Mulher tem ossos que se multiplicam dentro do corpo - TVI

Mulher tem ossos que se multiplicam dentro do corpo

  • BM
  • 27 mar 2017, 21:01
Corpo humano em exposição (EPA / TIAGO Petinga)

Norte-americana Jeannie Peeper sofre de uma doença extremamente rara, que afeta apenas uma pessoa em cada dois milhões

Jeannie Peeper, uma norte-americana de 59 anos, nasceu com uma doença rara, que faz com que os seus ossos se multipliquem, dentro do corpo. Trata-se de um problema genético, que promove o desenvolvimento de ossos adicionais, em locais onde deveria haver músculos e outros tecidos moles, refere um artigo publicado pela BBC.

O meu corpo produziu um esqueleto adicional”, afirma Jeannie Peeper, resumindo, assim, a sua estranha doença.

Desde cedo que a mãe de Jeannie percebeu que a filha era diferente. Jeannie Peeper não conseguia abrir a boca como os irmãos e começou a sofrer inflamações, na parte posterior da cabeça, aos três meses.

Preocupados com os sintomas da filha, os pais de Jeannie decidiram levá-la a ortopedistas, ou seja, a médicos especialistas em problemas de ossos.

Ela tinha cinco anos quando nos disseram que não chegaria à adolescência. O meu marido e eu não sabíamos o que fazer”, recorda a mãe da mulher que hoje tem 59 anos.

Apesar da doença, Jeannie Peeper conta que passou uma infância feliz, como qualquer outra criança.

Eu não sabia que tinha a doença, até completar oito anos. Lembro-me perfeitamente que acordei um dia de manhã e não conseguia movimentar a mão esquerda”, explica.

Jeannie Peeper acabou por descobrir que sofre de Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (FOP), uma doença genética extremamente rara, que afeta uma pessoa em cada dois milhões.

“Os nossos ossos estão constantemente em crescimento e consertando-se a si próprios. Na verdade, o nosso corpo renova o esqueleto totalmente a cada dez anos”, explica o médico Gabriel Weston, citado pela BBC.

Contudo, no caso de Jeannie, este processo está desequilibrado. Alguns tecidos do corpo, como músculos e tendões, calcificam-se e transformam-se em osso.

Por isso, qualquer queda ou pancada para Jeannie Peeper podem ser muito perigosas. Enquanto as outras pessoas ficam com marcas roxas, ou seja, pisaduras, que depois desaparecem, o corpo de Jeannie reage de maneira diferente e faz com que cresça um osso sobre outro já existente.

Estes ossos aparecem em locais onde não deveriam estar, fazendo com que o corpo dos portadores desta doença fique cada vez mais rígido.

 

Jeannie não estava sozinha

Em 1987, Jeannie Peeper decidiu entrar em contacto com outras pessoas que sofriam da mesma doença.

Assim, conseguiu criar uma comunidade de pessoas que sofriam de FOP e que tinham as mesmas dúvidas. Queriam saber por que motivo os seus corpos eram diferentes e também se haveria alguma cura para esta doença rara.

Decidiram procurar um especialista que pudesse responder a estas questões e acabaram por encontrar um médico, que precisava exatamente de pessoas que sofressem de FOP, para poder estudar a doença.

Esse médico era Fred Kaplan, um cirurgião ortopédico de Filadélfia, nos Estados Unidos, que se interessou pela Fibrodisplasia Ossificante Progressiva, desde o início da sua carreira como médico.

A FOP é a pior e mais catastrófica doença com a qual me deparei em todos os meus anos de formação e residência médica. E não podia fazer nada em relação a isso”, diz Fred Kaplan à BBC.

Foi exatamente por isso que o cirurgião decidiu dedicar a sua vida profissional ao estudo desta doença.

Para poder estudar possíveis causas da doença, o médico precisava de analisar o maior número de pacientes. O grupo criado por Jeannie Peeper foi uma oportunidade única.

Todos os pacientes que vi tinham uma má formação no dedo grande do pé. O interessante é que esse dedo é a última parte do esqueleto que se forma no embrião. É como se o corpo chegasse ao final do processo de formação do esqueleto, não fizesse bem essa parte e então decidisse formar um segundo esqueleto”, explica o médico ortopedista.

A análise feita aos ossos dos pacientes com FOP mostra que todos têm uma quantidade excessiva de uma proteína envolvida na criação dos ossos.

Dado que a produção dessa proteína é determinada pelos genes, os investigadores começaram a considerar que a doença pudesse estar relacionada com um problema genético.

 

A descoberta

Fazendo uma pesquisa à bibliografia médica já existente, Fred Kaplan descobriu um estudo que identificava um gene como o responsável por uma doença semelhante à FOP, mas em galinhas. Fred Kaplan decidiu então examinar o ADN dos pacientes, para perceber se apresentavam problemas no mesmo gene. E encontrou exatamente o que procurava, ou seja, o mesmo erro nos genes de todos os pacientes.

Uma letra entre seis mil milhões. Isso não é uma agulha num palheiro, mas é uma agulha em seis mil milhões de palheiros. Foi uma descoberta incrível, que mudou tudo”, conta o médico.

Jeannie Peeper foi uma das primeiras pessoas a quem Fred Kaplan deu a notícia.

Eu estava feliz. Não podia acreditar naquilo. Disse-lhe que a descoberta do gene, enquanto estava viva, era o maior presente”, lembra Jeannie.

Fred Kaplan conta que Jeannie Peeper estava a chorar, quando lhe deu a notícia por telefone. O médico explicou que teria sido impossível estudar a doença, sem o contributo de Jeannie.

A determinação de Kaplan e de Peeper permitiram que houvesse um grande avanço na compreensão desta doença complexa, num intervalo curto de tempo.

Ainda não há uma perspetiva de cura, mas descobrir um tratamento efetivo para a FOP já seria um grande avanço.

O trabalho de Fred Kaplan pode ser a chave para o desenvolvimento de tratamentos de problemas nos ossos, como fraturas e osteoporose.

Frequentemente pensamos que as doenças comuns nos ajudam a entender as raras, mas, na verdade, é o contrário, são as raras que nos ajudam a perceber as mais comuns”, afirma Kaplan.

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