Recomeçou a contagem de espingardas "chez la France" - TVI

Recomeçou a contagem de espingardas "chez la France"

  • 8 mai 2017, 16:22

Macron, o eleito presidente garante que só revelará o nome do seu primeiro-ministro após a investidura no próximo domingo. Na estilhaçada política francesa, todos começam a carregar baterias para as legislativas de 11 e 18 de junho

"Allons enfants de la Patrie". E se nem de propósito, o primeiro verso da "Marselhesa", o hino francês, se ouviu na manhã desta segunda-feira junto ao Arco do Triunfo, quase serve para resumir a nova corrida eleitoral que já começou. Antes mesmo, diga-se, da eleição do mais jovem presidente de que há memória: o filho de família, de formação jesuíta, batizado pela Igreja Católica - a seu pedido, aos 12 anos - discípulo do filósofo Paul Ricouer, banqueiro e depois ministro da Economia, de seu nome, Emmanuel Macron.

O dia 8 de junho é feriado em França. Assinala-se o fim de II Guerra Mundial, a capitulação da Alemanha nazi, há 72 anos. E iconicamente, a depositar a coroa de flores junto ao túmulo do Soldado Desconhecido, surgiram o ainda presidente Hollande e o sucessor, e seu ex-ministro da Economia, Emmanuel Macron.

Se a imagem de Hollande e Macron podia ser legendada com um "rei morto, rei posto", não fosse a secular tradição republicana de França que espalhou esse sistema representativo pelo mundo fora, é um facto que o ainda presidente deverá ser uma carta fora do baralho nos próximos tempos da política francesa.

Hollande, há meses que descartara uma recandidatura nas presidenciais. Com os baixos índices de popularidade restar-lhe-á sair de cena, apesar de mostrar com insistência uma certa vontade de apadrinhar o sucessor, como se pode entender das suas palavras na manhã pós-eleitoral.

Trata-se de uma homenagem que devemos a todos os que nos libertaram e queria que Emmanuel Macron estivesse presente, ao meu lado, de forma a que uma espécie de tocha possa ser passada", afirmou Hollande, em declarações à televisão France2.

O ainda chefe do Estado francês afirma que estará sempre "ao lado" de Macron. Sem ressentimentos visíveis da independência partidária do sucessor, que criou o seu próprio movimento "En Marche!" para se candidatar e eleger presidente, deixando os socialistas de Hollande numa das piores posições de que há memória.

Emmanuel Macron seguiu-me aos longo dos últimos anos (...) emancipou-se, é presidente e é com a experiência que adquiriu comigo que lhe cabe continuar", afirmou ainda Hollande, lembrando que também o seu antecessor Nicolas Sarkozy "o convidou" a participar nas celebrações do 8 de junho, em 2012, quando foi eleito. 

Governo à Macron

Aceitam-se apostas, porque o eleito presidente insiste em "fechar-se em copas". Mas a escolha está feita, segundo o próprio revelou dois dias antes da escolha dos franceses, entre si e a líder da Frente Nacional, Marine Le Pen.

Se for eleito, trabalharei na finalização de um governo na próxima semana", afirmou Macron na rádio Europe 1, firmando que, quanto ao seu primeiro-ministro, "será anunciado após a passagem de poder. Não o anunciarei antes".

Macron fez questão de não jogar "às adivinhas". "A escolha está feita na minha cabeça", afirmou então,. adiantando apenas que "terá uma experiência no campo político, competências para dirigir uma maioria parlamentar".

Será o primeiro-ministro" que irá dirigir a campanha para as legislativas, respondeu então Macron, acrescentando que espera manter o seu escolhido "o mais tempo que for possível".

Ficou claro, então, que Macron está decidido em transformar o seu movimento "En Marche!" num partido concorrente à eleição dos 577 deputados que irão renovar a Assembleia Nacional francesa. E que pretende bater-se pela maioria. Mesmo que a tarefa não seja propriamente fácil.

