Papéis do Panamá: os perigosos negócios da guerra - TVI

Papéis do Panamá: os perigosos negócios da guerra

  • Redação
  • Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação*
  • 6 abr 2016, 08:00
Mossack Fonseca (Reuters)

Documentos da firma de advogados panamiana Mossack Fonseca mostram ligações a entidades alvo de sanções internacionais e empresas financiadoras de guerras como a Síria e com ligações a regimes ditatoriais . A investigação “Panama Papers” é do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), de que a TVI e o Expresso são parceiros

Numa manhã em meados de 2014, ainda o sol de verão não atingira o pico, dois idosos em Alepo, na Síria, estavam sentados em cadeiras de plástico, conversando tranquilamente e bebendo café negro. Do seu pouso, fora da sua barraca de comida, Sabri Wahid Asfur e o amigo Abu Yassin observavam os vizinhos que faziam as suas vidas.

De repente, bombas caíram no solo, espalhando tijolos e destroços. Segundos depois, explodiram, enviando milhares de estilhaços - pregos, vergalhões - para todo o lado. As rudes bombas de barril tinham sido concebidas para causar o máximo dano humano possível.

Quando o fumo levantou, Asfur procurou Abu Yassin. "Olhei para o meu amigo e vi o seu corpo em pedaços", recorda Asfur.

"Estava a respirar pela última vez".

O ataque foi um de centenas de bombardeamentos aéreos que o regime do presidente sírio Bashar al-Assad levou a cabo durante os seus anos de guerra civil no país, matando milhares dos seus próprios concidadãos. A campanha aérea mortífera não teria sido possível, acusam as autoridades norte-americanas, sem uma rede de companhias que driblam os embargos internacionais para fornecer o petróleo e o gás que mantém os aviões militares no céu.

Três das companhias que os EUA alegam terem fornecido o combustível eram clientes de um escritório de advogados internacional, Mossack Fonseca & Co., que ajudou as companhias a registarem-se e a manterem sucursais nas Seicheles, um paraíso fiscal no Oceano Índico.

O escritório continuou a trabalhar para pelo menos uma destas companhias estreitamente ligadas, depois de as três terem sido postas na lista negra do Governo americano por apoiarem a máquina de guerra síria - juntando-se a dezenas de outros clientes de Mossack Fonseca sancionados pelo Departamento de Controlo de Bens Estrangeiros (DCBE), do Tesouro Americano.

Mossack Fonseca, que está sediada no Panamá, mas tem escritórios pelo mundo fora, trabalhou com pelo menos 33 indivíduos ou companhias que foram parar à lista do DCBE, segundo uma análise dos ficheiros internos da empresa pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI), o jornal Suddeutsche Zeitung e outros parceiros de media.

Nalguns casos, os indivíduos e companhias tinham deixado de trabalhar com a Mossack Fonseca antes de serem objeto de sanções. Noutros casos, as entidades eram clientes ativos quando as sanções foram impostas.

Os parceiros de investigação examinaram mais de 11 milhões de documentos - emails, contas de clientes e registos financeiros - que mostram o funcionamento interno da Mossack Fonseca entre 1977 e dezembro de 2015.

Durante anos, segundo os registos, a Mossack Fonseca ganhou dinheiro a criar companhias fantasma que foram usadas por suspeitos de financiar terrorismo e criminosos de guerra do Médio Oriente; barões e baronesas da droga no México, Guatemala e Leste da Europa; proliferadores de armas nucleares no Irão e na Coreia do Norte e negociantes de armas na África do Sul.

"Parece quase um desejo de suicídio empresarial, aceitar tanta gente horrível", diz Jason Sharman, cientista político na Universidade Griffith (Austrália) e coautor de um estudo pioneiro sobre companhias anónimas.

"Julgaríamos que, mesmo sendo cínicos, teriam relutância em lidar com entidades sancionadas pelos EUA e em enfrentar esse país".

