Iraque, 10 anos: «A guerra estava calendarizada há muito» - TVI

Iraque, 10 anos: «A guerra estava calendarizada há muito»

Foto de família na cimeira das Lajes

O investigador Bernardo Pires de Lima sobre a cimeira das Lajes, os pressupostos por detrás da guerra no Iraque e a ajuda política a Blair e Aznar

O investigador Bernardo Pires de Lima, autor do livro «A Cimeira das Lajes, Portugal, Espanha e a Guerra do Iraque» (ed. Tinta da China) sustenta que o encontro nos Açores a 16 de março, quatro dias antes do início da operação, foi uma forma de contornar a oposição de França e Alemanha e, ao mesmo tempo, ajudar os primeiros-ministro do Reino Unido e Espanha, Blair e Aznar, a legitimar politicamente, perante os seus eleitores, o apoio a uma guerra previamente decidida por Washington.

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O facto de se terem revelado falsos vários pressupostos para a intervenção militar no Iraque reforça a ideia de uma cimeira de fachada em relação a um passo já decidido?

Os falsos pressupostos acabaram por dar lugar, já na recta final antes da guerra, a uma justificação revolucionária por parte dos decisores americanos: a de alterar, via mudança de regime iraquiano, todo o statu quo do Médio Oriente, democratizando-o à força de fosse preciso. Este idealismo na narrativa americana é intrínseco ao pensamento neoconservador, mas pode dizer-nos também que já se estavam a tentar encontrar argumentos caso os pressupostos de que fala não se verificassem. No que toca à Cimeira das Lajes, ela será sempre recordada pelas opiniões públicas como um encontro de guerra mascarado de carácter político, o que não anda longe da verdade. Para os líderes que lá estiveram, será recordada como a última solução política num roteiro de guerra inevitável. Mas na minha leitura a Cimeira teve três pressupostos. Responder ao veto anunciado por Paris e Berlim a uma segunda resolução clarificadora de um ataque e proposta por Washington, Londres e Madrid. Forjar uma solução política para ajudar Blair e Aznar junto dos seus eleitores e Parlamentos, sobretudo o britânico. Terceiro, e que resulta dos comunicados trabalhados pelos quatro staffs, dar um deadline a Saddam, convocar a ONU para o pós-guerra e sublinhar a aliança transatlântica. A minha avaliação é a seguinte: com ou sem cimeira a guerra dar-se-ia, porque Washington já a tinha decidido e calendarizado há muito.

A cimeira das Lajes teve consequências duradouras para a política externa de Portugal?

Caso Portugal não tivesse acolhido uma cimeira como essa, teria sido prejudicado pelos EUA, Reino Unido ou Espanha? Não me parece. Ou seja, objectivamente, todo o processo de decisão português e o papel que teve na cimeira foram muito mais relevantes para a construção do perfil de Barroso junto dos seus pares do que aquilo que a política externa portuguesa terá beneficiado. Mantivemos o comando NATO em Oeiras, o que terá sido beneficiado pelo apoio de Portugal aos EUA, mas estou em crer que teríamos argumentos à altura se tivéssemos optado por uma posição, digamos, de apoio mais discreto.

E quais foram as consequências para a coesão da União Europeia?

A grande questão é que, em volta do Iraque, desenvolveu-se uma crise euro-atlântica sem precedentes, com divisões profundas entre europeus, com uma ruptura inédita entre Alemanha e EUA, e num quadro destes e também de pré-grande alargamento a Leste, Portugal acabou por decidir manter-se próximo de um eixo de potências atlânticas, da qual Espanha passou a fazer parte com Aznar. O simbolismo de ruptura dado pela cimeira e que os comunicados procuraram contrariar, acabou nos meses seguintes por ser esbatido pelo aproximar de posições. Só assim se explica que a ONU tenha autorizado a ocupação no Iraque a partir de maio e que Barroso tenha conseguido chegar à Comissão Europeia com o apoio de países anti-intervenção, como França e Alemanha.
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