O espetáculo vai começar! - TVI

O espetáculo vai começar!

  • Germano Almeida
  • 3 fev 2019, 19:29
Donald Trump

A corrida presidencial norte-americana de 2020 já está em marcha. A exatamente um ano do “caucus” do Iowa já apareceram vários pretendentes democratas à nomeação – e pelo menos dos favoritos (Joe Biden, Beto O’Rourke e Bernie Sanders) ainda nem sequer avançaram. É muito cedo? Podem crer que não…

Falta um ano para arrancar oficialmente a corrida presidencial norte-americana.

A 3 de fevereiro de 2020 decorrerá o “caucus” do Iowa, início das votações para se saber quem será o candidato oficial do Partido Democrata a ocupar a Casa Branca a partir de janeiro de 2021.

Há um fator que pode perturbar esta dinâmica: Howard Schultz, fundador da Starbucks, um dos homens mais ricos da América, que parece estar mesmo a levar avante uma candidatura independente que tem tudo para baralhar as contas dos democratas no ataque a Trump (sondagem interna da campanha Schultz, libertada este domingo, aponta um cenário tripartido com Trump com 33%, o nomeado democrata 32% e Howard com 17%).

Do lado republicano, só uma derrocada completa da atual presidência impediria a nomeação de Donald Trump.

É certo que as últimas sondagens apontam para que perto de um terço dos eleitores republicanos gostariam de ver outras hipóteses em jogo – mas daí até um cenário de impedimento da nomeação do Presidente incumbente vai uma enorme distância.

Com exceção de figuras como John Kasich, governador do Ohio, dos pouquíssimos republicanos que se mantiveram, desde o início, altamente críticos à “chantagem” de Trump em relação ao GOP. A verdade é que a maioria da “elite” republicana para estar a guardar-se para a queda de Trump – seja já em 2020 ou apenas no final do segundo mandato, se ele ocorrer. 

Nos últimos tempos, tem crescido por cá a ideia de que "o mais certo é que Trump vá ser reeleito"... Ora, quase nada indica no sentido de que essa seja uma inevitabilidade. Nesta fase, de resto, há bem mais espaço para um triunfo democrata em 2020 (cerca de 56% do eleitorado está disposto isso) do que à reeleição de Trump (perto de 40%).

O que podemos dizer é que Donald tem já esses 40% mais mobilizados e fixados, enquanto os 56% tendentes a votar no candidato democrata ainda terão que ser "conquistados".

As midterms de novembro passado mostraram uma clara maioria demográfica dos democratas (52/43 nos votos para a Câmara dos Representantes; 57/41 nos votos para o Senado entre os lugares que foram a jogo) e convém lembrar que os democratas ganharam o voto popular em seis das últimas sete eleições presidenciais na América (Bill Clinton duas vezes; Barack Obama duas vezes, Al Gore, Hillary Clinton).

Desde 1992, a única vez que um republicano teve mais votos que um democrata numa eleição presidencial na América foi em 2004, quando George W. Bush, na reeleição, superou John Kerry.

A tendência é clara: a demografia está mesmo a beneficiar as hipóteses dos democratas e o que aconteceu em 2016 terá sido apenas uma exceção que confirma essa regra (Trump teve o mérito de mobilizar quem precisava para ganhar, mesmo com base menor; Hillary cometeu o erro de não conseguir mobilizar o seu eleitorado natural, apesar de este ser amplamente maioritário).

Há muita gente a falar na Economia como trunfo para uma reeleição Trump.

Ora, curiosamente, acho o contrário. Creio que a Economia será o grande problema para as esperanças de reeleição de Trump. O que conta para os eleitores é a impressão final e convém lembrar que em novembro de 2020 as coisas não vão estar como agora -- vão estar certamente pior, só não se sabe o quanto pior estarão.

Será que nessa altura já rebentou a tal "nova crise possivelmente ainda pior que a de 2008"? Ninguém sabe. Mas que as coisas, em termos económicos, estarão piores do que estão hoje, isso é praticamente certo. Portanto, a eleição presidencial de 2020 não está apenas em aberto -- ela apresenta ao candidato que vier a ser nomeado pelos democratas uma hipótese muito concreta de fazer história: ser aquele que poderá travar a reeleição de Donald Trump.

A caminhada para a nomeação partidária não se faz ganhando logo de início o todo das preferências: faz-se ganhando estado a estado, mostrando resistência em todos (mesmo aqueles em que não se aparece em primeiro).

Um longo desfilar de pretendentes

A exatamente um ano do “caucus” do Iowa, a grande notícia é mesmo a proliferação de candidatos do lado democrata.