A Mossack Fonseca nega ter feito algo de errado. Um porta-voz disse ao CIJI que a firma confia em intermediários como bancos e outros escritórios de advogados para examinar os antecedentes dos clientes que enviam à Mossack Fonseca. Esses intermediários são supostos notificar a firma "logo que têm conhecimento de que um cliente deles foi condenado ou posto na lista negra de algum organismo que impõe sanções", disse o porta-voz.

"Do mesmo modo, temos os nossos próprios procedimentos para identificar tais indivíduos, até onde for razoavelmente possível".

O tempo que demora a resignar varia com a jurisdição, disse o porta-voz, e algumas autoridades exigem que o agente permaneça no lugar para evitar interferência com a investigação.

O porta-voz acrescentou que a Mossack Fonseca nunca permitiu “conscientemente o uso das nossas companhias por indivíduos com qualquer relação com a Coreia do Norte, o Zimbabué, a Síria e outros países" que estejam na lista negra das sanções. Se descobrisse que tinha informação errada sobre uma companhia que estava a ser usada para propósitos ilegais, disse, o escritório tomaria "quaisquer medidas que tivéssemos razoavelmente disponíveis" para lidar com o assunto.

Combustível para a Guerra

O DCBE, a unidade do Tesouro que está encarregue de aplicar a lista negra, anunciou em 2014 um conjunto de sanções que proíbem cidadãos norte-americanos de lidar com indivíduos e companhias suspeitos de apoiar o regime sírio.

Uma das companhias foi a Pangates International Corporation Limited, um especialista em produtos petrolíferos sediado nos Emiratos Árabes Unidos que foi cliente da Mossack Fonseca durante mais de uma década.

O DCBE pôs a Pangate na sua lista negra em julho de 2014, acusando-a de ter fornecido ao governo sírio 1.000 toneladas de "avgás" - combustível de avião necessário para operar aparelhos militares.

"Certamente que qualquer avião das Forças Armadas Sírias usará avgás", disse Nick de Larrinaga, editor da Jane's Defence Weekly Europe.

Pangate é parte do Grupo Abdulkarim, uma grande companhia síria com escritórios em Damasco. O DCBE sancionou igualmente outros dois clientes da Mossack Fonseca com alegados laços ao Grupo Abdulkarim ou aos seus diretores - a Maxima Middle East Trading Co. e a Morgan Additives Manufacturing Co.

Além disso, sancionou dois cidadãos sírios ligados às companhias.

O DVBE identificou Ahmad Barqawi como diretor geral da Maxima Middle East Trading Co. e Weal Abdulkarim como diretor administrativo da Pangates. Disse que Wael Abdulkarim tinha arranjado “numerosos envios de óleos-base e gasolina de avião para a Síria".

Em julho de 2014, a Pangates, a Maxima e o Grupo Abdulkarim trabalharam com uma empresa russa de petróleo e gás no sentido de obter petróleo destinado às refinarias controladas pelo governo sírio, segundo o DCBE.

Um representante da Morgan Additives disse ao CIJI que a sua inclusão na lista negra do DCBE se baseou "num erro".

Barqawi demitiu-se de diretor da companhia antes de esta ser sancionada e Wael Abdulkarim demitiu-se quando as sanções foram anunciadas, disse o representante, acrescentando que a Morgan Additives não é atualmente detida nem controlada por Wael Abdulkarim.

Nenhuma das companhias ou dos indivíduos sancionados em relação à guerra aérea na Síria responderam a repetidos pedidos de comentários feito por via de email, correio registado ou telefone.

Num anterior declaração aos media, a Pangates reconheceu ter entregue petróleo na Síria, mas disse não saber o seu destino ou propósito último.

"Vendemos a companhias não-sírias que não se encontram na lista de sanções da UE ou dos EUA", disse a companhia à Reuters.

"Não sabemos exatamente quem é que no fim usa o combustível, mas segundo a nossa informação o produto é usado para objetivos humanitários civis".

