Ciao, Pirlo: o médio do «cucchiaino» nunca rejeitou um copo de vinho - TVI

Ciao, Pirlo: o médio do «cucchiaino» nunca rejeitou um copo de vinho

Inglaterra-Itália [Reuters]

Andrea despediu-se dos relvados

A caminhada é longa e solitária. Desde o meio-campo até à marca do penálti. Mas Andrea coloca a bola nos onze metros, enquanto em cima da linha de golo espera o guarda-redes.

Há quem chame a isto um Panenka. Em Itália, um cucchiaino. Há quem ache que estamos no Euro 2012 e a Itália disputa um lugar nas meias-finais com a Inglaterra, nos penáltis, em Kiev.

Estamos muito longe, daí. Em tempo e espaço. Mas o pequeno Andrea comete uma genialidade que Roberto Clerici nunca mais esqueceu.

O génio de Flero despediu-se dos relvados. Mas deixou-nos a ideia de que a simplicidade traz coisas grandes. A história de Pirlo começa em Brescia e termina nos EUA. Pelo meio, um mundo de virtudes, sempre acompanhado pelo indispensável copo de vinho.

O cucchiaino aos 13 anos

Clerici descobriu Pirlo com seis anos. Viu-o crescer no Flero e no Voluntas Brescia. Viu-o a fazer o cucchiaino (colher em italiano) vezes sem contas, depois daquela primeira.

«Em 1992, tinha 13 anos, e vai marcar um penálti na Dana Cup, da Dinamarca. Andrea leva a bola e aproxima-se do círculo exatamente com o mesmo rosto da outra noite em Kiev. Não se ouve uma mosca, vai em direção do guarda-redes com a bola debaixo do braço. Acaricia-a. Assume a corrida. Desacelera. Schhhhf. Bola leve, leve. Golo. Pela primeira vez, fiquei sem palavras», contou Clerici ao Corriere della Sera, em 2012.

«Os balneários eram pequenos e, de modo a não criar filas, organizei a marcação de penáltis no final dos treinos. Quem não marcava, saía, até que ficasse apenas um jogador. Bom, esse era sempre ele.», Clerici, Corriere della Sera, 2012

Andrea cresceu e tornou-se num médio ofensivo de qualidade. Mircea Lucescu percebeu-o mais cedo do que ninguém e aos 16 anos lançou-o na Serie A. Era 1995 e em 1998 o romeno já estava no Inter de Milão, para onde foi Pirlo.

A história de Andrea nos grandes de Itália começa agora. Mas tem de voltar ao lugar em que foi feliz: a Brescia. Um empréstimo dos nerazzurri, pelos quais nunca se irá afirmar, levou-o para o mesmo balneário de Roberto Baggio. E para a orientação de Carlo Mazzone. Também este Carletto lhe ia mudar o destino.

Antes de ir para o grande Milan, num negócio com o rival Inter, Pirlo delicia a jogar mais recuado no Brescia. Aquele 1-1 no Delle Alpi, mítico estádio de Turim, frente à Juventus foi uma das maiores genialidades da História do futebol. Até porque envolveu não um, mas dois génios do calcio.

O síndrome de Istambul

O Milan trouxe-lhe a glória. O negócio com o Inter até foi investigado, mas Andre Pirlo tornou-se rossonero. Não ia ter vida fácil com a presença de Rui Costa no plantel e, por isso, reza a lenda que o próprio falou com Ancelotti e pediu para ser testado mais atrás, como em Brescia. Carletto consentiu e aí Pirlo deu, em definitivo, um passo atrás no campo, para dar dois à frente na carreira.

A glória chegou em 2002/03. Com a Taça de Itália e com a Liga dos Campeões, ganha à Juventus, de todas as equipas, em Old Trafford. É campeão italiano em 2003/04.

Até que em 2005 pensou acabar. Terminar de vez com uma carreira. E assumiu-o na autobiografia.

«Depois de Istambul, nada fazia sentido. A final da Liga dos Campeões de 2004/05 simplesmente sufocou-me. Inventámos uma doença com sintomas múltiplos: «o síndrome de Istambul». Não me sentia jogador e isso já era bastante arrasador. Mas pior do que isso, nem homem me sentia.»

O Milan vencia por 3-0, o Liverpool chegou ao 3-3 e venceu nas grandes penalidades. Pirlo falhou uma e hoje que, sim, que se despede dos relvados em definitivo, lá houve um adepto inglês que lhe desejou uma boa reforma com uma imagem de Dudek a defender-lhe o penálti.

O problema para aquele adepto são as segundas oportunidades que o desporto dá. E em 2006/07, Pirlo lá estava, do lado vencedor, frente ao mesmo Liverpool. Ali, chegaria a segunda Champions League da carreira.

O Mundial, a Juventus e o vinho

A Itália foi campeã do mundo. Em 2006, Pirlo era já uma das principais figuras da squadra azzurra. No torneio alemão levou a equipa ao título mundial. Jogou sempre, marcou o primeiro golo da equipa e quando chegou o dia da final, passou-o assim: «Eu não sinto pressão. Não penso nela. Passei a tarde de domingo, 9 de julho de 2006 em Berlim, a dormir e a jogar playstation. À noite, saí e fui campeão do mundo.»

No dia em que o plnatea reage à despedida de Pirlo, Fabio Cannavaro ilustrou esse momento.

Andrea: «Ouve Fabio, se o Grosso faz golo, somos campeões do Mundo?» Fabio: «Eh, sim»

Os golos, os passes os títulos mudam-se para Turim. Inacreditavelmente, o Milan deixa Pirlo tornar-se um jogador livre em 2011. Andrea não quer falar sobre o assunto, incomoda-o, e mesmo no futuro evita-o. Assina pela Juventus, a maior rival dos dois clubes de Milão. E mais uma vez, Andrea mudou a História do futebol do país.

A Vecchia Signora desata a ganhar campeonatos. Pirlo está cada vez melhor. Os livres são mais perfeitos, os passes mais refinados. O futebol, esse, continua-lhe simples. Vence quatro campeonatos de Itália e fica na memória de todos aqueles que o viram jogar.

Em 2015, já com o currículo cheio, decide aventurar-se nos Estados Unidos. A MLS goza os últimos momentos de Andrea Pirlo, um dos melhores médios da sua geração, um amante das coisas simples, quer em campo, quer fora dele.

«Quando me apaixonei pelo vinho? Desde novo. Com o meu irmão Ivan, divertíamo-nos a ir às adegas e examinar as etiquetas, a escolher o melhor. Sempre gostei de um bom copo de vinho ao jantar. Se nos estágios também? Na véspera dos jogos era permitido um copo de vinho tinto ao jantar. E eu nunca deixei de o beber.», Pirlo, in BresciaOgggi, 2011

Agora que pousou as botas, Pirlo vai ter mais tempo para apreciar esse prazer da vida com o qual cresceu na região de Brescia, enquanto o mundo se despede do futebolista que foi e que lhe valeu as alcunhas de architetto , maestro, professor ou, simplesmente, lá está, Mozart.

 

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