Crianças e pais separados na fronteira dos EUA quebram silêncio - TVI

Crianças e pais separados na fronteira dos EUA quebram silêncio

  • AFO
  • 19 jul 2018, 16:17
Imigrantes têm entrada negada na fronteira do México com os EUA

Famílias separadas foram mal tratadas e estiveram sem água, comida e colchões

As histórias que chegam dos centros de detenção nos EUA são contadas pelas centenas de famílias que foram separadas: pais que foram obrigados a despedirem-se dos filhos, sem saber para onde é que eles iam e em que condições é que iam ficar. 

A política do governo de Donald Trump separou famílias e sujeitou-as condições miseráveis: sem água ou comida, sem colchão para dormir. E se isso não chegava há também quem tenha sido mal tratado.

O jornal El País conta os relatos destas famílias com base em 200 entrevistas realizadas aos imigrantes ilegais por organizações sociais.  

"O Canil"

Ángel A, um menino mexicano de 13 anos, define Tump como um "pesadelo". O "canil", como é chamado o centro de detenção para imigrantes na cidade de McAllen, no estado do Texas, foi a sua casa durante seis dias, onde foi obrigado a viver sem a mãe com quem tinha entrado ilegalmente nos Estados Unidos. Partilhou a cela com outros menores ilegais, onde viveram momentos de humilhação. 

Os guardas disseram-lhe a ele e ao resto das crianças mexicanas que, por terem esta nacionalidade, mereciam estar na parte mais fria da cela, perto do ar condicionado. Viviam no frio sem saber o dia de amanhã e na incerteza de se algum dia iam voltar a estar com os pais. 

Todos os dias, os guardas diziam-nos que nunca íamos ver os nossos pais, que íamos ser adotados", confessou Ángel. 

As crianças eram ainda obrigadas a acordar a meio da noite e, se não o fizessem, eram acordados à força. 

Felizmente, Ángel voltou para os braços da mãe, mas ainda tiveram que viver presos mais um mês, antes de serem libertados.

O testemunho de Ángel é um dos 200 recebidos pelas organizações sociais que incluem uma ação judicial do tribunal do estado da Califórnia contra o governo de Donald Trump pelos maus tratos aos imigrantes, que na maioria estão a fugir da violência dos seus países. 

O documento do tribunal descreve os abusos como "atrozes". Os imigrantes passam por momentos de desprezo e vivem em más condições: muitos queixam-se do frio extremo, dos arames que os cercam, que não têm água e da má comida que lhes é dada. Outros contam que foram ameaçados pelos guardas e que não receberam atendimento médico.

Não sei onde estava a minha mãe", contou Griselda, uma guatemalteca de 16 anos que foi separada da mãe ao entrar no território norte-americano.

Na cela onde viveu, ouvia gritos constantes e os guardas recusaram-se a dizer-lhe o paradeiro dos próprios pais. 

Peter Schey, advogado do Centro de Direitos Humanos e de Direito Constitucional, assegura que 90% das 200 declarações dos imigrantes presos são relatos "chocantes e atrozes". 

Crianças a chorar, a tremer de frio, famintas, com sede, sonolentas, cansadas, doentes e aterrorizadas", lê-se na ação judicial, que solicita ainda a nomeação de um supervisor que garanta as autoridades cumpram o que ficou estabelicido no tratado de 1997.

O governo norte-americano nega quaisquer irregularidades, apesar dos testemunhos mostrarem que algumas das crianças foram aprisionadas mais das 72 horas permitidas por lei. 

"Deram-nos comida congelada"

Daise M, uma mulher das Honduras de 38 anos, viajou para os Estados Unidos com a sua filha de 16 anos, depois ter sido ameaçada de morte no seu país. Chegaram à fronteira no dia 21 de junho com a esperança de ir para um "sítio melhor". Foram detidas e o centro de McAllen passou a ser a casa das duas. A mãe viu-se impotente quando a filha "estava com tanto frio que não parava de tremer." 

Eles deram-nos comida, mas estava congelada e não dava sequer para comer. Cheirava tão mal que decidimos ficar com fome em vez de comer ", contou. 

Com fome e ao frio, viveram dias e dias. E mesmo quando podiam descansar o frio não deixava, uma vez que tinham um cobertor, mas que não tinham colchão. 

As guardas riam-se delas.

"Elas não a deixavam dormir e para não adormecerem começavam a espancar-nos", disse Daise.  

Para além disto, ainda eram chamadas de "porcas" e eram forçadas a despirem-se à frente delas antes de irem tomar banho. Dormiam em "jaulas de cães" e durante os primeiros dias não podiam sequer tomar banho. 

"As casas de banho estavam sujas e metiam nojo, mas forçaram-nos a usá-las."

Sem janelas para a rua

Brandon S., um menino da Guatemala de 14 anos, foi obrigado a separar-se da mãe e de um dos seus irmãos, quando tentaram passar a fronteira entre o México e os Estados Unidos. O adolescente acabou por ser transferido para o mesmo centro de detenção onde o resto da família estava alojada, na cidade de San Ysidro, no estado da Califórnia. Mas só conseguiam estar juntos à hora de almoço. 

O adolescente, que já foi libertado, confessou não conseguir esquecer o frio que sentiu durante aquele tempo, onde uma manta era o seu o único aconchego e companhia.

As luzes da cela são muito brilhantes e estão acesas dia e noite. Não há janelas para a rua, então eu nunca sabia que horas eram", disse ele.

Já Ruth fugiu da violência das Honduras com o filho de sete anos, de quem foi obrigada a despedir-se na chegada ao território norte-americano.

Viemos para os Estados Unidos para fugir à violência. O meu padrasto é membro de um gangue e ele e os outros elementos tentaram violar-me", contou a mulher de 32 anos. 

Depois de serem presos, foram transferidos para um centro de imigração na cidade de Hidalgo, no estado do Texas, onde ficaram separados.

Disseram-me que o meu filho não podia ficar comigo", explicou. 

Partilhou cela com mais 30 pessoas, mulheres e crianças com menos de seis anos de idade.

"Os meninos não conseguiam dormir por causa do frio. Estavam sempre a chorar", revelou Ruth, acrescentando que as crianças chegavam mesmo a tossir e a vomitar, mas nem isso fez com que tivessem direito a medicação. 

Perseguido por uma onda de repúdio internacional, Trump revogou, no dia 20 de junho, esta política, que teve início no mês de abril quando o gabinete do procurador decidiu apresentar acusações criminais contra qualquer adulto que entrasse ilegalmente nos Estados Unidos. Isto significa prender praticamente todos os pais que eram acompanhados por crianças e separá-los deles. Antes do final de julho, um juiz impôs um calendário restrito de reunificação das aproximadamente 2600 famílias que foram separadas. 

O tribunal de Los Angeles alega que o governo de Trump está então a violar o pacto judicial conhecido como o "Acordo das Flores", de 1997. Neste tratado, um menor, sozinho ou com os pais, não pode ser detido por mais de 20 dias e, quando sob custódia, têm que lhe ser prestadas as necessidades básicas: água, comida e cuidados de saúde.

Depois da lei anti-imigração ter sido retificada, a administração republicana pediu para deter indefinidamente pais e filhos juntos, mas a decisão de um juiz foi limitar o período para 20 dias. 

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