Os ficheiros secretos mostram que a relação da Pangates com a Mossack Fonseca começou em 1999, quando o escritório legal constituiu a Pangates em Niue, a ilha do Pacífico onde a Mossack Fonseca chegou a ter o direito exclusivo de constituir companhias offshore.

Quando as autoridades de Niue fecharam a indústria de registos offshore após queixas sobre lavagem de dinheiro, a Pangates mudou-se para Samoa, e, em 2012, para as Seicheles. A certa altura, a companhia avaliava-se a si mesma em 7,5 milhões.

Nove meses depois de os EUA terem sancionado a Pangates pela primeira vez, a Mossack Fonseca ainda estava a gerir a papelada da companhia, certificando que era uma companhia das Seicheles com boa reputação. Ainda mais tarde, a Mossack Fonseca ajudou a Pangates a encerrar o seu negócio das Seicheles e mandou-lhe uma conta de 1.100 dólares por esse serviço. Pediu à Pangates que pagasse online ou através da conta bancária da Mossack Fonseca em Nova Iorque.

Foi só em agosto de 2015 - mais de um ano após as sanções contra a Pangates terem sido anunciadas - que a Mossack Fonseca reconheceu a inclusão na lista e procurou obter detalhes sobre os proprietários, contas de serviços como eletricidade e água, ou qualquer outra informação identificadora dos administradores da Pangates e da Maxima Middle East no Dubai. A Mossack Fonseca, por fim, reportou aos reguladores das Seicheles que as companhias estavam nas listas internacionais de sanções.

O primo de Assad

Os ficheiros mostram que Mossack Fonseca também trabalhou com Rami Makhlouf, um primo do ditador sírio, Assad. Logo em 2008, funcionário do Tesouro americano tinham sinalizado Makhlouf como um "insider do regime" que "beneficia ilegitimamente de, e ajuda, a corrupção pública de funcionários do regime sírio". O Tesouro congelou os bens de Makhlouf nos EUA e baniu companhias ou pessoas norte-americanas que trabalhavam com ele. Mais tarde nesse ano, num anúncio muito noticiado, o Tesouro pôs algumas das suas companhias na lista negra.

Embora ele fosse há muito um cliente da Mossack Fonseca, os emails da companhia na altura não fazem qualquer referência às sanções. Isso mudou em 2010, quando as autoridades das Ilhas Virgens Britânicas pediram informação sobre a Drex Technologies S.A., uma companhia detida por Makhlouf que Mossack Fonseca tinha constituído dez anos antes. Os empregados da Mossack Fonseca procuraram - e rapidamente descobriram - informação que tinha circulado largamente durante anos, incluindo detalhes sobre os laços políticos de Makhlouf e alegado contrabando.

Nesta altura, revelam os ficheiros, o responsável por cumprimento na Mossack Fonseca quis abandonar Makhlouf imediatamente. Mas um dos parceiros da firma resistiu, na esperança de não perder o negócio.

Esse sócio, Chris Zollinger, escreveu aos colegas que "há alegações (rumores), mas não quaisquer factos ou investigações pendentes ou acusações". Recordou as notas feitas anteriormente por um colega, referentes a uma conversa entre a Mossack Fonseca e o HSBC, o banco sediado no Reino Unido que servia como gerente financeiro de Makhlouf, na qual o banco assegurava os advogados que os escritórios da HSBC em Genebra e Londres "sabiam sobre o senhor Makhlouf e estão confortáveis com ele".

Se o HSBC não tinha problemas com ele, dizia Zollinger, "então acho que também podemos aceitá-lo".

Porém, acabou por concordar em largar a firma após novas insistências dos colegas e investigações oficiais crescentes sobre o império empresarial de Makhlouf.

Zollinger disse recentemente ao Suddeutsche Zeitung: "Em retrospetiva, o meu comentário no email estava errado, o que lamento". Acrescentou que, enquanto agente registado, a Mossack Fonseca não tinha "nenhuma influência nas transações ou no negócio da companhia" ligada a Makhlouf.

