Roupa para vestir mortos: criadora explica tudo - TVI

Roupa para vestir mortos: criadora explica tudo

«A morte é um momento muito especial, emocional e sagrado e a roupa que vai junto do morto deve ser desenhada especialmente para isso», explica ao tvi24.pt a estilista Pia Interlandi

A ideia pode parecer estranha para quem não pensa na morte e assustadora para quem nem quer pensar. Uma estilista australiana está a dar que falar pelas suas inovadoras colecções de roupa para mortos . Chama-se Pia Interlandi, especializou-se em roupas para enterros e utiliza como principal material o cânhamo, uma fibra derivada da cannabis.

A decisão de criar roupa para mortos surgiu depois de vestir algumas pessoas para os seus enterros e partiu de uma experiência muito particular, quando há alguns anos vestiu o avô. Pia sentiu que as roupas existentes «são feitas para a vida» e têm características que «não se aplicam na situação do enterro», contou a estilista ao tvi24.pt.

Decidiu, por isso, inovar. Entre 90 a 100 por cento das suas criações utilizam tecidos completamente biodegradáveis. Em alguns casos são utilizados elementos pessoais e deixadas mensagens. Pia defende que a morte é um momento «especial, emocional e sagrado» e que a roupa que acompanha o morto deve ser desenhada especialmente para esse momento.

tvi24.pt - Como surgiu a ideia de criar roupa para mortos?

Pia Interlandi - Eu vesti algumas pessoas para os seus enterros. O primeiro foi o meu avô há alguns anos. Cada vez que vestia mortos notava que as roupas são desenhadas para a vida - assim como a durabilidade, o movimento e o conforto, o serem rápidas para despir e vestir - e esses não são os requisitos necessários para quando se morre. A morte é um momento muito especial, emocional e sagrado e a roupa que vai junto do morto deve ser desenhada especialmente para isso.

Quem compra a sua roupa?

PI - Geralmente os principais interessados nestas roupas são pessoas preocupadas com as implicações ambientais dos enterros e que querem permitir que o corpo se torne parte da paisagem na qual é enterrado. Mas também há quem encare a roupa «final» como algo importante para a despedida do mundo físico.

Que tecidos usa? São todos biodegradáveis?

PI - Eu ofereço opções diferentes. Entre 90 a 100 por cento das fibras que utilizo são completamente biodegradáveis, mas ofereço a opção de bordados sintéticos. Eu uso principalmente cânhamo ¿ é uma fibra liberiana que cresce rapidamente e como provém de plantas é facilmente absorvida pela terra.

Qual a importância de vestir o corpo de um morto?

PI - Vestir mortos não é algo que toda a gente considere uma boa experiência. Mas para mim, para aqueles para quem faço este trabalho e para muitas pessoas com quem falei, contactar com o cadáver de alguém que se ama é um momento muito importante do período de luto. Ver o cadáver de alguém é como ver uma concha vazia. A sua alma/energia/espírito foi-se. É confortável saber que parte do que fazia deles «vivos» foi outra coisa ou outro lugar. Pode também ser o momento de dizer adeus à forma física de um ente querido.

Trabalha só para a Austrália ou também para outros países? Quais?

PI - Estou actualmente sedeada na Austrália, mas tenho muitos interessados do Brasil e de Portugal! Gostaria de viajar a esses países para ver se a atitude perante a morte é diferente da existente na Austrália. Questiono-me se se falará mais sobre a morte?

Como é que as pessoas em geral vêm o seu trabalho?

PI - A maior parte das pessoas fica muito surpreendida quando ouve falar do meu trabalho, mas quando entende que não é sobre fazer o morto parecer «sexy» (como acontece na maior parte da moda) e entendem que sou incrivelmente apaixonada e profundamente envolvida no meu trabalho, são muito receptivos e apoiam-me. Geralmente as pessoas não gostam de falar sobre a morte, mas quando estão perante a ideia de «Garments for the Grave» [a colecção de Pia Interlandi] são convidados a falar sobre as suas ansiedades, o que, por sua vez, leva à conversa sobre o que valorizam na vida e o que querem deixar depois de morrerem. Eu sou privilegiada por fazer parte desses momentos.
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