Já estamos, nesta fase tão precoce, com sete nomes de primeira linha em plena campanha: as senadoras Kamala Harris (Califórnia), Elizabeth Warren (Massachussets) e Kirsten Gillibrand (Nova Iorque); a congressista Tulsi Gabbard (Hawai), o ex-mayor de San Antonio, Texas, e ex-Secretário da Habitação, Julián Castro; o mayor de South Bend, Indiana, Pete Buttigieg; e ainda Cory Booker, senador da Nova Jérsia (e ex-mayor de Newark).

A estes nomes devemos ainda juntar outros candidatos da designada “segunda linha política”, como Richard Ojeda, senador estadual na Virgínia Ocidental, John Delaney, congressista do Maryland, e ainda Michael Arth (antigo candidato a governador da Florida), Harr Braun (consultor de energia na Califórnia), Ken Nwadike (realizador independente), Robby Wells (treinador de futebol americano na Geórgia) e Andrew Yang (empreendedor que fundou a organização “Venture for America”).

Nas próximas semanas podem avançar pelo menos mais três pré-candidatos: Sherrod Brown, senador do Ohio; o ‘mayor’ de Nova Iorque, Bill de Blasio, e a senadora do Minnesota, Amy Klobuchar.

Para lá de tão extenso rol, três dos principais favoritos ainda nem sequer arrancaram oficialmente: Joe Biden (senador durante 36 anos e vice-presidente dos EUA nos oito anos de Presidência Obama), Beto O’Rourke (candidato democrata ao Senado pelo Texas) e Bernie Sanders (senador do Vermont e segundo classificado nas primárias presidenciais do Partido Democrata em 2016). 

Biden à frente… e ainda nem sequer avançou

Sondagem Emerson para o Iowa dá vantagem a Joe Biden – que ainda nem sequer avançou --, com 29%, seguido de Kamala Harris (18%), Bernie Sanders (15%), Elizabeth Warren (11%), Beto O’Rourke (6%) e Cory Booker (4%).

Como se vê, está tudo ainda muito embrulhado: Biden beneficia por ser, de longe, o candidato mais experiente e de maior notoriedade nacional. Mas a dinâmica da corrida parece estar a dar boas esperanças a Kamala Harris (excelente arranque) e a Beto O’Rourke (que mesmo não tendo ainda dado sinais concretos que vai avançar, aparece em boa posição na linha de partida).

Mas vamos a uma breve apresentação dos principais pretendentes.

Warren e Sanders tentam agarrar a ala esquerda

Elizabeth Warren, 69 anos, senadora pelo Massachussets desde 2013, Conselheira Especial do Presidente Obama para o Bureau de Proteção do Consumidor entre 2010 e 2011, é candidata "em nome da classe média, que está sob ataque".

Muito corajosa e muito frontal em todas as intervenções públicas, Warren tem sido, a par de Bernie Sanders, uma das principais "campeãs" da ala esquerda do Partido Democrata.

Com uma diferença: mesmo com divergências pontuais, esteve até ao fim como apoiante firme do Presidente Obama -- e apesar da admiração pelo senador Sanders, acabou por apoiar Hillary Clinton nas primárias de 2016.

Bernie Sanders é o provável herdeiro para 2020 do movimento que criou em 2016. Mas caso Bernie opte por não se candidatar, Elizabeth Warren tem todo o perfil para assumir a liderança na ala esquerda dos democratas. Perante a mobilização Beto O' Rourke, este anúncio precoce de Warren (a 13 meses e uma semana do "caucus" do Iowa) pode ler-se como uma jogada de antecipação no sentido de se posicionar no campo Sanders, na esperança de que Bernie considere que os seus 79 anos em 2020 talvez o impeçam de tentar nova aventura de campanha.

Elizabeth Warren já teve vários duelos verbais públicos com Donald Trump. Com a falta de nível que o caracteriza, o atual presidente americano chamava Elizabeth, durante a campanha de 2016, de "Pocahontas". Warren chegou a retaliar dizendo que Donald era "um perdedor" e "assustador".

Não é a favorita para a nomeação, mas não é impossível que termine a corrida como nomeada democrata. Um eventual duelo Trump/Warren seria, como deu para ver nos exemplos acima, uma espécie de reprise Trump/Hillary na rudeza de termos e na total incompatibilidade de feitios entre os candidatos.

Três favoritos à espera: Joe, Beto e Bernie

Sanders e Biden têm quase a mesma idade (Bernie terá 79 anos em novembro 2020, Joe 78), Beto é três décadas mais jovem (terá 48 anos à data da eleição, um ano mais velho dos 47 que tinha Obama em 2008).

