Noa Pothoven foi legalmente eutanasiada, este domingo à noite, na sala de casa, com toda a assistência médica necessária e rodeada pela família. Noa pediu para morrer sem sofrimento e com dignidade, porque não aguentou a dor emocional provocada pelos abusos sexuais que começaram aos 11 anos e por uma violação quando tinha 14.
Na Holanda, a eutanásia é legal para crianças maiores de 12 anos, desde que expressem o desejo de morrer com assistência clínica e tenham consentimento dos pais. Antes, porém, têm de passar por uma avaliação médica e é necessário que se conclua que o seu sofrimento é insuportável, não tem cura nem fim à vista.
De acordo com o Comité Regional de Avaliação da Eutanásia, em 2017, 6585 pessoas escolheram o fim da sua vida com assistência médica. Cerca de 4,4% do total de 150 mil mortes registadas no país nesse ano.
Um dia antes de morrer, Noa usou o Instagram para se despedir e explicar a sua decisão.
“É um triste último post. Duvidei por muito tempo se eu iria partilhá-lo, mas decidi fazê-lo. (…) O meu plano estava traçado há muito tempo, não é impulsivo. Vou direta ao ponto: dentro de no máximo 10 dias eu vou morrer. Depois de anos de luta e luta, terminou. (…) Depois de muitas conversas e críticas, decidi que serei libertada porque meu sofrimento é insuportável. Eu não tenho estado realmente viva. Eu sobrevivi. E nem mesmo isso. Ainda respiro, mas já não estou viva.
Estou bem cuidada, sinto um forte alívio da dor e estive com minha família o dia todo (estou numa cama de hospital na sala de estar). Estou a despedir-me das pessoas mais importantes da minha vida.
(…) Não tentem convencer-me que isto não é bom. É a minha decisão e é final. O amor é deixar ir, neste caso... ❤”
De acordo com o jornal holandês De Gelderlander, citado pelo britânico Daily Mail, durante anos, os pais de Noa não se aperceberam que o seu sofrimento era tão grande. Só tomaram consciência disso quando viram uma mica de plástico no seu quarto com cartas de despedidas dirigidas a eles, aos amigos e colegas.
“Fiquei em choque. Não nos tínhamos apercebido. Noa era doce, linda, inteligente, sociável e sempre bem disposta. Como é que é possível que ela quisesse morrer?”, disse a mãe, Lisette, em declarações ao jornal holandês.
“Só há um ano e meio é que descobrimos o segredo que ela carregou durante os últimos anos”, acrescentou a mãe.
E o segredo é que Noa tinha sido abusada aos 11 anos, numa festa de um colega de escola. Aos 12, noutra festa de adolescentes, voltou a ser abusada. Aos 14 anos, foi violada por dois homens no bairro de Elderveld, em Arnhem, onde vivia.
Numa autobiografia entretanto publicada, intitulada 'Winning or Learning', Noa explica o que sentiu durante todos estes anos: “Senti medo, senti dor tofos os dias. Sempre assustada, sempre alerta. Até hoje, sinto o meu corpo sujo. O meu corpo foi invadido e isso nunca poderá ser revertido.”
Passou anos em tratamentos psiquiátricos, consultou vários médicos, esteve internada em várias clínicas e hospitais. A doença mental de Noa mudou a vida de toda a família. Estava numa depressão profunda, provocada por stress pós-traumático, da qual não conseguia sair e ninguém a conseguia tirar. A anorexia tomou-lhe conta do corpo.
Tentou várias vezes o suicídio e de várias maneiras. Num dos internamentos, só podia usar um vestido de um tecido tão forte que ela não pudesse rasgar e usar as tiras para se enforcar.
Na sua autobiografia, escreveu que se sentia uma criminosa, presa, “quando não tinha sequer roubado um doce numa loja em toda a minha vida”.
Deixou de se alimentar e o seu corpo quase entrou em falência, há um ano, altura em que foi colocada em coma induzido e alimentada artificialmente. O corpo recuperou, mas a mente não.
Fez uma lista de 15 desejos. Queria andar de mota pela primeira vez, beber álcool, fumar um cigarro, fazer uma tatuagem. A determinada altura, já nada mais lhe restava.
Até Noa fazer 17 anos, os pais, que chegaram a parar de trabalhar para ajudar a filha, tinham esperança que Noa se reencontrasse com a vida. Se apaixonasse, por exemplo, e voltasse a ter vontade de viver. Mas ela atingiu a idade em que já não precisava da autorização dos pais para pedir a eutanásia. E a sua vida terminou no domingo, assim como os anos de sofrimento profundo.
Noa quis que a sua história servisse de alerta para ajudar outros jovens vulneráveis. Dizia que a Holanda, o país que permite às crianças morrer de forma clinicamente assistida, não está preparado para ajudar jovens em sofrimento psicológico e emocional extremo.