"Quantos mais têm de morrer?": Marielle, política, ativista e negra foi morta um dia depois - TVI

"Quantos mais têm de morrer?": Marielle, política, ativista e negra foi morta um dia depois

Onda de violência no Brasil já ganhou proporções que nem sempre encontram eco na imprensa internacional. Esta mulher era vereadora da câmara do Rio de Janeiro e foi assassinada a tiro em pleno centro da cidade

Horas antes de ser morta - ontem - Marielle Franco participou numa conversa com jovens negras que fez questão de transmitir nas suas páginas de Twitter e de Facebook. Esta mulher, vereadora na câmara do Rio de Janeiro há mais de um ano, ativista e negra, abraçava com alma as causas de género e da não-violência. Anteontem fez uma pergunta direta sobre as mortes que estão a assolar a, agora ironicamente, Cidade Maravilhosa, sem saber que lhe iriam tirar a própria vida, aos 38 anos, em pleno centro da cidade, aos tiros. 

A onda de violência no Brasil já ganhou proporções que nem sempre encontram eco na imprensa internacional. Ainda assim, há menos de um mês também chegou a este lado do Atlântico a força de um vídeo ciral feito por moradores de favelas do Rio, com dicas para agir em caso de abordagem imprópria das policias. Um vídeo feito para "sobreviver": "Se você é negro, preste atenção", pedem três jovens (um publicitário, um repórter e um youtuber).

Marielle também era negra. Também lutou contra a violência perante os mais fracos, pela defesa dos moradores das favelas, dos direitos humanos e das mulheres. Uma política de causas. Uma política apoiada: foi a quinta vereadora mais votada em 2016, contando com o apoio de 46 mil eleitores. Basta espreitar as redes sociais onde participava para perceber. 

#NãoVãoSilenciarMarielle

O assassinato de Marielle está a deixar o Brasil em estado de choque. Logo se começou a criar um movimento para não deixar que seja apenas mais uma morte. Pede-se justiça, no meio da tristeza. Disso é exemplo a publicação feita pelo músico Caetano Veloso. Figuras públicas pedem a continuidade das lutas desta mulher "guerreira", como é apelidada pelo ator, escritor e humorista Gregorio Dudivier.

 

 

Instagram Caetano Veloso

Também a eurodeputada Marisa Matias partilhou uma iniciativa de solidariedade com Marielle no Parlamento Europeu.

 

Assassinos sabiam lugar exato que ocupava dentro do carro

O jornal O Globo escreve, esta quinta-feira, que os polícias da Divisão de Homicídios que estão a investigar o assassinato da vereadora acreditam que os responsáveis pelo crime já sabiam o lugar exato que Marielle ocupava dentro do carro de vidros escurecidos: seguia no banco traseiro à direita. É que os disparos foram feitos de trás para a dianteira do veículo e entraram, precisamente, pela janela lateral traseira.

Também o motorista Anderson Pedro Gomes foi alvejado. A assessora de imprensa de Marielle foi atingida pelos estilhaços do vidro que se partiu com os tiros.

A tese de assalto parece estar afastada. Até porque nenhum bem foi roubado. Assassinato é a principal linha de investigação. A forma que a cantora e atriz Clarice Falcão usou para não deixar passar em branco a morte de Marielle Franco foi, precisamente, fazer referência às possíveis teorias da conspiração que, para si, não colhem.

 

Quem fala que o que rolou foi assalto ou é burro ou é mal intencionado.

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Lutas de uma vida... até à morte

Marielle Franco estudou Sociologia, com uma bolsa, e fez mestrado em Administração Pública. Foi assessora parlamentar do deputado estadual Marcelo Freixo, que tinha sido seu colega de curso. Foi eleita há dois anos para a câmara do Rio de Janeiro.

Quinta vereadora mais votada, era presidente da Comissão de Defesa da Mulher. Apresentou, nesse âmbito, um projeto para a criação do Dossiê da Mulher Carioca. Queria agregar dados sobre a violência de género no Rio de Janeiro. Outras das suas lutas foram para viabilizar o aborto na cidade, nas condições estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal, e para aumentar o número de Casas de Parto, para os partos normais.

Enquanto vereadora, Marielle apresentou também 116 propostas, incluindo 16 projetos de lei. Dois deles chegaram mesmo a lei: um para permitir o serviço de mototáxi na cidade, o outro para limitar os contratos da câmara, com as organizações sociais, à área de saúde. Estava a preparar ainda um projeto de lei para penalizar o assédio nos autocarros.

Fazia parte da Frente em Defesa da Economia Solidária. As questões de género, ad efesa dos negros, a educação, a economia e o ativismo estavam no seu sangue.

A propósito do Dia da Mulher, que se assinalou na semana passada, passou a sua última semana de vida com uma agenda cheia, que culminou com o encontro com jovens negras desta quarta-feira. Horas antes de encontrar, sem nada o fazer prever, a sua própria morte.

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