Quando o jornalismo regressa a casa - TVI

Quando o jornalismo regressa a casa

Nota prévia: este texto escolhe o mesmo título do artigo original e segue o mesmo fio condutor. Apenas porque, por vezes, só quem presencia os momentos consegue transmitir a sua verdadeira dimensão

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Longas horas e 195 dias depois a espera tinha finalmente terminado. Ricardo Garcia Vilanova, fotojornalista em versão «náufrago barbudo», desce, de rosto fechado, do Falcon que acabou de aterrar. Ao seu lado um ainda sorridente Javier Espinosa, que não perdeu as patilhas à Corto Maltese, e que, às 16:26, vê o filho a correr para os seus braços. As primeiras palavras: «Lamentamos muitos, são os ossos do ofício».

A notícia da liberdade do jornalista do El Mundo e do fotógrafo freelancer raptados na Síria, em setembro passado, chegou com um telefonema no sábado à noite para a redação do jornal. O jornalista ligou para a redação e disse: «Fala Espinosa», que de «voz pausada», a mesma de sempre, como se tivessem passado apenas alguns dias», deu a notícia mais esperada.

«Felicidade pura», twittou sua mulher, a jornalista Monica Garcia Prieto.





A 16 de setembro os dois profissionais foram sequestrados na Síria por radicais islâmicos ligados à Al-Qaida, perto da fronteira com a Turquia, quando se preparavam para abandonar a Síria, após duas semanas de reportagem no leste do país. Entre o fatidídico checkpoint de Tal Abyad, na província síria de Raqqa, e o solo espanhol ficou «um oceano de ansiedade e noites de pesadelos», escreve a reportagem do El Mundo. «As lágrimas acumuladas de seis meses correram sem parar e o mais importante foi dito ao ouvido e em voz baixa», retratam.

As famílias e o governo espanhol envolveram-se num esforço sem igual para trazer os dos repórteres para casa. O diretor do jornal, Casimiro García-Abadillo, foi o primeiro a reconhecer que o «governo portou-se muito bem». Já o ex-diretor do jornal, Pedro J. Ramírez, que recentemente deixou o cargo, era o responsável na época do rapto e na carta de despedida não esqueceu o peso que carregava: «Senti-me responsável pelo que tinha acontecido».

A chegada à redação levou-os a outra chuva de emoção. Lá, estavam os colegas e amigos que largaram o domingo de folga para os virem saudar de pé num forte aplauso. Javier pediu para que não se aplaudisse mais e no seu pequeno discurso disse: «Estamos perfeitamente bem». O exame médico que se seguiu comprovou o que olhos viam: estavam exaustos, mas bem.

Javier Espinosa, repórter experiente de outros palcos de guerra, desde a Líbia ao Ruanda, é descrito pelos colegas do El Mundo como o jornalista com a «mentalidade de ficar, quando todos estão a sair». Talvez por isso, esta não tivesse sido a primeira vez que foi sequestrado. Em 1999, foi retido durante uns dias por rebeldes «embriagados» com marijuana numa fábrica de cerveja, na Serra Leoa. Depois de os convencer que era melhor para eles que o libertassem, disse que, no fundo, «foram uma férias». «Nã sou herói em nada. Eles sim», descreveu.

Se Espinosa é capaz de partir uma clavícula na Líbia para não perder o bloco de apontamentos com que ia escrever a crónica do dia, Ricardo García Vilanova é o fotojornalista que se recusa a seguir as «manadas» de outros jornalistas. Vai onde a sua câmara é única para mostrar o que ainda ninguém mostrou. É provavelmente o jornalista ocidental que mais tempo passou a documentar a guerra na Síria.

Se para qualquer jornalista duas semanas em Homs ou Alepo é mais do que suficiente, para García Vilanova o tempo certo era alternar idas e vindas de dois em dois meses. As suas imagens foram capa das principais publicações mundiais. À saída da redação do El Mundo, depois de seis meses de cativeiro, em que regressou mais magros e mais sujo, mas não menos destemido, confessa: «O mal é que me roubaram o equipamento. Agora tenho de arranjar outro».
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