A morte da "mulher de Isdalen", um mistério com quase 50 anos - TVI

A morte da "mulher de Isdalen", um mistério com quase 50 anos

  • CB
  • 16 mai 2017, 17:39
A "mulher de Isdalen"

Caso do cadáver que apareceu com queimaduras graves e sem qualquer marca que o pudesse identificar continua por resolver. Mas agora a ciência moderna reabriu a possibilidade de resolver o enigma sobre a identidade da vítima

O corpo de uma mulher, com queimaduras graves e sem qualquer marca que a pudesse identificar, foi encontrado há quase cinco décadas na remota área do vale Isdalen, na Noruega. O caso está por resolver até hoje, mas agora, a ciência moderna reabriu a possibilidade de solução desse mistério nórdico.

Logo de início, a polícia percebeu que todas as etiquetas da roupa da mulher tinham sido cortadas, assim como traços e marcas que a pudessem identificar também foram “apagados”. Quando as autoridades começaram a investigação descobriram várias mensagens em código, disfarces e até identidades falsas.

Passados 46 anos da morte da "mulher de Isdalen", que foi encontrada em novembro de 1970, a polícia norueguesa decidiu reabrir a investigação. E agora conta com o apoio de jornalistas do site da estação pública de televisão e rádio da Noruega, a NRK.

A história pode considerar-se digna de um filme. Desde a época medieval que o vale de Isdalen é chamado “Vale da Morte”. Várias foram as pessoas que morreram, tanto por quedas como por suicídio.

Foi um homem e as duas filhas pequenas que encontraram o corpo da mulher nesse mesmo vale, no meio de pedras, enquanto davam um passeio.

A polícia colocou, como primeira hipótese, a possibilidade de a mulher ser uma alpinista, mas rapidamente essa possibilidade saiu da equação.

O corpo estava fora da trilha, aquele não era um lugar de caminhadas", contou à BBC Carl Halvor Aas, um advogado policial, um dos primeiros a chegar à cena do crime.O mesmo advogado recordou que sentiu "um forte cheio de carne queimada".

 

Carl Halvor Aas explicou também que a parte da frente do corpo se encontrava totalmente queimada, incluindo a cara e o cabelo, mas que não havia qualquer queimadura na parte de trás.

Estranhamente, para a polícia, o local estava gelado. Começava, então, a ser impossível perceber como é que a mulher tinha sido queimada e há quanto tempo estaria ali.

No local, a policia encontrou vários objetos como garrafas ou um guarda-chuva partido. Um dos peritos ficou intrigado com a posição dos objetos. A mulher não usava no corpo o relógio ou as jóias: eles estavam dispostos ao seu lado, como se ali tivesse ocorrido alguma espécie de ritual.

 A forma como estavam arrumados e a localização dos objetos à volta do corpo eram estranhos. Parecia que tinha havido algum tipo de cerimónia".

Além dos objetos, era possível perceber que a mulher tinha várias peças de roupa vestidas, mas todas elas tinham sido queimadas, nenhuma tinha etiqueta.

Nesta altura, eram vagas as conclusões que a polícia podia retirar da investigação que tinha sido feita. Para os peritos, a mulher teria cabelo castanho escuro, olhos castanhos e orelhas pequenas. A vítima teria entre 25 e 40 anos.

Poucos dias depois foram descobertas duas malas no departamento de bagagens na estação de comboios de Bergen. Além de roupa, perucas, dinheiro alemão e norueguês, um pente e uma escova, cosméticos, colheres de chá e um creme para o eczema foi também encontrada uma impressão digital que correspondia ao corpo encontrado.

A descoberta deixou otimistas as autoridades, mas o sentimento durou pouco. Todos os sinais que pudessem levar à identificação da mulher tinham sido removidos.

Nas malas havia ainda um bilhete misteriosamente codificado, que a polícia só desvendou muito tempo depois. E ainda uma importante pista: um saco de plástico da loja de calçados Oscar Rortvedt, do município norueguês de Stavanger.

O dono da loja afirmou lembrar-se de vender um par de botas de borracha, idênticas às encontradas junto do corpo, a uma mulher “bem vestida e de cabelo escuro”. À BBC, o dono da loja, disse que a mulher tinha um ar calmo, mas que demorou muito mais do que o tempo médio que outra cliente levaria para escolher as botas.

Através desta descoberta a polícia conseguiu chegar ao hotel: St. Svithun, nas proximidades, onde uma mulher chamada Fenella Lorch tinha feito o check-in. Mas Fenella era só um dos muitos nomes falsos usados pela mulher. Descobriu-se que ela teria passado por diversos hotéis na Noruega, e que, em todos eles, deu nome diferentes. Isto comprova também que teria diversos passaportes falsos.

Uma das empregadas de um hotel por onde a mulher passou diz que ela lhe chamou a atenção.

Ela parecia estar na moda - eu adorava copiar o estilo dela. Inclusive, lembro-me dela me piscar o olho. Acho que ela pensou que eu estava a olhar demais para ela (…) Eu atendi-a na sala de jantar e ela estava sentada junto de dois representantes da Marinha alemã, um deles era oficial, mas nunca interagiram."