Não terei um estado de graça. Não poderei presidir como se fez desde 1958", expôs então Macron.

Macron espera dificuldades, como todos também anteveem, para fortalecer a sua posição, com um governo e um apoio paralmentar forts. Para começar, esta segunda-feira, deverá demitir-se da presidência do seu movimento para assumir a da República Francesa. O seu sucessor na força partidária - que deverá passar a chamar-se "En marche pour la République" - poderá dar algumas indicações sobre como será constituído o seu governo.

Tiro de partida para legislativas

Apesar das dificuldades esperadas, os 66,1% de votos obtidos que o fizeram presidente - contra os 33,9% de Marine Le Pen - superaram as previsões das sondagens e terão dado algum ânimo à nova força política, que Macron quer fazer avançar para as legislativas.

As primeiras sondagens só lhe podem dar ânimo. Logo, na noite eleitoral, a agência noticiosa britânica Reuters, mostrava uma projeção da Harris Interactive que dava 26% de votos ao "En Marche!" nas legislativas. A Frente Nacional ficava-se pelos 22%, tal como os Republicanos. A França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, aparecia com 13% e os socialistas continuavam na mó de baixo, após o desaire do seu candidato Benoît Hamon, com 8%.

Com resultados semelhantes, uma outra projeção, da francesa Kantar Sofres, atribuía 24% ao movimento de Macron, 22% aos Republicanos, 21% à Frente Nacional, 15% à esquerda de Mélenchon e 9% aos socialistas.

Ambas as sondagens apontavam resultados para a primeira volta das legislativas, a 11 de junho. E nenhuma arriscava valores para a segunda volta, no dia 18, quando a escolha dos deputados eleitos pelas circunscrições será efetivamente feita, entre os que no primeiro turno conseguiram 12,5% dos votos no seu círculo.

Apesar das primeiras sondagens poderem encorajar Macron, percebe-se que uma maioria parlamentar como a atual, em que os socialistas têm 292 deputados, poderá não ser uma tarefa fácil. Já que todas as forças políticas mantêm valores muito próximos dos obtidos na primeira volta pelos candidatos presidenciais.

Fragmentação total

Na primeira volta das presidenciais, quatro candidatos registaram votações da ordem dos 20%, dividindo-se assim o eleitorado em cinco generosas fatias, em que uma delas foi dividida entre muitos dos concorrentes, aí incluindo o sociallista Benoît Hamon.

Há um mês, a 8 de maio, Macron teve 24%, Marine Le Pen, 21,3%, o republicano Fillon, 20%, e o "insubmisso" esquerdista Mélenchon, 19,58%. Os quatro contam agora, no mínimo, projetar ou aumentar o seu peso percentual no número de deputados do futuro parlamento. E há ainda o Partido Socialista Francês, ferido com os 6,36% conseguidos pelo candidato Hamon, que quererá mostrar que está vivo, ao despedir-se, como tudo indica, da maioria atual na Assembleia Nacional.

Na batalha eleitoral que se avizinha - e mais do que se adivinha, porque, na verdade, já começou - os partidos franceses terão ainda que se bater à conquista dos abstencionistas e dos que na segunda volta, simplesmente não escolheram entre Macron e Le Pen, votando nulo ou em branco.

Números redondos, em duas semanas, mais quatro milhões de franceses marimbaram-se para a escolha presidencial: 11,5 milhões abstiveram-se ou não votaram em qualquer candidato na primeira volta e 15,4 milhões preferiram não escolher entre Macron e Le Pen, no passado domingo.

Em boa verdade, o alheamento foi mais elevado do que o da primeira volta, com 22,63% e o mais alto desde o longínquo 1969, quando a abstenção chegou aos 31,4%, no confronto entre o gaulista Georges Pompidou e o centrista Alain Poher.