Joe e Beto vão disputar a "herança Obama": Joe tem a legitimidade de ter sido o número dois de Barack durante oito anos na Casa Branca, mas Beto mostra mais carisma para o ser o herdeiro político de Obama: muitos veem nele o político mais parecido com Obama que alguma vez apareceu na América na última década, com um discurso positivo e mobilizador, sem colagem aos "vícios" de Washington mas sem cair na tentação do populismo.

Não por acaso, vários assessores, conselheiros e membros da estrutura Obama08' e Obama12' já se disponibilizaram a juntar a uma possível campanha presidencial de Beto O' Rourke em 2020.

Joe Biden tem uma vantagem: quase quatro décadas como senador e oito como vice-presidente. E tem um problema: quase quatro décadas como senador e oito como vice-presidente. Bernie Sanders também tem muitos anos no Senado, mas o crédito de ter pensado sempre pela sua cabeça e de se ter assumido como uma espécie de consciência crítica da esquerda americana, nunca se rendendo ao "pragmatismo" centrista de Obama e Hillary. Beto pode ir buscar votos ao movimento Sanders, mais esquerdista, radical e contestatário (e menos simpático para com a herança Obama). Mas também consegue penetrar no "centrismo realista e institucionalista" de Joe Biden.

Não por acaso, disse por mais que uma vez que não sabe responder à pergunta sobre se é "um democrata moderado ou um democrata progressista".

Na verdade, interessa-lhe manter a dúvida entre esses dois universos, porque, tal como acontecia com Obama, tem características que agradam aos dois setores (enquanto Sanders só entra nos progressistas e Biden só nos centristas).

Nas "midterms", Beto O'Rourke teve a derrota com maior sabor a vitória de que me lembro de ver na política americana: depois de uma campanha notável, em que não beneficiou um cêntimo em Super PAC (obteve financiamentos pequenos de apoiantes anónimos, em movimento idêntico ao de Sanders em 2016 e à fase inicial de Obama em 2008), multiplicou por seis os votos democratas no Texas (um dos estados mais conservadores e republicanos da América), obtendo uns extraordinários 48.5% na corrida ao senado pelo Texas, contra Ted Cruz, uma das maiores estrelas do Capitólio.

Beto teve no Texas percentagem superior ao que Trump teve no todo nacional -- e isso é, logo à partida, um enorme capital político nas suas aspirações presidenciais: se quase ganhou a Ted Cruz no Texas, pode mesmo bater Trump no todo nacional (em contexto eleitoral muito mais favorável).

Há uns dias, Trump, perante o "buzz" sobre uma candidatura presidencial de Beto O'Rourke, sentiu-se na necessidade de o atacar: "Ele é um perdedor, se nem a corrida ao senado ganhou como falam dele para presidente?".

Nesta fase do processo, este foi o maior favor que Donald podia ter feito a Beto -- colocou-o ao nível da disputa presidencial. Sanders tem o enorme capital político de ter tido 46% dos votos nas primárias democratas de 2016. Mas tem uma idade de tal modo avançada para enfrentar um ciclo presidencial de quatro ou oito anos que torna muito difícil acreditar na sua nomeação.

Joe Biden quer fazer de 2020 a eleição "do regresso da bondade e da decência".

Mas quem talvez tenha mais condições de fazer esse contraponto a Trump será Beto O'Rourke, que nesta campanha para o Senado do Texas gerou um movimento de esperança sempre baseado num discurso positivo e sem ataques pessoais. Bernie e Joe seriam, frente a Trump, candidatos mais agressivos e hostis.

Biden, apenas um ano e pouco mais novo que Sanders. Biden não terá desafiado a nomeação de Hillary em 2016 por força da tragédia pessoal que atravessava na altura -- tinha acabado de perder o seu filho Beau.

Joe Biden tem uma história de vida notável, muito marcada por tragédias pessoais comoventes na forma como conseguiu seguir em frente -- e também pelo serviço público prestado em cargos políticos de elevada craveira. Mas talvez o seu timing já tenha passado, por muito que ele mostre vontade de agarrar a nomeação para 2020.

A narrativa que tem para "vender" enquadrava-se mais nos modelos clássicos de campanha política pré-redes sociais.

Beto O' Rourke será o que reúne mais condições de vitória: pela idade, pela capacidade de mobilização, pelo discurso que consegue harmonizar integração no sistema e crítica do mesmo (enquanto Bernie é demasiado fora do sistema e Joe está demasiado conotado com o mesmo). Falta saber se Obama, desta vez, terá uma intervenção tão clara como teve em 2016 -- quando claramente preferiu Hillary a Sanders.

Kamala, Cory e Pete podem aliar os dois mundos

Kamala Harris, 54 anos, senadora democrata da Califórnia, antiga procuradora-geral do estado mais populoso dos EUA, tem tido o “momentum” desta fase da corrida.

