Rainha de Inglaterra investiu milhões em paraísos fiscais - TVI

Rainha de Inglaterra investiu milhões em paraísos fiscais

  • Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ)
  • 6 nov 2017, 12:24

Centena de políticos, estrelas, multimilionários e multinacionais na nova fuga de informação global sobre offshores, investigada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, depois do escândalo dos Papéis do Panamá

A Rainha de Inglaterra, a estrela da pop Madonna ou o gigante tecnológico Apple foram apanhados na nova fuga de informação global sobre paraísos fiscais, investigada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), depois do escândalo dos Papéis do Panamá.

Quase 13,5 milhões de ficheiros revelam os interesses offshores de mais de uma centena de políticos, estrelas, multimilionários e multinacionais, expondo ligações suspeitas, como, por exemplo, a do secretário do Comércio dos Estados Unidos à Rússia, ou os negócios do responsável de angariação de fundos do primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau.

Os ficheiros têm origem em duas operadoras de serviços offshore, uma delas com sede nas Bermudas e outra baseada em Singapura, e foram obtidos, tal como aconteceu com os Papéis do Panamá, pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung e partilhados com o ICIJ, consórcio de mais de 380 jornalistas de 67 países, incluindo a TVI e o Expresso de Portugal.

De acordo com os documentos divulgados, Isabel II investiu milhões de dólares em empresas médicas e de crédito ao consumo. O ducado de Lancaster, que concentra os ativos pessoais da Rainha de Inglaterra, forneceu publicamente alguns detalhes sobre os seus investimentos imobiliários no Reino Unido, como o facto de possuir edifícios comerciais espalhados pelo sul da Inglaterra, mas nunca revelou detalhes sobre os seus investimentos offshore.

Os registos mostram que, a partir de 2007, os gestores do património pessoal da rainha investiram num fundo das Ilhas Caimão que, por sua vez, canalizou dinheiro para uma empresa de capitais de investimento que controlava uma locadora no Reino Unido, a BrightHouse, especializada no crédito rent-to-own e criticada por especialistas de consumo e por deputados do parlamento britânico por vender eletrodomésticos e móveis a cidadãos pobres exigindo-lhes em troca planos de pagamento com taxas de juros capazes de atingir os 99,9%.

Um porta-voz de Isabel II explicou ao The Guardian, que o ducado tem dinheiro aplicado no fundo sediado na Ilhas Caimão e não estava ciente do investimento na BrightHouse. Garantiu, ainda, que a rainha paga voluntariamente impostos sobre os rendimentos obtidos do ducado e dos seus investimentos.

Também a rainha Noor da Jordânia foi identificada como sendo beneficiária de dois trusts na ilha de Jersey, incluindo um trust através da qual é dona de um vasto património no Reino Unido.

Noor al-Hussein, viúva do rei Hussein e madrasta do atual monarca, Abdullah II, disse ao ICIJ que todo o património que foi legado a ela e aos seus filhos pelo falecido rei “foram sempre geridos de acordo com os mais elevados padrões éticos, legais e regulatórios”.

Madonna e Bono

Os ficheiros expõem, também, detalhes sobre a vida financeira dos ricos e famosos. Esses detalhes incluem o iate e os submarinos de Paul Allen, cofundador da Microsoft; os investimentos de Pierre Omidyar, fundador do eBay, nas Ilhas Caimão; ou as ações da Madonna numa empresa de produtos médicos.

Bono, o cantor pop e ativista por uma maior justiça social, foi identificado, através do seu nome verdadeiro, Paul Hewson, com tendo tido ações numa empresa registada em Malta que investiu num shopping center na Lituânia. Outros clientes, menos famosos, registaram-se nos formulários de empresas offshore com profissões como tratador de cães, canalizador ou instrutor de wakeboard.

Madonna e Paul Allen não responderam às perguntas que lhes foram enviadas pelo Consórcio. Bono, segundo um porta-voz, era um “investidor passivo e minoritário” na empresa de Malta, que fechou em 2015.

Trump e os seus secretários

Nos Estados Unidos, os ficheiros revelam a existência de negócios e de fortunas pessoais fora do país por parte de pessoas próximas de Donald Trump e que estão encarregadas de o ajudar a colocar a “América em primeiro lugar”.

