O medicamento chama-se REGN-COV2 e é produzido pela farmacêutica Regeneron. Ainda não está disponível no mercado e só esta quinta-feira a empresa que o produz pediu à Food and Drug Admnistration (FDA), a agência que regula o mercado dos medicamentos nos Estados Unidos, para iniciar a comercialização.
O REGN-COV2 foi aplicado em menos de 10 pessoas, fora dos ensaios clínicos. Uma delas foi o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que lhe atribuiu a “cura” para a infeção de covid-19 e prometeu distribui-lo gratuitamente pelos americanos.
Num vídeo de quase cinco minutos, divulgado esta quarta-feira, Trump fez uma autêntica promoção ao medicamento experimental da Regeneron, dizendo que o fez se sentir melhor "quase imediatamente".
Trump já foi acionista da Regeneron e joga golf com o presidente da empresa
Não há evidências de que o medicamento (apenas um entre vários administrados a Trump quando foi diagnosticado com a doença) tenha sido responsável pelas melhoras do presidente dos EUA. Contudo, o valor das ações da farmacêutica disparou após o anúncio de que o REGN-COV2 tinha sido administrado a Donald Trump.
Logo na segunda-feira, após o anúncio, as ações da empresa subiram 7%, acumulando um ganho de 60% nos últimos 12 meses. O preço das ações atingiu o pico máximo depois de Trump anunciar no Twitter que ia deixar o hospital.
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A defesa acérrima que Trump faz do medicamento começa a levantar suspeitas e os meios de comunicação norte-americanos já noticiaram as ligações entre o presidente dos Estados Unidos e o CEO da Regeneron, Leonard Schleifer. Trump e Schleifer jogam golf no mesmo clube de Westchester, em Nova Iorque, e o Presidente dos Estados Unidos terá adquirido ações da Regeneron (assim como da Gilead Sciences, a empresa que produz o remdesivir). As ações de ambas as empresas faziam parte da lista de património que o presidente entregou ao Gabinete de Ética governamental em 2017. De acordo com a CNN, as ações já não fazem parte da lista de património entregue por Trump em 2020.
O que é o REGN-COV2?
O medicamento que está a ser testado pela farmacêutica Regeneron é um cocktail de anticorpos monoclonais que se destina a tratar e prevenir a covid-19, como explica a empresa no seu site.
“Os nossos esforços para descobrir um medicamento contra a covid-19 começaram no início de 2020, quando produzimos centenas de anticorpos neutralizantes do vírus em ratos geneticamente modificados em laboratório e identificámos reações semelhantes em humanos sobreviventes à covid-19”, explica a Regeneron.
De acordo com os resultados dos ensaios clínicos agora apresentados, o REGN-COV2 pode ser usado como medicamento profilático de ação rápida em pessoas expostas ao vírus. A empresa diz que o cocktail de anticorpos ajuda a reduzir os efeitos dos vírus e pode acelerar a recuperação dos doentes.
A Regeneron sublinha que os resultados iniciais sugerem que o nível do vírus no corpo pode ser reduzido com a aplicação do medicamento. A administração dos anticorpos pode também conduzir a uma redução do tempo de internamento hospitalar, quando o medicamento é administrado no início da infeção.
Anticorpos monoclonais
Os anticorpos monoclonais são cópias sintéticas, produzidas em laboratório, a partir do clone de um anticorpo específico encontrado no sangue de um doente recuperado.
Ou seja: os anticorpos monoclonais imitam o comportamento dos anticorpos que o corpo humano produz naturalmente. Quando o corpo deteta a presença de um antígeno, como o coronavírus, o sistema imunológico produz proteínas destinadas a neutralizar o vírus, a fim de impedi-lo de entrar nas nossas células e reproduzir-se. Como o vírus é novo e o corpo humano ainda não tem capacidade para reagir ao SARS-CoV-2, o REGN-COV2 promete fazer o papel do sistema imunológico do ser humano.
O REGN-COV2 pode ser considerado uma vacina?
Apesar de prometer agir quer na cura, quer na prevenção da doença, o medicamento não é exatamente uma vacina.
A diferença em relação a uma vacina, que introduz uma proteína ou material genético em nosso organismo para estimular o sistema imunológico (e assim gerar anticorpos), é que esses são anticorpos entregues ao corpo para oferecer proteção. É o que chamamos de imunidade passiva", explica Jens Lundgren, médico especializado em doenças infeciosas da Universidade de Copenhague e do hospital Rigshopitalet, na Dinamarca, em entrevista à BBC.
Os ensaios clínicos
O REGN-COV2 não está ainda disponível no mercado. Só esta quinta-feira a empresa pediu autorização à FDA para a sua comercialização, horas depois de Trump ter dito no vídeo que divulgou na quarta-feira que estava tudo pronto para uma autorização de emergência. A FDA, o equivalente ao INFARMED em Portugal, toma decisões independentes sobre a comercialização de medicamentos e alimentos e não tem qualquer ligação governamental.
Os ensaios clínicos em humanos começaram em junho e, apenas um mês depois, já estavam na fase 3 dos testes. Os primeiros resultados são promissores, mas ainda não é claro se o medicamento é ou não seguro. Os ensaios clínicos essenciais para considerar o REGN-COV2 ainda não foram concluídos.
A empresa adianta que está a usar o medicamento em doentes hospitalizados e também em tratamentos em ambulatório, na fase final dos ensaios clínicos.
Os últimos dados conhecidos sobre os ensaios clínicos foram anunciados no mês de setembro e envolveram o estudo de 275 pacientes em ambulatório.
Apesar de não ser comercializado, a Regeneron pode, sob autorização da FDA e após um pedido de “uso compassivo”, facultar o medicamento para utilização de um doente fora dos ensaios clínicos. Esta premissa está ao alcance de qualquer medicamento e de qualquer empresa nos Estados Unidos.
Ao abrigo deste pedido especial, o medicamento já foi administrado a 10 doentes fora dos ensaios clínicos. Um desses doentes foi Donald Trump, cujo pedido de “uso compassivo” (assim se chama o pedido especial para utilização de um medicamento ainda em fase experimental) foi atendido em menos de 24 horas.
Trump pode mesmo distribuir gratuitamente o REGN-COV2?
No vídeo divulgado esta quarta-feira, o presidente norte-americano prometeu disponibilizar centenas de milhares de doses do medicamento a doentes americanos. "Se estiver no hospital, e não estiver se sentindo bem, vamos trabalhar para que receba [o medicamento] e o receba de graça", afirmou.
Mas a distribuição maciça do medicamento pode não ser assim tão fácil. A Regeneron já fez saber que, no início, o acesso ao tratamento seria extremamente limitado, com apenas doses suficientes para 50 mil pacientes, um número bastante inferior às "centenas de milhares" de doses prometidas por Trump no vídeo.