Histórias da Casa Branca: um legado a tempo de ser reconhecido - TVI

Histórias da Casa Branca: um legado a tempo de ser reconhecido

  • Germano Almeida
  • 19 jan 2017, 11:15
Obama emocionado no último discurso como presidente dos EUA

Barack Obama termina a sua presidência com popularidade interna e forte prestígio internacional. Na última cena, fez questão de vincar diferenças com o sucessor

“No Drama Obama” até ao fim.

Na última conferência de Imprensa enquanto Presidente dos EUA, Barack Obama não só manteve as características que exibiu em oito anos na Casa Branca, como até fez questão de vincar a sua personalidade.

Pensativo, ponderado, racional, equilibrado, diverso, tolerante, humilde, sensato a responder com longas asserções, paragens estratégicas, profundidade de pensamento.

Obama, já o sabíamos, é assim mesmo.

Mas ele quis reforçar essas facetas na última aparição pública na função presidencial, certamente para vincar diferenças com o seu sucessor, que ostenta perfil diametralmente oposto.

O 44.º Presidente dos EUA despediu-se deixando claro que acredita na força e na sensatez da América e dos americanos, apesar da escolha que 63 milhões de eleitores fizeram para a sua sucessão.

Obama falou em decência, em senso comum, na importância da imprensa livre, na necessidade dos cidadãos não abdicarem dos seus direitos e de tentarem protegê-los.

Barack preocupou-se em defender o legado e em lançar sementes para que a sociedade civil americana conserve o essencial do que foi conquistado nestes últimos oito anos.

Acho que ficamos ficar bem. É claro que às vezes também acontecem tragédias, mas acredito nos americanos, acredito muito nos jovens, no seu julgamento… Acho que vamos ficar ok.”

‘Wishful thinking’ ou convicção profunda de quem se vê obrigado a passar o testemunho a alguém com perfil completamente oposto?

Tal como já tinha feito no discurso de 10 de janeiro em Chicago, Obama voltou a lançar recados mais ou menos implícitos a Trump, sem nunca o nomear.

Avisou que “ser Presidente é complexo”, lembrou que “as ações têm consequências”, pediu “julgamento e cautela”.

Prudência, como quase sempre revelou, mas também orgulho, muito orgulho. “Este país avançou muito nestes oito anos. Estamos melhor, claramente. Não estamos pior.”

Uma visão que se funda, muito, no que Obama terem sido “avanços civilizacionais irreversíveis”, no respeito pela diferença, nos direitos LGBT, na noção de que “falar-se de tensões raciais já deixou há muito de ser uma questão brancos ‘vs’ negros. Agora há os hispânicos, há os asiáticos…”

Obama vincou a sua ideia forte sobre o que é, para si, a América: “Eu acredito que as pessoas têm muito mais um lado bom do que um lado mau. Não podia sentir-me mais orgulhoso dos jovens, por exemplo.”

E reforçou convicção de que "há mais pessoas boas do que más" e que prevalecerá um "código de decência que define o povo americano".

A Rússia é, assumidamente, um tema que preocupa Obama e ficou a lembrança nesta intervenção final: no início do seu primeiro mandato, até houve aproximação a Moscovo, “mas o reset não funcionou, sobretudo depois do regresso de Putin ao Kremlin, que levou a uma escalada do sentimento anti-americano”, recordou Barack.

Recado a Trump e à estranha proximidade que o presidente eleito gosta de apregoar perante Putin.

E outro recado de Obama teve a ver com Israel: a solução dos dois estados só será possível “se a partir de um certo ponto, Israel perceber que não pode ser ao mesmo tempo um estado judaico e um estado democrático”.

Mesmo que tenha mostrado, por demasiadas vezes, uma expressão apreensiva, quase triste, nesta cena final como Presidente, Barack Obama diz adeus exibindo números invejáveis: 60% de popularidade interna, mais de 70% de pessoas fora dos EUA a aprovar o seu desempenho como líder da maior potência mundial, quase 80% a admitir que passaram a ter melhor impressão dele, a partir do momento em que assumiu a Presidência americana, em janeiro de 2009.

Também nesse ponto, Obama conseguirá sair em demarcação clara com o seu indesejado sucessor: diz adeus com alto nível de aprovação, bem acima do grau de expetativa que Trump gera na hora de entrar na Casa Branca.  

Há um certo sabor amargo na hora de despedida de Barack Obama -- sobretudo quando nos lembramos quem o vai suceder.

Essa é a parte que não bate certo numa história que, nos essenciais, foi de grande sucesso.

Mas o primeiro presidente negro da história da América ainda foi a tempo de criar um legado que será reconhecido a nível interno e externo.

Nem tudo acabou mal. 

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