O que Marine Le Pen diz que não é bem verdade - TVI

O que Marine Le Pen diz que não é bem verdade

Marine Le Pen

Jornais “Le Monde” e “Libération” desmascaram “falsas afirmações” e "factos alternativos" defendidos pela candidata da extrema-direita à eleição presidencial

O discurso de Marine Le Pen, candidata da extrema-direita, a cinco dias da segunda e última volta presidencial em França, continua, de acordo com os jornalistas franceses, a ser feito de algumas inverdades que os jornais têm procurado descodificar. Depois de se saber que a líder da Frente Nacional (FN) está a ser acusada de plagiar um discurso do candidato derrotado na primeira volta, François Fillon, numa declaração lida na segunda-feira em Villepinte, no nordeste de Paris, o jornal Le Monde publica esta terça-feira um artigo em que desconstrói as afirmações de Le Pen sobre a realidade da habitação social em França.

Mas esta não é a primeira vez que o jornal francês escreve sobre as “imprecisões” de Marine Le Pen. No dia 25 de abril, a candidata da Frente Nacional esteve na TF1 para uma entrevista televisiva. No dia seguinte, o Le Monde não deixava margem para dúvidas, ao escrever que “a candidata da Frente Nacional multiplicou-se em falsas afirmações e em alusões duvidosas”. O diário acrescentou que Marine Le Pen “fez lembrar a campanha de Donald Trump”, ao criar vários “factos alternativos”. A mesma posição tomou o jornal Libération, que no mesmo dia publicou um artigo em que descodificava “seis ideias tóxicas” lançadas pela candidata durante a entrevista à estação pública de televisão.

Os itens que se seguem congregam o conjunto de “falsas afirmações” e de “factos alternativos” de Marine Le Pen enunciados pelos dois jornais:

1 – Não, a habitação social em França não é "massivamente atribuída" aos estrangeiros

Marine Le Pen critica os organismos do Estado por “atribuírem massivamente” a estrangeiros a habitação social no país, em detrimento de cidadãos nacionais que dela necessitam, uma afirmação que as estatísticas desmentem.

“Reservar prioritariamente aos franceses a atribuição de habitação social, sem efeitos retroativos, e mobilizá-la para as pessoas que dela mais necessitam” é o 142º “compromisso presidencial” dos 144 assumidos por Marine Le Pen. Em entrevista no dia 13 de março, à rádio France Info, a líder da Frente Nacional afirmava: “O problema é que há 1,5 milhões de franceses que estão à espera para habitação social.”

De acordo com o Le Monde, as estatísticas contradizem claramente as observações de Marine Le Pen: a nível nacional, de acordo com a União Social da Habitação, organização que reúne proprietários sociais que, juntos, têm 4,6 milhões de casas, apenas 12% dessas casas são ocupadas por famílias de nacionalidades estrangeiras, uma proporção estável desde há muito. De acordo com o Ministério francês da Habitação, das mais de 341.571 habitações sociais atribuídas em 2015 (excluindo as transferências internas de inquilinos já em habitação social), 13.116 (3,8%) foram atribuídas a europeus e 44.657 a estrangeiros de fora da União Europeia (13%).

A ‘prioridade nacional’, medida xenófoba da FN, baseia-se numa premissa deliberadamente falsa ao dizer que os estrangeiros são alojados de forma mais rápida e constituem a maioria em habitação social, quando na verdade esperam o dobro do tempo", reafirma num comunicado datado de 1 de maio, Jean-Baptiste Eyraud, porta-voz da associação Direito à Habitação (DAL), citando um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos (Insee) publicado em 2013.

2 - Não, a França não contribui com nove mil milhões por ano para a UE

Sobre a entrevista dada por Marine Le Pen à TF1, no dia 25 de abril, algumas das inverdades descodificadas pelos jornalistas prendem-se com a Europa. Para a candidata de extrema-direita, a União Europeia (UE) significa nove mil milhões de euros que a França perde todos os anos. Mas os números oficiais mostram uma outra realidade. De acordo com o Parlamento Europeu, a contribuição líquida francesa para o orçamento da UE é de 4,5 mil milhões.

3 - Não, a imigração não ameaça o sistema de segurança social

Na mesma entrevista, Marine Le Pen abordou um outro tópico favorito: a imigração. "Todos os anos aceitamos 200 mil estrangeiros. Para que empregos? Para os alojarmos onde? Se não pusermos travão a isto, o nosso sistema de segurança social vai desmoronar-se", afirmou a candidata.

Olhando para os números de forma cega, parece ser verdade, afinal, em 2016, entraram em França 227 mil estrangeiros. Mas os jornalistas do Le Monde fazem a desconstrução daquele valor: cerca de 70 mil eram estudantes, 85 mil familiares de residentes e 25 mil já tinham recebido uma proposta de trabalho. A isto junta-se o facto de a saída de franceses do país ter ascendido a 60 mil pessoas.

4 - Não, expulsar todos os estrangeiros com “ficha S” não é aplicável

Os jornalistas do Le Monde mostram que a intenção de Marine Le Pen de expulsar todos os estrangeiros que têm uma "ficha S" (indivíduos sinalizados como sendo eventualmente perigosos para a segurança nacional) não é aplicável. Isto porque a "ficha S" é apenas um método de sinalização e não uma apreciação do nível de perigo que o sujeito em causa representa. Todos os casos necessitam de uma avaliação individual.