Makhouf não respondeu a solicitações para comentar.

"Isto é perigoso!"

A Mossack Fonseca teve uma atitude mais agressiva em relação à Petropars Limited, uma companhia controlada pelo governo iraniano que foi sancionada pelo Tesouro americano em junho de 2010.

A relação entre a Petropars e a Mossack Fonseca começou em 1998, quase 20 anos após a revolução iraniana, quando a Mossack Fonseca constituiu Petropars nas Ilhas Virgens Britânicas.

Petropars era conhecida dos observadores como um intermediário entre companhias estrangeiras e o ministério do petróleo iraniano. Com escritórios no Dubai e em Londres, era também um ator no desenvolvimento de South Pars, um campo de gás natural iraniano no valor de milhares de milhões.

Três anos antes de a Mossack Fonseca começar a trabalhar para a Petropars, o presidente Bill Clinton, referindo o apoio iraniano ao terrorismo e a sua busca de armas de destruição maciça, baniu o envolvimento americano com o petróleo iraniano. Não estando sujeita à proibição americana, a Mossack Fonseca ajudou a Petropars a emitir ações numa companhia de investimentos em petróleo sediada em Teerão, em 1998.

Os laços da Petropars ao Governo iraniano foram assinalados logo em 2001, quando as autoridades iranianas investigaram e acusaram membros do conselho de administração da companhia, por causa de "irregularidades" em lucrativos contratos de gás. Em 2002, as notícias tinham feito manchete no Economist e no New York Times.

As alegações de corrupção de 2001 "puseram a Petropars no mapa", diz o cientista político Paasha Mahdavi, da Universidade de Georgetown. Mesmo antes de quaisquer alegações emergirem, não teria sido preciso escavar muito para perceber que se tratava de uma companhia cuja maioria, se não mais, era controlada por funcionários do Governo.

A Petropars manteve-se um cliente da Mossack Fonseca até 2010, quando Jurgen Mossack, um dos fundadores da firma, soube que o endereço de correio do seu escritório nas Ilhas Virgens tinha sido dado como o endereço da Petropars na referência que a lista negra do DCBE fazia a esta companhia.

Após uma busca na Internet, uma empregada da companhia, Marcia DaCosta, recomendou que a firma se desligasse da Petropars.

"É uma decisão que talvez venha com um atraso de 12 anos", acrescentou outra empregada, Daphne Murand, "mas tem de ser tomada, à luz das circunstâncias".

Os fundadores da firma - Mossack e Ramón Fonseca - concordaram.

"Isto é perigoso!", escreveu num email. "Toda a gente sabe que há sanções das Nações Unidas contra o Irão, e nós de certeza não queremos negócios com regimes e pessoas desses lugares! Não por causa do DCBE, mas questões de princípio. Quem quer que tenha tido algo a ver com esta companhia, a qualquer nível, devia ter percebido imediatamente que os nomes a ela associados eram nomes iranianos. Um alarme devia ter soado imediatamente".

A firma renunciou como agente registado da Petropars em outubro de 2010. Mossack culpou o escritório de Londres, que tinha processado a papelada da Petropars e devia ter levado a cabo o que a indústria financeira chama "a devida diligência" (ou dever de cuidado) - verificar a identidade dos clientes e garantir que não estão envolvidos em atividades questionáveis.

"Dir-se-ia que a Mossack Fonseca UK não estão a fazer a sua Devida Diligência em profundidade (ou talvez não de todo)", disse Mossack.

Já este ano, como resultado do acordo que levantou as sanções econômicas contra o Irão em troca de esse país desmontar partes chave do seu programa nuclear, os Estados Unidos retiraram a Petropars e outros companhias petrolíferas controladas pelo Irão da lista negra do DCBE.