O multimilionário Wilbur Ross, secretário do Comércio nomeado por Donald Trump, foi identificado como estando por detrás de uma teia de companhias offshore. Ross possui uma participação numa empresa de transporte marítimo que recebeu mais de 68 milhões de dólares desde 2014 de uma empresa de energia russa detida em parte pelo genro de Vladimir Putin.

Ao todo, estas fugas de informação contêm dados sobre ligações a offshores de mais de uma dúzia de financiadores, conselheiros e membros da Administração Trump.

Wilbur Ross usou uma teia de entidades das Ilhas Caimão para manter uma participação financeira na Navigator Holdings, uma empresa de transporte marítimo cujos principais clientes incluem a empresa de energia Sibur, que tem ligações ao Kremlin. Entre os principais proprietários da Sibur estão Kirill Shamalov, genro do presidente russo Vladimir Putin, e Gennady Timchenko, um bilionário sancionado pelo governo dos EUA desde 2014 por causa da sua proximidade a Putin. A Sibur é uma das principais clientes da Navigator, tendo-lhe pago mais de 23 milhões de dólares em 2016.

Quando se juntou à administração de Donald Trump, Ross alienou as posições que detinha em 80 empresas, mas manteve as participações em nove empresas, incluindo as quatro que o associam à Navigator e aos seus clientes russos.

Um porta-voz de Wilbur Ross disse que o secretário de Comércio nunca conheceu o genro de Putin nem os outros donos da Sibur e que não fazia parte do conselho de administração da Navigator quando esta empresa iniciou a sua relação comercial com a Sibur.

O paraíso de Apple e Nike

Os ficheiros revelam que a empresa mais lucrativa da América, a Apple, andou pela Europa e pelas Caraíbas à procura de um novo paraíso fiscal depois de um inquérito do Senado dos EUA ter descoberto que o gigante tecnológico havia evitado o pagamento de dezenas de milhares de milhões de dólares em impostos ao transferir os seus lucros para subsidiárias irlandesas.

Numa troca de emails, os advogados da Apple solicitaram a confirmação de que uma possível mudança para um de seis paraísos fiscais offshore permitiria que uma subsidiária irlandesa “realizasse atos de gestão sem se sujeitar à tributação de impostos nessas jurisdições”. A Apple não quis contestar os detalhes descobertos sobre a reorganização da sua estrutura societária, mas contou ao ICIJ que explicou os novos acordos que desenhou às autoridades e que essas mudanças não diminuíram o montante de impostos pagos.

Os ficheiros expõem também a forma como as grandes corporações reduziram os impostos criando empresas de fachada para deterem ativos intangíveis, como o design do logotipo da Nike (conhecido como swoosh) ou os direitos de propriedade intelectual de implantes mamários de silicone.

O angariador de Trudeau

Os ficheiros revelam, ainda, que Stephen Bronfman, conselheiro e amigo próximo do primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau, juntou-se com o ex-senador Leo Kolber, outro membro do Partido Liberal, e com o filho de Kolber, para transferir discretamente milhões de dólares para um trust nas Ilhas Caimão. Estas manobras poderão ter evitado o pagamento de impostos no Canadá, nos Estados Unidos e em Israel, de acordo com especialistas que analisaram alguns dos mais de três mil documentos relacionados com as actividades do trust.

À medida que estas fortunas offshore iam aumentando, os advogados de Bronfman, dos Kolbers e de outros milionários foram fazendo lóbi junto do parlamento do Canadá para bloquear propostas legislativas que visavam tributar os rendimentos associados a empresas offshore.

Bronfman continua a ser um angariador de fundos fundamental para Trudeau, que defendeu maior transparência no governo e prometeu reprimir o desvio de impostos para offshores.

Os advogados de Kolber disseram numa carta enviada à CBC, parceiro de media do ICIJ, que “nenhuma das transações ou entidades em questão foram efetuadas ou estabelecidas para a evasão ou sequer elisão fiscal”. Disseram ainda que os trusts identificados na fuga de informação “estiveram sempre em plena conformidade com todas as leis e requisitos aplicáveis”, acrescentando que Stephen Bronfman – para quem Kolber trabalha – não iria fazer nenhum outro comentário.

Continue a ler esta notícia