Tem como trunfos um desempenho elogiado e bem sucedido no Senado e também uma relação próxima com o ex-Presidente Barack Obama – que já esteve em alguns comícios dela e a colocou como possível futura líder do centro-esquerda americano (há precisamente dois anos, nos discursos de despedida como Presidente, Obama pôs Kamala numa "shortlist" de nomes da próxima geração de líderes democratas, como explico no vídeo que recupero na zona de comentários).

Não é impossível que vença, mas tem alguns anticorpos. O principal dele é ser da Califórnia. O outro é ser mulher. Na escolha cirúrgica para o nomeado presidencial que vá tentar travar a reeleição de Trump, os democratas têm que atender a vários fatores. A zona da América de onde vem o escolhido é um deles. Ora, Kamala representa a parte mais "democrata" de um mapa eleitoral que terá, em 2020, outras zonas mais decisivas (o Midwest, alguns estados sulistas agora eleitoralmente mais competitivos). Depois há o fator de género. Trump arrasou Hillary no eleitorado masculino em 2016. Será inteligente voltar a nomear uma mulher? Claro que estas coisas não são "pão, pão, queijo, queijo", mas toda a estratégia de Kamala para a nomeação terá que atender a estes dois problemas.  

Pete Buttigieg, 37 anos, mayor de South Bend, Indiana, desde 2012, é formado em Harvard e em Oxford. Pelo Twitter, o mais jovem presidente de câmara de sempre de uma grande cidade dos EUA (foi ‘mayor’ de uma cidade com mais de 100 mil habitantes), anunciou: “Estamos numa época em que se exige coragem – e o tempo é de nos focarmos no futuro. Estão preparados para colocar para trás as políticas do passado?”

Veterano da guerra no Afeganistão, filho de um imigrante maltês (daí o apelido difícil de pronunciar), homossexual assumido (é casado desde o ano passado com outro homem, Chasten Glazmen), Pete é o primeiro ‘gay’ a avançar para uma candidatura presidencial na história americana, entre os políticos de primeira linha, que ocupem postos de eleição em cargos de relevo.

Pete Buttigieg é muito novo – se obtiver a nomeação será de longe o mais jovem nomeado presidencial de um grande partido do sistema – e não parte como favorito, mas tem alguns trunfos importante. A dias de abandonar a Casa Branca, Barack Obama deu uma longa entrevista ao “podcast” do seu fiel escudeiro, David Axelrod. E colocou Pete na “shortlist” de líderes democratas do futuro. Não foi por acaso: o jovem mayor de South Bend tem agenda próxima de Obama em temas como os direitos das minorias ou o acesso à Saúde. Mostra-se forte no eleitorado jovem, nos latinos e nos negros. E quanto ao facto de ser homossexual assumido… bom, o seu registo eleitoral fala por si: numa cidade de um estado profundamente conservador, o Indiana, Pete foi reeleito ‘mayor’ com mais de 80% dos votos. 

A América está mesmo a mudar e o mais curioso é que parece existir uma espécie de “resistência anti-Trump” que confere uma oportunidade acrescida à “diferença”. Pete junta um mosaico de “diferenças” (é gay, filho de imigrante, muito jovem) com um lado que se enquadra mais com o eleitorado conservador (político no Indiana e veterano de guerra).

Cory Booker, 49 anos, senador democrata pela Nova Jérsia, segundo pretendente negro à nomeação presidencial para 2020, depois do avanço da senadora Kamala Harris, da Califórnia, é formado em Ciências Políticas em Stanford, e em Sociologia em Oxford.

Fez ainda um pós doutoramento em Yale. Produto da elite universitária americana, é talvez o mais talentoso político norte-americano entre quem tem hoje menos de 50 anos – pelo menos nos moldes clássicos de se fazer política, em que a oratória, os valores e a coragem são qualidades relevantes.

Senador há cinco anos, foi antes presidente da câmara de Newark, principal cidade da Nova Jérsia, tendo-se tornado numa figura de topo na política americana durante a crise do furacão Katrina, que assolou muito em especial as zonas costeiras do estado vizinho de Nova Iorque.

Cory é da primeira linha do estrelato democrata – e tem aspirações reais de ganhar esta corrida, que durará ano e meio e promete ser um caso notável em quantidade de candidatos, angariação de dinheiro e interesse mediático.

“Cory Booker é uma força da natureza”, dizia Van Jones, comentador político da CNN, minutos depois do anúncio público da candidatura de Cory. “Ele não é um candidato normal. É alguém que aporta uma energia extra quando falamos de qualidades como empatia ou compromisso. E vamos poder ver isso durante a campanha”. Pode ser o primeiro vegan e o primeiro candidato à presidência dos EUA que nunca casou desde James Buchanan.

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