«18 anos como treinador e perdi o momento mais atrevido do futebol» - TVI

«18 anos como treinador e perdi o momento mais atrevido do futebol»

Liverpool-Roma

Jurgen Klopp recorda alguns dos momentos mais importantes da carreira

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Jurgen Klopp escreveu uma crónica para o The Players Tribune em que faz uma retrospetiva dos seus mais de 30 anos no futebol. Primeiro quando com 20 anos, acabado de ser pai, jogava como amador e trabalhava à noite num armazém de filmes para cinema para pagar as contas, depois como treinador.

Num texto inspirador, cheio de emoções, o técnico alemão recorda como meteu algumas vezes a pata na poça frente aos jogadores e que o melhor momento da sua carreira começou com um desastre. Ah, e lembra-se do momento mais atrevido da história do futebol, no jogo do Liverpool frente ao Barcelona? Klopp já o viu mais de 500 mil vezes, mas só pela televisão.

A primeira história do texto é de 2011, quando o Borussia Dortmund de Klopp ia defrontar o Bayern Munique. O técnico, fã de cinema e, particularmente inspirado pelos filmes de Rocky Balboa, que considera que «deviam ser mostrados nas escolhas públicas de todo o mundo» - «devia ser como aprender o alfabeto», diz o treinador -, resolveu fazer uma palestra aos jogadores com imagens do filme.

«A última vez que o Dortmund ganhou ao Bayern Munique a maioria de vocês ainda usava fraldas», dizia Klopp aos jogadores, mostrando então imagens do Rocky IV, quando Ivan Drago está ligado ao computador para que os cientistas o estudem e depois Rocky a treinar numa cabana no meio do bosque.

«Estão a ver isto? O Bayern Munique é Ivan Drago. O melhor em tudo! a melhor tecnologia! As melhores máquinas! Ele é imparável! Nós somos o Rocky, somos mais pequenos, sim, mas temos a paixão! O coração de um campeão. Conseguimos fazer o impossível!»

«Eu esperava que os jogadores subissem para as cadeiras, prontos para irem a correr para uma montanha na Sibéria, ficassem loucos. Mas eles estavam só alia sentados, a olharem para mim com um olhar morto. Sem expressão. Podiam ouvir-se os grilos. A olharem para mim como se não soubessem de que é que eu estava a falar. Foi quando eu percebei que o Rocky IV tinha saído em 1980 e qualquer coisa. Quando tinham estes rapazes nascido?», recordou o treinador, percebendo depois que apenas dois jogadores sabiam quem era Rocky Balboa.

«Todo o meu discurso era um disparate. O jogo mais importante da época, talvez o mais importante da vida destes jogadores e eu estava a falar de tecnologia soviética e da Sibéria durante 10 minutos. Acreditam nisto?», diz Klopp, que lembra que os treinadores são humanos. «Às vezes fazemos coisas embaraçosas.»

«Sinceramente, nem sei se ganhámos o jogo ou não», disse o técnico, garantindo que estas histórias e estes jogadores, nunca esquecerá.

Klopp fala então de outros jogadores, da equipa do Liverpool que agora comanda. «Eu vi o que uma pequena bola redonda pode fazer na vida de tantos jogadores. As caminhadas pessoais de Mo Salah, Sadio Mané, Roberto Firmino e tantos outros dos meus rapazes são incríveis. As dificuldades que eu passei como jovem na Alemanha não se comparam com o que eles tiveram de superar. Houve tantos momentos em que eles podiam facilmente desistir, mas recusaram-se a fazê-lo. Eles não são deuses, simplesmente nunca desistiram dos seus sonhos», diz o técnico, recordando a meia final da Liga dos Campeões no ano passado, em que os Reds venceram o Barcelona após uma derrota por 3-0 na primeira mão em Barcelona.

«Até o meu maior triunfo como treinador, nasceu do desastre», lembra Klopp, recordando que, ao preparar a segunda mão da meia final disse aos jogadores: «Temos de jogar sem dois dos melhores avançados do mundo. Toda a gente diz que não é possível. E, vamos ser honestos, provavelmente é impossível. Mas por causa de vocês eu acredito. Por causa de vocês temos uma hipótese.»

E nesse jogo em Anfield o Liverpool conseguiu mesmo, com o golo de Origi a levar o estádio à loucura, após um canto batido de forma inusitada por Trent Alexander-Arnold.

«Infelizmente, o momento mais incrível da história da Liga dos Campeões... Não o vi realmente. Talvez seja uma boa metáfora para a vida de um treinador de futebol, não sei. Mas perdi completamente o momento de genialidade do Alexander-Arnold», contou Klopp.

«Eu vi a bola sair para canto, vi o Trent caminhar para o bater e vi o Shaqiri segui-lo. Mas virei costas, porque estávamos a preparar uma substituição. Estava a falar com o meu adjunto e... Fico com pele de galinha sempre que penso nisto... Simplesmente ouvi o barulho. Virei-me para o jogo e vi a bola voar até às redes. Virei-me novamente para o banco e olhei para o Ben Woodburn e ele perguntou "o que é que aconteceu?" e eu respondi "não faço ideia!". Anfield foi à loucura. Quase não ouvia o meu adjunto, e ele gritava "Então... Ainda queres fazer a substituição?" Nunca me esquecerei disso.»

«Consegues imaginar? 18 anos como treinador, milhões de horas a ver jogos, e perdi o momento mais atrevido que aconteceu num campo de futebol. Desde essa noite, devo ter visto o golo do Divock 500 mil vezes. Mas lá só vi a bola bater na rede», contou.

Klopp revela ainda que chegou ao gabinete após o jogo e nem um golo de cerveja bebeu. «Não precisava. Fiquei ali com uma garrafa de água na mão em silêncio. Só a sorrir. O que sentia não consigo descrever com palavras.»

Chegado a casa, a família e amigos festejavam, mas, diz o técnico, «estava tão emocionalmente exausto» que foi direto à cama dormir. «Estava completamente vazio. Tive o melhor sono da minha vida e o melhor foi acordar no dia seguinte e perceber: 'Ainda é verdade. Aconteceu mesmo'.»

«Para mim, o futebol é a única coisa mais inspiradora do que o cinema. Acordas de manhã e a magia é real. Realmente derrotaste o Drago.» 

O técnico disse depois que vai doar 1% do salário anual à Common Goal, um movimento de solidariedade de pessoas do futebol para ajudar os mais desfavorecidos.

«Vamos ser honestos: nós somos extremamente felizardos. É nossa responsabilidade, como pessoas privilegiadas, dar alguma coisa de volta às crianças de todo o Mundo que só precisam de uma oportunidade. Não nos devemos esquecer como era quando tínhamos problemas a sério. Esta bolha em que vivemos não é o mundo real. Desculpem, mas qualquer coisa que aconteça num campo de futebol não é um problema a sério. Deve haver um maior propósito para este jogo do que receitas e troféus, não?»

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