À conta do alheamento de agora, surgiu, por exemplo, o candidato da esquerda, Mélenchon, a declarar logo no domingo que essa verdadeiramente a segunda força política de França. Ou seja, havia mais descontentes que não quiseram escolher, do que aqueles que engrossaram a Frente Nacional de Marine Le Pen.

Ela e eles

Ganhar força e ocupar assentos na futura Assembleia Nacional é agora o objetivo dos principais contendores nas presidenciais. De tal forma, que Marine Le Pen o assumiu logo quando reconheceu a derrota na noite eleitoral.

A líder da extrema-direita, que conseguiu um resultado histórico - superior ao que levou o seu pai Jean-Marie à segunda volta, em 2002, perdendo para Jacques Chirac - promete renomear e renovar a sua Frente Nacional, tendo em vista a conquista da primeira posição no futuro parlamento. Sendo que se assume já como a maior força da oposição.

Por este resultado histórico e maciço, os franceses escolheram a aliança patriótica e republicana como a primeira força da oposição ao projeto do novo presidente", sublinhou Marine, quando assumiu a sua, ainda assim saborosa, derrota.

Se a Frente Nacional, com essa ou uma nova designação, quer assumir-se como oposição parlamentar, os Republicanos, cujo candidato François Fillon ficou pelo caminho, veem na legislativas uma hipótese para recuperar o poder perdido.

Chegar aos 199 deputados do partido antecessor, a UMP, pode até parecer um sonho, mas os novos gaulistas veem na vitória de Macron, na segunda volta, a hipótese de capitalizar uma "frente republicana informal" - como a designou num comentário na TVI, o embaixador Francisco Seixas da Costa - que foi determinante para derrotar Le Pen.

Com um grupo parlamentar forte, os Republicanos poderão almejar a coabitar numa solução de apoio governativo de Emmanuel Macron, sendo certo e assumido que, nas extremas direita e esquerda o novo presidente só deverá esperar oposição.

Tal como Marine Le Pen, Jean-Luc Mélenchon, o líder da França Insubmissa, promete combater o centralismo que venceu. Pela esquerda, necessariamente.

Uma outra maioria é possível" foi o lema que sobrou da intervenção de Mélenchon na noite de domingo, confiante que grande parte dos que se alhearam da segunda volta fazem parte dos sete milhões que lhe confiaram o voto no primeiro turno eleitoral.

O alívio europeu

Se a derrota de Marine Le Pen foi sentida com alívio pelos principais dirigentes europeus, uma consolidação da esperada nova Frente Nacional no parlamento poderá trazer-lhes novos amargos de boca. E o mesmo vale para a esquerda do também eurocéptico Mélenchon.

O compromisso europeu foi assumido logo no discurso de vitória pelo novo presidente Emmanuel Macron, a par da promessa de combater sem tréguas o terrorismo, que tanto tem martirizado a França.

Só que, depois das felicitações, os mesmos líderes europeus começam já a preparar-se para cobrar os compromissos do novo presidente francês.

Com a França, temos um problema particular... os franceses gastam muito dinheiro e gastam muito em locais errados. Isto não poderá funcionar para sempre", são palavras do presidente da Comissão Europeia, já esta segunda-feira, após ter sido o primeiro, no domingo, a aplaudir a vitória de Macron.

Tendo em conta que Jean-Claude Juncker proferiu esta fresca reflexão em Berlim, na companhia do ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Sigmar Gabriel, no dia em que os franceses celebram a capitulação alemã na guerra, quem for dado a simbologias poderá daqui tirar as suas ilações.

Quanto a certezas sobre o verdadeiro posicionamento da França na Europa, após as eleições e com o processo do Brexit pela frente, haverá seguramente que esperar pelas legislativas de junho. Aí será possível, à moda dos croupiers da roleta, afirmar "les jeux sont faits". E depois, escolhido o novo parlamento, "rien ne va plus".

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