Repórter TVI: os sonhos desfeitos no mar de quem quer chegar à Europa - TVI

Repórter TVI: os sonhos desfeitos no mar de quem quer chegar à Europa

Grande reportagem na Sicília e em Lampedusa junto dos que continuam a lutar por uma vida melhor

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Há três semanas, cerca de 800 pessoas morreram num naufrágio no Mediterrâneo. Eram todos migrantes sub-saharianos que tentavam chegar à Europa. Milhares de pessoas morreram nos últimos anos nas águas que dividem o território europeu de África. Arriscaram a vida naquela que é a maior onda migratória após a II Guerra Mundial.

As ilhas italianas de Sicília e Lampedusa estão no epicentro desta crise. O porto de Catânia é um dos mais movimentados da Europa por estes dias. Não pelos contentores que chegam, mas devido aos muitos migrantes que são salvos no mediterrâneo, quase sempre pela Guarda Costeira e pela Marinha Italiana. Na grande maioria dos casos é aqui que pisam solo europeu pela primeira vez.
 
O que leva uma pessoa a partir para uma viagem que pode durar meses ou anos, em que tem de atravessar o deserto, guerras e montanhas para chegar à frente marítima, onde ainda tem de esperar vários dias, semanas ou meses para o momento certo. E depois aceita embarcar em condições deploráveis. Muitas vezes em botes de borracha ou no máximo em barcos velhos, podres e com excesso de ocupantes? As razões são políticas, económicas, mas sobretudo humanitárias.

A guerra na Síria é um dos pontos de maior tensão. É dali que saem grande parte dos migrantes, que procuram as várias rotas para chegarem à Europa. A saída pela Turquia obriga a um caminho longo e extremamente tortuoso pelos Balcãs, que recentemente custou a vida a dezenas de pessoas que foram atropeladas por um comboio. A maioria acaba por optar pela via mediterrânica e aí o drama aumenta.

Logo a seguir aos sírios surgem os eritreus, que fogem de uma ditadura onde os homens são obrigados a alistar-se no exército até aos 50 anos. Muitos outros viajam de países tão longínquos como o Mali, o Senegal, o Gana ou a Nigéria. Concentram-se todos na Líbia, um país em permanente caos, sem governo estável e sem forças de segurança que mantenham a ordem ou que simplesmente consigam controlar as fronteiras.

A culpa europeia começa a ser sentida aqui. Se em 2011, os países da União deram luz verde à intervenção da nato para derrubar o regime de Khadafi, nada foi feito nos últimos anos para estabilizar o país e o resultado está no aumento incrível de migrantes que chegam à Líbia com o objetivo de atravessar o mediterrâneo.

O tráfico humano é um negócio altamente lucrativo. Os criminosos aproveitam-se dos sonhos dos outros, como é possível confirmar no Centro de Acolhimento de Mineo, o maior da Europa, com cerca de 3500 pessoas aqui instaladas.
 

O ex-condomínio residencial de militares americanos tem mais de 400 habitações e recebe pessoas de 35 nacionalidades. Aqui, os requerentes de asilo esperam mais de um ano pelos documentos de legalização.
 
 

Hope in Europe #sicily #catania #migrants

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Para o centro de Mineo foram também levados alguns dos sobreviventes do naufrágio de 19 de abril. As autoridades mantêm-nos afastados dos holofotes, dão-lhes apoio psicológico e tentam perceber o que realmente aconteceu. Estima-se que mais de 800 terão perdido a vida, naquele que já foi considerado o maior naufrágio no mediterrâneo desde a II guerra mundial. O barco colidiu com um cargueiro português antes de se afundar. Muitos dos que morreram estavam trancados no compartimento de carga.

A tragédia chocou o mundo e obrigou a europa a alterar a política de patrulhamento do mediterrâneo, mas operação Tritão continua a ser muito menos ambiciosa do que a operação Mare Nostrum, implementada pela Itália entre 2013 e 2014. O objetivo de então era salvar pessoas, enquanto a de agora é defender as fronteiras.

Mas a reação italiana só surgiu depois de uma outra tragédia. Foi a 3 de outubro de 2013: 366 pessoas morreram ao largo da ilha de Lampedusa. Muitas dezenas foram salvas por pescadores. Habituado a viver com os muitos migrantes que ali chegam, o pequeno território de apenas 20 hectares e cinco mil habitantes transporta um rótulo pesado. Mais próxima de África do que da Europa, a ilha serve de boia de salvação num mar transformado em cemitério.
 
São milhares os que são transportados todos os anos para esta pequena ilha. O centro de acolhimento de refugiados está preparado para receber pouco mais de 300 pessoas, mas a lotação é geralmente ultrapassada em três ou quatro vezes. Lampedusa é a porta da europa para os que vêm do sul
 
Os milhares de sírios, eritreus, malianos, nigerianos, somalis regatados nas águas do Mediterrâneo sonham todos os dias com a paz, a liberdade e a prosperidade que a europa lhes poderá oferecer. Desconhecem que muitos europeus os rejeitam, até há quem lhes chame baratas e os governos ricos pagam para os ter longe.
 
O Mediterrâneo está calmo, os traficantes preparam mais barcos e na Líbia estão um milhão de pessoas à espera de fazer a travessia. Todos os dias chega mais gente, bebés nascem em pleno mar. Os sonhos persistem, mas a tragédia é inevitável.
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