Histórias da Casa Branca: tragédia americana - TVI

Histórias da Casa Branca: tragédia americana

  • Germano Almeida
  • 14 nov 2016, 10:17
Obama recebeu Trump na Casa Branca

A eleição de Donald Trump foi um terramoto político. Na América e fora dela. Acreditar numa “transformação” súbita do Presidente eleito é esquecer todo um padrão

O que se passou a 8 de novembro foi um terramoto político que terá mudado para sempre a política americana. 
 
A eleição de Donald Trump não deve ser menorizada no seu significado e nas suas consequências. 
 
O discurso de vitória do nomeado republicano pode ter indicado uma “moderação” no estilo e nas intenções. 
 
Mas acreditar nessa transformação súbita é esquecer todo um padrão de comportamentos do futuro sucessor de Barack Obama na Casa Branca. 
 
Trump Presidente dos EUA era, até há pouco mais de um ano, uma piada que poderia, no máximo, ser tema para um sketch humorístico.
 
Desvalorizar a importância do acontecimento não será, por isso, muito aconselhável ou acertado. 
 
David Brooks, no New York Times, lança o aviso: “A partir de um certo ponto, ele vai fazer algo grave, lançar a confusão. E aí terá que escolher, com muito cuidado, um destes três cenários: a demissão, o impeachment ou o assassinato. E com isso não estou a dizer que seja necessariamente alguém a atirar sobre ele. Pode ser alguém contratado por ele que o tire de lá, simplesmente”
 
O tempo da moderação política terminou em Washington DC. 
 
Com as duas câmaras do Congresso a terem maioria republicana, o quadro político parece ser muito favorável ao futuro Presidente Trump. 
 
Mas muitas das propostas do candidato Trump implicariam gastos que um congresso republicano, supostamente, não aceitaria. 

Donald propõe-se apresentar um programa "keynesiano" de obras públicas, para melhorar infra-estruturas e dar emprego. Mas, ao mesmo tempo, promete baixar drasticamente os impostos. 

Em que ficamos? Como serão as duas coisas possíveis nos tempos em que vivemos?
 
A eleição de Trump é uma espécie de “tragédia americana”, consumada pela via eleitoral. 
 
Os Estados Unidos, suposto fiel da balança da ordem internacional liberal, vão passar a ter na Casa Branca um populista de comportamento errático e inconsistente.
 
Muitos destacaram os sinais conciliadores dados por Trump no discurso de vitória, no programa eleitoral anunciado e nos gestos tidos com o Presidente Obama e com Hillary Clinton. 
Depois de falar com Obama, Trump anunciou que o ObamaCare, afinal, não é para destruir por completo, e que duas partes essenciais da lei de cuidados de saúde são para manter (uma sobre as seguradoras, a outra sobre os direitos dos jovens até 26 anos).
 
Mais uma vez, no entanto, não convém sobreinterpretar esses sinais.
 
Trump foi eleito com uma agenda em relação à qual está amarrado. 
 
Por muito que vá deixando cair pelo caminho alguns pontos mais inaceitáveis (“pôr Hillary na prisão” será um deles, ainda que Rudy Giuliani não tenha afastado por completo a hipótese, já depois da eleição), Donald Trump representará sempre a vitória de uma ideia fechada, retrógrada, pouco inclusiva e hostil às minorias e à integração. 
 
Porque ganhou, então?
 
Pela conjugação de dois fatores: falta de capacidade mobilizadora dos segmentos democratas, por parte de Hillary; vontade de penalização do “establishment” de alguns eleitorados, sobretudo a classe operária branca do Midwest.
 
Não foi uma “onda Trump”. Muito longe disso. Donald ganhou a eleição com 60,3 milhões de votos, os mesmos com que Romney perdeu em 2012 e muito pouco mais que os 59.5 de McCain em 2008.
 
O problema é que Hillary Clinton teve 60,9, ou seja menos 10 milhões que Obama 2008 e menos 6 milhões de Obama 2012. 
 
Hillary teve desempenho abaixo do esperado nos negros, nos jovens, nos eleitores com estudos superiores e, sim, nas mulheres. Mais de metade das mulheres brancas preferiram Trump a Hillary. 
 
Mesmo assim, Clinton ganhou o voto popular, com mais 600 mil que Trump. 
 
Donald fez a diferença ao arrecadar três estados que, durante toda a corrida, eram dados como praticamente certos para o campo de Hillary: Pensilvânia, Wisconsin e Michigan.
 
Erro estratégico da campanha Hillary? Possivelmente.
 
Se nos lembrarmos que, até aos dias finais, Hillary chegou a fazer campanha no Arizona, percebemos que houve, até muito perto da decisão, uma sub-avaliação do risco que estava a existir nesses três estados. 
 
A catarse democrata
 
E agora?
 
O Partido Democrático tem que fazer a sua travessia do deserto. 
 
Barack Obama deixa a Casa Branca a em pouco mais de dois meses. Os Clinton terminaram a sua longa jornada na alta política americana na passada terça-feira. 

Durante uma década, os democratas viveram sentados sobre o sucesso dessas duas constelações. A renovação é urgente, mas não se veem nomes com capacidade para serem lançados já para a arena política, com vista a uma candidatura presidencial em 2020.
 
Bernie Sanders, que de repente muitos passaram a ter tido como primeira hipótese para a nomeação democrata de 2016, comentou na CNN: “A minha mensagem para as pessoas mais jovens é que não desesperem. Envolvam-se no processo político. As visões que defendemos de que devemos ser uma democracia vibrante e não devemos caminhar para uma oligarquia, de que devemos ter uma sociedade não discriminatória, de que devemos enfrentar os riscos das alterações climáticas. Todos esses assuntos continuam a estar dentro do que uma maioria americana apoia”

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