As Companhias deles

Os ficheiros mostram que apesar de repetidamente admitir a nível interno que os seus controles haviam falhado, a Mossack Fonseca não teve uma política abrangente para cumprir as sanções do DCBE até 2015.

"Companhias globais que não têm instalados os sistemas adequados de cumprimento permitem a atores como organizações terroristas, cartéis da droga e traficantes de seres humanos continuarem a operar e envolverem-se em comportamento ilícito e danoso", disse Eric Lorber, associado senior da Financial Integrity Network (Rede da Integridade Financeira), que ajuda instituições financeiras a cumprir com a DCBE.

Entre 2005 e 2007, foi quando qualquer companhia global, em especial uma com interesses nos EUA, devia realmente ter prestado atenção. Foi nessa altura que o DCBE realmente avisou o mundo".

"É como o contabilista de Al Capone - uma firma que claramente escolheu prestar serviços a regimes malfeitores", disse Emanuele Ottolenghi, académico da Fundação para a Defesa das Democracias em Washington, D.C. comentando não a Mossack Fonseca, que não tinha sido nomeada por altura da conversa, mas uma descrição das suas práticas.

Um porta-voz do DCBE recusou fazer um comentário para esta peça, dizendo que é política da DCBE não falar de investigações atuais ou futuras.

Em 2012 - anos após os primeiros tratos da Mossack Fonseca com as companhias sancionadas -, a firma auditou o seu escritório de Londres. O relatório final concluiu que o escritório "não tinha procedimentos instalados" para lidar com políticos de alto risco e suas famílias e associados e que "buscas usando motores de busca não são conduzidas" para chegar potenciais clientes.

Auditorias dos escritórios da Mossack Fonseca em Singapura, Tailândia, Brasil e Dubai criticaram por falhas em manter registos, verificar antecedentes e procedimentos para lidar com políticos, família e amigos. Cada escritório ficou mal em todos os parâmetros de performance, recebendo classificações de "insatisfatório" ou "espaço para melhorar" que indicavam "falhas sérias" ou "algumas fraquezas".

O escritório do Dubai, que representava a Pangates e outras companhias sancionadas por ajudar a guerra aérea na Síria, foi considerado "insatisfatório" em tudo. Buscas simples na internet para verificar os antecedentes dos clientes não fora efetuadas, disse a auditoria.

Em 2009, por exemplo, a firma admitiu em comunicações internas que tinha registos incompletos sobre uma companhia mais tarde sancionada por "gerir milhões de dólares de transações em apoio às atividades desestabilizadoras do regime da Coreia do Norte".

Também em 2009, a Mossack Fonseca terminou a sua relação com o empresário John Bredenkamp, do Zimbabué.

Bredenkamp, nos registos da companhia desde 1997, foi descrito por um painel de especialistas da Nações Unidas, em 2002, como "experiente em estabelecer companhias clandestinas e operações para tornear sanções". Em 2008, meses antes de a Mossack Fonseca cortar laços, Bredenkamp foi sancionado pelo DCBE, por alegadamente ser um aliado do ditador Robert Mugabe e um "conhecido insider de Mugabe".

Bredenkamp não respondeu a pedidos para comentar, mas tem consistentemente negado alegações a respeito dele e das suas companhias, e também nega ter apoiado o presidente Mugabe. Em 2012, conseguiu eliminar as sanções da União Europeia contra si próprio e contra as suas companhias.

Uma companhia, a Tremalt Limited, comprou equipamento para exércitos na República Democrática do Congo, segundo as Nações Unidas. Demorou sete anos até um empregado da Mossack Fonseca reportar internamente que uma busca na Internet implicava uma companhia diferente que a firma legal dizia ser propriedade de Bredenkamp "numa série de alegações sobre negócios de armas".

Os ficheiros também mostram que, em abril de 2011, a Mossack Fonseca foi informada de que a DCBE tinha acusado financeiros do Hezbolá - um grupo terrorista do Médio Oriente que usou crianças-soldado e disparou rocket sobre cidades povoadas - de usarem uma companhia fantasma da Mossack Fonseca.

