Desde meados de setembro que as chuvas e as inundações estão a deixar as pessoas ainda mais ao relento e sem acesso a bens básicos, como alimentos, tendas e medicamentos.
Os acampamentos ficam localizados no sul este da Argélia. Ausserd e Dahkla são os mais afetados pela intempérie. Não é a primeira vez que acontece, mas os danos são dos maiores de sempre.
“Os acampamentos existem há 40 anos e consistem naquilo que eles chamam reinos, tendas militares, remendadas e mais do que remendadas. A terra é de areia e um barro muito pobre, [a construção] desfaz-se cada vez que há alguma chuva”.
Isabel Lourenço, que estará de volta à República Saharaui já em novembro, explicou ainda que a temperatura no verão chega aos 60º, pelo que nesta altura o chão está de tal modo seco que a chuva teve o poder de transformar as casas – chamam-se jaimas - em lama.
Los campamentos de refugiados saharauis tras las fuertes lluvias de los últimos días
Posted by Francisco Serrano on Terça-feira, 20 de Outubro de 2015
Não só ficaram destruídas as edificações de barro, mas inclusive os edifícios públicos, os armazéns com alimentos e os próprios hospitais.
Isabel diz que a ajuda da UNICEF foi de 70.000 dólares (62.000 euros). "Nem um 1 $ por criança!". A tempestade de chuva está já a ter efeitos na saúde das pessoas. "Há já alerta de cólera, pneumonias e depois virão as restantes doenças". Por isso é que os medicamentos são "urgentes".
Refugiados? “Não lhes chamam nada”
Ali vivem centenas de milhares de refugiados desde a invasão do Sahara Ocidental por Marrocos em 1975, após a saída de Espanha.
A República é reconhecida por mais de 80 países em todo o mundo, sobretudo em África e na América Latina. Nas Nações Unidas consta ainda como território por descolonizar, mas para Marrocos esta terra é apenas a extensão do seu reino para Sul.
O povo saharaui está isolado por um muro com nada menos do que 2.720 quilómetros. O povo saharaui está separado do mundo. E o seu drama não está a encontrar nem eco mediático nem o apoio internacional necessário.
O muro que separa os saharauis do mundo [Foto: Reuters, 2008]
Estes refugiados não são como aqueles que partem da Síria com destino à Europa e que, no Velho Continente, são notícia porque morrem no Mediterrâneo ou porque, à chegada a mais um país são barrados nas fronteiras. Estes refugiados vivem no chamado “deserto da morte” há 40 anos mas não têm - porventura nem sequer sabem que possa existir - esse estatuto.
“Chamam-lhes refugiados quando vivem nos acampamentos de refugiados no sul da Argélia em Tindouf, onde cerca de 300 mil saharauis sobrevivem há 40 anos nas condições mais inóspitas imagináveis", nota a ativista.
"Não lhes chamam nada quando vivem nos territórios ocupados pelo reino de Marrocos, ignorados e silenciados pela comunidade internacional”
Apelos não faltam
O Crescente Vermelho Saharaui, que emitiu esta quarta-feira um comunicado dando conta da necessidade de ajuda humanitária urgente, está coordenado com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). No terreno, está a ser feita uma avaliação detalhada da magnitude dos danos e daquilo que as pessoas precisam sem mais demoras.
Foi lançado um apelo a todos os países doadores, agências humanitárias, associações de solidariedade, organizações da sociedade civil e organizações não governamentais.
Estão ainda envolvidas várias agências internacionais como a PAM (Programa Mundial para a Alimentação), UNICEF, OXFAN (uma confederação internacional que reúne 17 organizações na luta contra a pobreza) e a CISP (Comité Internacional para o Desenvolvimento dos Povos).
Numa pesquisa pela Internet, não é fácil encontrar notícias sobre os saharaui sem ser em sites africanos. No site da Comissão Europeia, por exemplo, também não.
O caso de Tekbar Haddi
O drama dos direitos humanos é evidente não só pela falta de condições de vida, como pelos sequestros e torturas que os refugiados enfrentam desde 1975.
O caso de Tekbar Haddi, por exemplo, mereceu uma reportagem no nosso jornal digital da TVI24, em julho deste ano. A mulher perdeu o seu filho, em fevereiro, às mãos dos colonos marroquinos e lutava pelo direito de lhe devolverem o corpo para dar um funeral digno a Mohamed Lamin Haidala, assim se chamava o jovem de 21 anos.
A forma que esta mãe encontrou de de alertar a comunidade internacional foi iniciar uma greve de fome que se tornou uma greve de fome de 24 horas em cadeia, mundo fora.
Quase quatro meses depois, continua a reivindicar o mesmo. Mais uma vez Isabel Lourenço acompanhou o caso e trouxe-o até para as portas do Parlamento português.
“Até agora a situação não foi clarificada pelo reino de Marrocos, aliás como muitas outras. Continua a greve de fome em cadeia, já deu volta ao mundo, vamos na 120 e tal. Pessoas que estão a fazer a greve de fome por ela”.
Sonhos, sempre
Os refugiados de saharauis também têm, apesar de tudo e de tantos anos de privações, o sonho de uma vida melhor. Uma reportagem da TVI testemunhou isso mesmo em 2010.
Também eles podem aventurar-se no sonho europeu, como quem parte da Síria, do Iraque ou da Eritreia.
“Daqui a dois ou três anos também podem querer ir para a Europa e depois vai ser ‘ai, ai, ai’, antecipa Isabel.
Quando o apoio internacional poderia ter resolvido o drama com tempo e mantido essas pessoas com condições dignas, no seu país ignorado.