Do desemprego à final da Champions: a incrível história de Mendy - TVI

Do desemprego à final da Champions: a incrível história de Mendy

Há apenas seis anos, o guarda-redes estava inscrito no centro de emprego e sem clube. Um encontro casual mudou-lhe a vida e desde então tem sido sempre a impressionar.

[ATUALIZAÇÃO do artigo publicado a 6 de Novembro: o conto de fadas de Mendy continua...]

 

Chama-se Edouard Mendy e vive um conto de fadas. Há seis anos estava no centro de emprego, sem perspetivas de futuro, e agora vai defender a baliza do Chelsea na final da Liga dos Campeões.

Os «blues» vão tentar repetir a conquista de 2012, ano em que tinham a baliza entregue a Petr Cech, precisamente o principal responsável pela contratação de Mendy. O checo é conselheiro técnico e fez força para que o clube pagasse 24 milhões de euros por aquele guarda-redes pouco mais do que desconhecido do Rennes.

«Vi trinta ou quarenta hipóteses para a baliza do Chelsea nos últimos meses e Mendy foi sempre a prioridade que estava na minha cabeça», confessou Petr Cech.

 

Mas quem é este guarda-redes que tem conquistado Stamford Bridge?

Antes de mais convém dizer que tem uma história curiosa, como se percebe pelo facto de ter assinado o primeiro contrato profissional já com 24 anos: há apenas quatro épocas, portanto.

Nascido em Montivilliers, uma pequena cidade da Normandia, na fronteira da França com o Canal da Mancha, Edouard Mendy é filho de pai da Guiné Bissau e de mãe do Senegal. Apesar de filho de emigrantes, e de vir de uma família com mais três irmãos e uma irmã, o guarda-redes não teve uma infância pobre: os pais sempre trabalharam para não deixar faltar o essencial às crianças.

Apaixonado pelo futebol, e pelas balizas, Mendy foi levado pelo pai a treinar aos sete anos no Caucriauville, um clube de bairro da cidade de Le Havre, que ficava a seis quilómetros de casa.

Durante seis anos jogou por diversão, sem grandes preocupações, até que aos 13 anos a coisa se tornou mais séria: foi convidado a integrar as camadas de formação do Le Havre. Podia ser o início de um sonho, mas não foi. No Le Havre teve como colega Zacharie Boucher, internacional francês nas seleções jovens, o que atirou Edouard Mendy para o posto de guarda-redes suplente.

Curiosamente Zacharie Boucher é agora guarda-redes do Aris Salónia, na Grécia, mas essa é apenas uma prova das muitas voltas que a vida dá.

Certo é que, descontente por ser suplente, Edouard Mendy resolve sair do Le Havre após um ano e regressa ao futebol amador. Vai para o CS Municipaux Le Havre, onde faz toda a formação.

Na passagem para sénior, muda-se para o Cherbourg, um clube que disputa a terceira divisão, onde é adversário de N’Golo Kanté : as vidas de Mendy e Kanté têm aliás muitas semelhanças, ambos comeram o pão que o diabo amassou antes de atingirem a glória no Chelsea, pelo que rapidamente se tornaram amigos no balneário que agora partilham em Stamford Bridge.

No Cherbourg, Mendy cumpre duas temporadas na terceira divisão, sempre como suplente, até que o clube desce à quarta divisão. Nessa altura Mendy é lançado como titular, mas o ano não corre bem e o Cherbourg cai novamente, agora para a quinta divisão.

Seduzido pelas promessas de um empresário, que lhe garante que o vai levar para a terceira divisão de Inglaterra, Mendy abandona o clube e recusa uma ou outra proposta de clubes modestos do futebol francês. O telefone, esse, nunca tocou e o guarda-redes acabou por ficar desempregado.

É nessa altura que vive os piores momentos da vida. Quase a ser pai do primeiro filho, vê-se obrigado a inscrever num centro de emprego, enquanto pede ao Le Havre para treinar com as reservas: de manhã trabalhava no clube, à tarde fazia ginásio e trabalha de baliza com um irmão.

O subsídio de desemprego, no entanto, não era suficiente e começa a procurar um trabalho. É nessa altura, que por um daqueles acasos felizes da vida, encontra Ted Lavie, um antigo treinador que tinha um amigo que treinava os guarda-redes do Marselha. Por feliz coincidência, o Marselha andava à procura de um guardião para a equipa de reservas, os dois falam e combinam que Mendy iria ao sul de França fazer uma semana de testes. Foi aprovado e integrou a equipa de reservas.

Tudo aconteceu no ano em que Marcelo Bielsa saiu do Marselha e entrou Michel. O espanhol chamava frequentemente Edouard Mendy a treinar com o plantel principal e ao lado de nomes fortes, como Steve Mandada ou Yohann Pelé, o jovem guarda-redes fez progressos relevantes.

A carreira estava relançada e o guarda-redes dava nas vistas da equipa de reservas, o que levou o Stade Reims, então na II Liga, a interessar-se por ele. Foi o grande salto na carreira.

«Gostávamos que ele tivesse continuado, mas não teria hipóteses de jogar na primeira equipa do Marselha. Arranjou um bom empresário, que fez muito bem em levá-lo para o Reims. Nunca tive dúvidas que ele ultrapassaria o Johan Carrasso [titular do Reims]», confessou Dominique Bernatowicz, treinador de guarda-redes do Marselha.

Com efeito, Bernatowicz estava certo. Após um primeiro ano de adaptação, Mendy conquista a titularidade, o Reims é campeão e sobe à Liga Francesa.

Nessa altura aparecem também as seleções. A primeira a convocar Mendy é a da Guiné-Bissau, para um duplo amigável com Belenenses e Estoril em Portugal. O guarda-redes aceita e estreia-se numa seleção, mas quando a Guiné-Bissau o convoca para um jogo a sério, de apuramento para o Taça das Nações Africanas, Edouard Mendy responde que não e rejeita a chamada.

«Quando a Guiné-Bissau me chamou para os dois particulares em Portugal o meu pai estava muito doente, quase a morrer, e eu quis dar-lhe essa alegria de jogar pelo país dele. Mas o meu sonho sempre foi representar a seleção do Senegal, de onde a minha mãe é natural», confessou.

Hoje é internacional pelo Senegal.

Por entre todas estas conquistas, Edouard Mendy deixou de ser um desconhecido, foi-se afirmando no futebol francês. Fez oitenta jogos em dois anos no Reims e naturalmente acabou por dar o salto, na circunstância para o Rennes, onde um ano apenas bastou para atrair a atenção do Chelsea.

No Rennes deixou a memória de um guarda-redes bom no jogo com os pés, forte em cima da linha e cada vez melhor nos cruzamentos. Deixou também a imagem de um homem simpático e afável, que gostava de jogar com os filhos no relvado no fim de cada jogo em casa.

«Embora seja um gigante, alto e forte, no balneário quase chorou no dia em que anunciou a sua saída», revelou o colega Benjamin Bourigeaud.

Chegado a Londres, Mendy teve de lutar pela baliza com Kepa e Caballero. Não iniciou a época no topo da hierarquia, mas conquistou a titularidade no final de setembro. Fê-lo num jogo da Taça da Liga, após três jornadas de fora. Afinal de contas, subir a pulso sempre foi a história da vida dele.

Nos primeiros sete jogos sofreu apenas um golo, igualando assim o registo de...Petr Cech.

Mendy nunca mais largou a baliza e foi fundamental na campanha europeia, com apenas três golos sofridos em onze jogos.

O Chelsea está na final e Mendy pode ser campeão europeu. Seis anos depois de ter ido bater à porta do centro de emprego.

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