5 - Não, 50% dos agricultores franceses não “vive” com menos de 350 euros por mês

Ainda sobre a entrevista de Marine Le Pen à TF1, os jornalistas do Libération referem que a líder da FN se baseia em dados reais, mas o modo como os apresenta é “enganoso”. Em 2015, de acordo com dados da Segurança Social (Mutualité sociale agricole, na designação em francês), o regime de segurança social prestava ajuda a um terço dos agricultores (38% ou 174.000) cujos rendimentos reais não excediam 350 euros, valor a partir do qual podiam solicitar uma redução das contribuições sociais.

Mas o facto de entre um terço e metade dos agricultores se enquadrarem nesta categoria não significa que vivam efetivamente com 350 euros como simplifica Le Pen. Na verdade, explicam os jornalistas do Libération, aquele rendimento declarado, utilizado para calcular contribuições "não inclui outros rendimentos auferidos, como os benefícios sociais, o rendimento do cônjuge ou outros rendimentos (como capitais…)". Isso não diminui em nada a situação, por vezes dramática, dos agricultores, mas mostra que não faz sentido confundir o rendimento real do trabalho com rendimentos globais mais abrangentes.

6 - Não, o número de ações de formação não aumentou 300% para baixar artificialmente os números do desemprego

O Libération sublinha que acusar o governo de baixar artificialmente os números do desemprego não é novo. Na entrevista à TF1, Marine Le Pen escolheu falar numa "explosão de ações de formação", misturando todas as categorias de desempregados, para afirmar que a França tem “sete milhões de desempregados”, referem os jornalistas.

Numa reabilitação rápida sobre os números do desemprego avançados por Marine Le Pen, o jornal refere que, juntando todas as categorias, a França tinha mais de 6,5 milhões de desempregados registados no Instituto nacional de Emprego e Formação Profissional, em fevereiro de 2017.

Os desempregados são divididos em cinco categorias: A, B, C, D e E. Categoria A: corresponde a desempregados literalmente sem trabalho. B: os que exercem uma atividade reduzida de menos de 78 horas por mês. C: os que trabalharam mais de 78 horas por mês. D: os que não são obrigados a procurar trabalho porque estão doentes, por exemplo ... ou em ações de formação. E: diz respeito aos que têm um emprego (mas continuam na lista porque, por exemplo, têm contratos a termo e sabem que vão ter de voltar a procurar emprego rapidamente).

Quando se fala de desemprego, defende o Libération, referem-se por norma os desempregados registados na categoria A: eram 3,7 milhões em fevereiro de 2017. Falar de sete milhões de desempregados, como o fez três vezes Le Pen na entrevista televisiva, é muito exagerado, defendem os jornalistas.

7 - Não, o euro não causou um aumento dos preços e uma queda no poder de compra

Marine Le Pen: "Todos os franceses viram a explosão de preços no momento da passagem para o euro."

Anne-Claire Coudray, jornalista da TF1: "Não é o que os números dizem."

Marine Le Pen: "Pois bem, os números mentem, minha senhora”.

Para o Libération, ao dizer que “os números mentem”, Marine Le Pen dá novo exemplo da sua “Trumpisação”. De acordo com os jornalistas, os números indicam que tem havido um aumento constante dos preços em França há vários anos. Só que não é por causa do euro. De acordo com o índice de preços calculado pelo Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos (Insee), desde 1990, verifica-se um aumento linear dos preços, sem que tenha havido nenhum pico, nomeadamente em 2002.

8 - Não, não se eliminaram 54.000 efetivos militares nos últimos cinco anos

Ansiosa por apontar a suposta negligência dos governos anteriores que levaram aos ataques terroristas que a França sofreu, Marine Le Pen arriscou: "Parece-me que, nos últimos cinco anos, houve 54.000 militares a menos. Houve 15.000 polícias a menos e 6.000 polícias alfandegários a menos. Foi uma grande purga. "

Em relação ao efetivo militar, a candidata da extrema-direita faz alusão a uma cifra existente: o Livro Branco da Defesa de junho de 2008 estabelecia como objetivo "reduzir 54.000 posições no Departamento de Defesa". Mas, o Libération, realça que esse número dizia respeito a militares (46.500) e civis (7.500) entre 2008 e 2015, e não nos "cinco anos anteriores" (2007-2012).

De facto, entre 2007 e 2012, o número de soldados diminuiu de 262.353 em 2007 para 230.592 em 2012, o que corresponde a uma redução de 31.761 soldados, longe dos 54.000 referidos por Le Pen.

A candidata da Frente Nacional também está errada no número de efetivos policiais: não havia menos 15.000 polícias entre 2007 e 2012. Na verdade, houve uma redução de 12.500 efetivos durante esse período, mas o número de reduções acumula militares e polícias.

Finalmente, os polícias alfandegários eram 18.815 em 2007 e 17.063 em 2012: mais uma vez, o número diminuiu (são menos 1.752), mas sem nenhuma comparação possível com as alegações de Marine Le Pen, que evocou quase quatro vezes mais cortes de efetivos.

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