Outros empregados referiram que, além do inglês, a mulher também dizia frases em alemão, e que pedia frequentemente para mudar de quarto, chegando a fazê-lo quatro vezes na mesma estadia.

A polícia conseguiu finalmente desvendar o bilhete codificado: acredita-se que, nele, a mulher terá registado todos os sítios por onde viajou.

Antes de o conseguirem decifrar, as autoridades colocaram a hipótese de que a mulher podia ser uma espia, pois não havia muitos turistas estrangeiros em Bergen na época, e o facto de a mulher parecer rica, viajada, gerou muita especulação. O achado de um bilhete codificado junto aos pertences da mulher de Isladen aumentou a crença na versão da espionagem, mas ele não confirmou a teoria de que ela seria uma espia, pelo contrário.

Isto aconteceu durante a Guerra Fria, quando realmente existiam muitos espiões na Noruega, incluindo espiões russos", diz Gunnar Staalesen, um autor de romances policiais de Bergen, na época um estudante universitário.

Enquanto isso, os médicos legistas concluíram o exame ao corpo da mulher. Encontraram um hematoma sem explicação do lado direito do pescoço, que poderia ser o resultado de um golpe ou uma queda. Não havia sinais de que ela estivesse doente. A autópsia também revelou que a mulher nunca esteve grávida ou teve um filho.

Ainda de acordo com a autópsia, nos pulmões havia também muito fumo, o que indicava que a mulher teria sido queimada viva. A quantidade de monóxido que tinha no sangue, a gasolina que estava debaixo do corpo e as cerca de 60 comprimidos que tinha no estômago levaram a concluir que a mulher se poderia ter suicidado.

A autópsia concluiu que a mulher morreu por uma combinação de envenamento por monóxido de carbono e ingestão de uma grande quantidade de pílulas para dormir. A morte foi anunciada como sendo um possível suicídio, teoria que teve o apoio do chefe de polícia de Bergen, mas que muitos acham difícil de acreditar.

Falamos sobre isso, mas até onde eu lembro poucos na polícia achavam que pudesse ter sido suicídio", disse Carl Halvor Aas.

Tanto o lugar remoto onde o corpo foi encontrado e o método do suicídio, com fogo, são estranhos.

Sem outras pistas, o caso foi encerrado e a mulher enterrada em fevereiro de 1971. A polícia acreditava que a mulher fosse católica e, por isso, o funeral seguiu o ritual católico.

De acordo com um relatório da polícia sobre o enterro, o caixão foi decorado com lilases e tulipas, e o padre realizou uma cerimónia simples para a "mulher desconhecida, que foi enterrada num país estrangeiro sem qualquer parente presente".

Em 2016, renasceu a esperança de resolver o caso.

A mulher de Isdalen tinha dentes peculiares, vários deles com revestimento de ouro, o que não era comum para alguém da sua faixa etária e também não é o tipo de trabalho dentário visto na Noruega. Gisle Bang, professor de odontologia, guarda um dos maxilares da mulher, na esperança de que outros especialistas reconheçam e identifiquem a origem do trabalho dentário.

A descoberta dos dentes da mulher (que se julgavam perdidos, mas que foram encontrados num depósito de arquivos forenses no Hospital Universitário de Haukeland) deu à polícia norueguesa a oportunidade de reabrir o caso e usar técnicas forenses mais modernas para tentar identificar a mulher.

Várias amostras de tecido de órgãos da mulher, incluindo pulmões, coração e ovários, foram armazenados no Hospital Universitário de Haukeland e vão agora ser enviadas para análise de ADN, uma técnica não existia em 1970.

Para Nils Jarle Gjovag, diretor forense da Polícia do Distrito Oeste, é importante descobrir a identidade da mulher porque "em algum lugar no mundo podem existir familiares que se perguntam onde ela está".

Tentamos identificar todos os corpos de desconhecidos, para que os parentes possam ser notificados", acrescenta.

Enquanto se aguardam os resultados de ADN, a NRK publicou um documentário sobre a investigação e recebeu mais de 150 pistas de pessoas interessadas no caso.

Depois de meses de trabalho, os cientistas definiram o ADN ampliado da mulher. Pelos resultados, ela era descendente de europeus, tornando um pouco menos provável a teoria de que seria uma agente israelita.

A polícia norueguesa vai emitir um novo comunicado através da Interpol em busca de informação sobre corpos não identificados. As forças policiais europeias deverão verificar os bancos de dados de ADN para ver se encontram uma amostra correspondente.

Se algum parente próximo tiver um registo de ADN em algum lugar, vamos ter mais pistas", diz o jornalista da NRK, Ståle Hansen. "Isso seria emocionante".

 

A polícia, que agora conta com a colaboração de uma equipa de jornalistas, pede a quem reconhecer a "mulher de Isladen" ou queira partilhar pistas sobre o caso, que avise as autoridades ou entre em contacto com a equipa de investigação da NRK, através do website da estação pública de televisão e rádio da Noruega.

Continue a ler esta notícia

EM DESTAQUE