A decisão inédita por parte do canal norte-americano está a gerar controvérsia nos EUA, com outros órgãos de comunicação a considerarem a decisão editorial «errada», uma vez que além de se tratarem de imagens extremamente explícitas, pode auxiliar o grupo nos seus objetivos: incutir o medo e propagandear as suas ações.
Desde que o vídeo foi disponibilizado, esta terça-feira, especulava-se que a cadeia pudesse estar a tentar explorar uma forma de gerar tráfego e pudesse converter visitas em receitas com a publicidade, no entanto, os anúncios habituais foram desativados no vídeo em questão. Apesar de o vídeo já corresponder a 10% do tráfego do website, a «Fox News» já esclareceu que se tratou de uma decisão meramente editorial, por considerarem que cabe aos seus espectadores e leitores decidir se visualizam, ou não, as imagens chocantes.
«Depois de cuidada ponderação, decidimos que dar a opção aos leitores da “Fox News” de visualizar os atos bárbaros do Estado Islâmico era mais importante que as preocupações com a natureza [explícita] do vídeo. Os utilizadores do online podem escolher se veem ou não o conteúdo perturbador», lê-se num comunicado da empresa.
Mas por que está esta decisão a gerar tanta controvérsia? Este não é o primeiro vídeo que o Estado Islâmico publica na internet, e qualquer cidadão que esteja realmente interessado em vê-los pode muito bem «varrer» a web e mais cedo ou mais tarde conseguirá encontrá-los. Depois, se as televisões já mostraram as Torres Gémeas a cair, várias guerras, inúmeros cadáveres resultantes de catástrofes naturais ou conflitos, o que difere essa informação do vídeo cru do EI? E onde fica a liberdade da informação?
«É uma questão complicada», diz Felipe Duarte, professor universitário e porta-voz do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT).
A questão está, portanto, na propaganda gerada para o EI. No entanto, durante a passada década divulgaram-se vários vídeos da Al-Qaeda onde Osama Bin Laden surgia com mensagens para os seus inimigos, e mais recentemente, aquando do atentado ao jornal satírico «Charlie Hebdo» , várias televisões mostraram o vídeo de um polícia a ser abatido por um dos terroristas. Mais do que isso, se estamos a falar do facto de serem imagens chocantes, desde o nono ano de escolaridade que os jovens veem imagens da segunda guerra mundial e das atrocidades cometidas nos campos de concentração.«É uma discussão muito complicada, porque lança-se um conflito entre a liberdade da informação e a concretização do objetivo dos autores do vídeo, que é a multiplicação do número de elementos do grupo. Porque o terrorismo sem propagação não é nada».
Se este fosse um vídeo da morte de Osama Bin Laden ou das alegadas torturas praticadas pelo exército dos EUA em Guantánamo, seria diferente? Felipe Duarte, especialista em terrorismo, explica a diferença.
«Este vídeo foca os três objetivos fundamentais do EI: multiplicação dos jihadistas, traçar um sentimento de impunidade e de crueldade. [Ao mostrar o vídeo] propaga-se o medo e o [aviso] dos militantes: “Quem se mete com o Estado Islâmico pode sofrer o mesmo destino”. [É diferente de um vídeo de tortura em Guantánamo] porque uma coisa é uma intenção de denúncia, de divulgar o que acontece para repor direitos humanos perdidos, outra é a propaganda. Gravar a crueldade, forjar a violência com o único objetivo de multiplicar [as fileiras da organização]».
É diferente do que aconteceu com o vídeo do polícia abatido após o ataque ao «Charlie Hebdo», porque aí a filmagem foi “acidental”, e a sua divulgação quis mostrar o que os terroristas eram capazes. O vídeo do EI, com um nível de produção quase “hollywoodiana”, é feito com outro propósito, diz.
«Falamos de três coisas diferentes. Uma coisa é a denúncia [caso de Guantánamo], outra é a de mostrar a crueldade que um tipo de pessoa ou organização é capaz [ataque ao Charlie Hebdo], outra é quando existe produção. Se há produção, há uma estratégia de divulgação que vai ter efeitos multiplicadores de violência», continuou.
Os esforços colocados em cada vídeo são evidentes. Os planos, a fotografia, o suspense e até o uso do inglês como língua “oficial” não são meros acasos. Estamos na era do digital e os militantes do EI sabem-no.
Apesar de tudo, a informação tem de ser transmitida e os espectadores/leitores têm o direito de saber o que se passa no «novo califado». Mas dizer que o Estado Islâmico queimou vivo um refém, é diferente de mostrar o Estado Islâmico a queimar um refém, como diz, por outras palavras, Felipe Duarte.
«É preciso ponderar com sensatez. Sem pôr em causa a liberdade de expressão, é preciso um equilíbrio. Dar as notícias sim, mas não é necessário o vídeo, porque está-se a cumprir o objetivo dos terroristas. [Porque este vídeo] mostra que há [ali] um fetiche pela vertigem da violência».
Sites como o «Youtube» e o «Facebook» apagaram o vídeo poucas horas após a sua publicação, e podem banir quem se atrever a publicá-los novamente. Os autores não podem utilizar estes fortes meios de comunicação para divulgar a sua propaganda, mas como aponta o «The Guardian», muitos dos apoiantes do Estado Islâmico estão a utilizar o link da «Fox News» para divulgação, porque ali não pode ser apagado.