois ou três anos prometiam corporizar a próxima geração do conservadorismo americano, como Marco Rubio, Ted Cruz ou Paul Ryan, correm agora o risco de ter que esperar até 2020 para voltarem a ser nacionalmente influentes.

Uma hipotética eleição presidencial de Trump teria efeitos ainda mais devastadores para os republicanos. Significaria a necessidade de “institucionalização” definitiva de Donald e implicava quase uma década (pelo menos) de suspensão do protagonismo das correntes mais moderadas da Direita na América.

As ondas de choque que Trump está a provocar no Partido Republicano ainda não foram suficientemente digeridas.

Enquanto isso, o inesperado candidato vai dirigindo uma campanha unipessoal, baseada em ideias preconceituosas, que falham no teste do “reality check”, mas atingem algumas das feridas da carne americana, versão 2016.

Os avisos do Presidente Obama, destacados nos excertos acima mencionados, têm um destinatário claro: Barack teme que a retórica de Donald Trump solte os piores demónios da América e minimize os feitos obtidos nas suas duas administrações. 

Se os últimos anos foram claros a mostrar que os consensos bipartidários são quase impossíveis de obter numa América cada vez mais polarizada, o comportamento do nomeado presidencial republicano de 2016 pode marcar um "ponto de não retorno". Depois disto, talvez fique difícil voltarmos a imaginar um presidente com a abordagem pacificadora de Obama. Ou, então, aparecerá a a tal redenção republicana que o próprio Obama diz ainda acreditar: será que, depois de Trump, os republicanos moderados aprenderam a lição, ou já nem sequer estão em condições de protagonizar a reflexão interna no próximo ciclo eleitoral?

A caminho de 16 anos de 'domínio progressista'?

Maureen Dowd, no New York Times, aponta, em texto com o significativo título ‘Thanks, Obama’: “O jovem senador que chegou em 2008 à presidência provou que a Casa Branca pode ser um local de integridade, ética e vida familiar exemplar. Obama quer criar o que ele chama uma ‘era de 16 anos de domínio progressista’ e pretende refocar a América como um ‘Reagan de esquerda’, como um seu assessor apelidou”.

Um dos aspetos da “passagem de testemunho” de Obama para Hillary, celebrada na Convenção de Filadélfia, teve a ver com o caráter de ‘ser primeiro’ em algo histórico: Barack, o primeiro negro a chegar à Casa Branca; Hillary a primeira mulher a ser nomeada e, pretendem os democratas, a ser eleita para a Casa Branca, depois de 8 de novembro.

Nicholas Kristof, também no New York Times, analisa: «Quando as mulheres ganhar, os homens ganham, também. Devem os homens aplaudir quando se rompem barreiras de modo a que o mundo se torne mais justo e equilibrado? Ou devemos nós homens, lamentar ter perdido, quando uma mulher ganha uma determinada corrida? (…) Sim, alguns estrategas democratas admitem preocupação, com razão, pelo facto de muitos eleitores homens poderem desmobilizar perante este entusiasmo de género. Afinal de contas, Donald Trump tem grande avanço entre os homens brancos sem estudos superiores e é isso que o está a colocar, neste momento, muito próximo de Hillary nas sondagens».

As convenções partidárias da semana passada foram claras a marcar as diferenças: em Cleveland, o «pesadelo americano» anunciado por Donald Trump apelou ao medo, à raiva e ao ressentimento; em Filadélfia, a nomeação de Hillary juntou diferentes sensibilidades democratas, desde a elite no poder na Casa Branca e Senado (Barack e Michelle Obama, Joe Biden, Tim Kaine) até aos campeões da ala progressista (Bernie Sanders, Elizabeth Warren), com dois fatores de coesão: a vontade de travar a ameaça Trump e a noção de que o registo «we are all in this together» ainda pode ter continuidade com Hillary Clinton, sobretudo depois da candidata ter cedido perante Bernie Sanders num conjunto de reivindicações à esquerda a incluir na plataforma política do ‘ticket democrata’.

Ainda é cedo para tirar conclusões mais seguras, só os próximos dias o mostrarão, mas de acordo com sondagem CBS News, realizada entre 29 e 31 de julho, já 
depois das duas convenções, Hillary parece ter retomado uma liderança com vantagem razoável no voto popular: 47/41 frente a Trump.

Uma diferença que surge um pouco mais curta noutros estudos e convém não esquecer que, em 2016, também deveremos olhar com algumas atenções para a candidata ecologista, Jill Stein, e para o candidato libertário, Gary Johnson.

Com nomeados democrata e republicana com níveis de rejeição superiores a 50 por cento, não é de excluir que Jill e Gary somem, juntos, perto de 10 por cento dos votos expressos.

Quanto mais se mergulha nesta eleição de 2016, mais se conclui que ela não tem comparação com nada que se tenha vivido nas últimas décadas na política americana. 

Luz ou sombra? 

Depois de 8 de novembro, será ainda a América a "cidade luminosa na colina", como Obama garantiu que os EUA ainda são, em recado lançado a Trump no discurso de aclamação de Hillary?

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