A companhia era supostamente parte de uma "rede ligada ao terrorismo", escreveu a sua chefe de cumprimento, Sandra de Cornejo. Levou à Mossack Fonseca meses a reparar que a companhia Ovlas Trading S.A. estava na lista da DCBE. Cortou laços com ela em maio de 2011.

"O que não percebo é que porque é que a Devida Diligência não revelou estes assuntos à partida!", repreendeu  Jurgen Mossack os seus colegas num email. "De certeza que o processo de Devida Diligência tem falhas em qualquer lado".

Advogados representantes da Ovlas Trading disseram que a companhia das Ilhas Virgens foi formada por motivos de poupança fiscal, enquanto parte de um negócio de importação e exportação de comida. A companhia tem estado "sobretudo adormecida", disseram os advogados.

"Em momento algum a Ovlas se envolveu em qualquer lavagem de dinheiro, financiamento de terrorismo, narcóticos ou outra atividade ilícita", disseram os advogados da companhia.

Uma grande firma internacional de contabilidade conduziu uma auditoria forense do negócio da Ovlas, disseram os advogados, e não encontraram "nenhuma prova" de qualquer atividade descrita pelo Departamento do Tesouro americano. O dono da companhia "afirmou publicamente que não é um apoiante do Hezbolá" e os esforços para conseguir o levantamento das sanções continuavam.

A Mossack Fonseca tinha diretrizes para sanções antes de 2015, incluindo uma matriz de risco que incluía Estados párias e países sob embargo, assim como uma "Lista Negra Mossfon" de países que requeriam atenção especial.

Mas os ficheiros revelam que os diretores da Mossack Fonseca Não deram seguimento a recomendações  de que a firma introduzisse políticas mais rigorosas para acompanhar a DCBE. Em 2010, em resposta ao desastre da Petropars, Marcia DaCosta, especialista em cumprimento, tinha sugerido que "uma Política de Cumprimento abrangente é necessária em relação à nossa abordagem a países e indivíduos sancionados".

Num memorando de 2015, citando "mudanças recentes na nossas organização" e "matérias regulatórias", a Mossack Fonseca anunciou que se iria desligar de 35 companhias potencialmente arriscadas "logo que possível". Elas incluíam empresas que lidavam com petróleo na Bielorússia e na Rússia, telemóveis, sumo, pasta de tomate e queijo no Médio Oriente, firmas de investimento no Uganda e na Guiné, transporte marítimo na África Ocidental e imobiliário no Líbano e no Zimbabué.

A Mossack Fonseca não atuaria como agente de qualquer companhias com atividades em países na lista do DCBE, tais como o Sudão e o Sudão do Sul, e seria mais cautelosa noutros países sujeitos a sanções limitadas, dizia o memorando.

Vários especialista em offshores disseram que as autoridades encarregadas de garantir a aplicação das sanções nos EUA e noutros lugares não têm prestado atenção suficiente a intermediários offshore como a Mossack Fonseca, apesar do seu papel chave em criar as companhias que permitem malfeitorias.

Isto é, em parte, devido aos recursos limitados que estão disponíveis para acompanhar casos, dizem os especialistas, segundo Daniel Reeves, ex-investigador principal das iniciativas de cumprimento offshore dos serviços fiscais.

Mas as coisas podem mudar, disse Reeves.

"Houve um tempo em as pessoas não iam atrás dos bancos, queriam ir atrás dos seus clientes", notou. Desde então, investigações dirigidas a bancos como o HSBC e o UBS levaram a multas históricas que os castigam pelo seu trabalho em benefício de criminosos, violadores de sanções e evasores fiscais". Portanto, talvez o próximo passo seja os fornecedores de serviços às empresas", disse.

 

*Por Will Fitzgibbon e Martha M. Hamilton com o contributo de Frederik Obermaier

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