Há 40 anos refugiados, nem a natureza dá tréguas ao drama dos saharauis - TVI

Há 40 anos refugiados, nem a natureza dá tréguas ao drama dos saharauis

Mulher saharaui em Dahkla [Reuters]

Cerca de 300 mil pessoas afetadas por chuvas torrenciais que destruíram acampamentos com construções já de si frágeis. República Árabe Saharaui Democrática devia ser independente, mas para Marrocos é apenas uma extensão do seu reino que é ignorada

Os refugiados saharauis não são habitualmente notícia, mas também vivem um drama humanitário crescente. Há 40 anos. São atualmente cerca de 300 mil pessoas. As condições de vida foram agravadas pelas chuvas torrenciais que estão a destruir os acampamentos onde vivem. A estação de televisão da República Árabe Saharaui Democrática dá conta dos apelos de “ajuda urgente” para colmatar a falta de bens essenciais. A ativista portuguesa Isabel Lourenço tem acompanhado a situação, através das organizações não governamentais no terreno e em visitas regulares, diz mesmo à TVI24 que nem sequer há farinha para fazer pão.

Desde meados de setembro que as chuvas e as inundações estão a deixar as pessoas ainda mais ao relento e sem acesso a bens básicos, como alimentos, tendas e medicamentos.

Os acampamentos ficam localizados no sul este da Argélia. Ausserd e Dahkla são os mais afetados pela intempérie. Não é a primeira vez que acontece, mas os danos são dos maiores de sempre.

“Os acampamentos existem há 40 anos e consistem naquilo que eles chamam reinos, tendas militares, remendadas e mais do que remendadas. A terra é de areia e um barro muito pobre, [a construção] desfaz-se cada vez que há alguma chuva”.


Isabel Lourenço, que estará de volta à República Saharaui já em novembro, explicou ainda que a temperatura no verão chega aos 60º, pelo que nesta altura o chão está de tal modo seco que a chuva teve o poder de transformar as casas – chamam-se jaimas - em lama.
 

Los campamentos de refugiados saharauis tras las fuertes lluvias de los últimos días

Posted by Francisco Serrano on Terça-feira, 20 de Outubro de 2015


Não só ficaram destruídas as edificações de barro, mas inclusive os edifícios públicos, os armazéns com alimentos e os próprios hospitais.

Isabel diz que a ajuda da UNICEF foi de 70.000 dólares (62.000 euros). "Nem um 1 $ por criança!". A tempestade de chuva está já a ter efeitos na saúde das pessoas. "Há já alerta de cólera, pneumonias e depois virão as restantes doenças". Por isso é que os medicamentos são "urgentes".
 

Refugiados? “Não lhes chamam nada”


Ali vivem centenas de milhares de refugiados desde a invasão do Sahara Ocidental por Marrocos em 1975, após a saída de Espanha.

A República é reconhecida por mais de 80 países em todo o mundo, sobretudo em África e na América Latina. Nas Nações Unidas consta ainda como território por descolonizar, mas para Marrocos esta terra é apenas a extensão do seu reino para Sul.

O povo saharaui está isolado por um muro com nada menos do que 2.720 quilómetros. O povo saharaui está separado do mundo. E o seu drama não está a encontrar nem eco mediático nem o apoio internacional necessário.


O muro que separa os saharauis do mundo [Foto: Reuters, 2008]


Estes refugiados não são como aqueles que partem da Síria com destino à Europa e que, no Velho Continente, são notícia porque morrem no Mediterrâneo ou porque, à chegada a mais um país são barrados nas fronteiras. Estes refugiados vivem no chamado “deserto da morte” há 40 anos mas não têm - porventura nem sequer sabem que possa existir - esse estatuto.  

“Chamam-lhes refugiados quando vivem nos acampamentos de refugiados no sul da Argélia em Tindouf, onde cerca de 300 mil saharauis sobrevivem há 40 anos nas condições mais inóspitas imagináveis", nota a ativista.

"Não lhes chamam nada quando vivem nos territórios ocupados pelo reino de Marrocos, ignorados e silenciados pela comunidade internacional”

 

Apelos não faltam

 
O Crescente Vermelho Saharaui, que emitiu esta quarta-feira um comunicado dando conta da necessidade de ajuda humanitária urgente, está coordenado com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). No terreno, está a ser feita uma avaliação detalhada da magnitude dos danos e daquilo que as pessoas precisam sem mais demoras.

Foi lançado um apelo a todos os países doadores, agências humanitárias, associações de solidariedade, organizações da sociedade civil e organizações não governamentais.

Estão ainda envolvidas várias agências internacionais como a PAM (Programa Mundial para a Alimentação), UNICEF, OXFAN (uma confederação internacional que reúne 17 organizações na luta contra a pobreza) e a CISP (Comité Internacional para o Desenvolvimento dos Povos).

Numa pesquisa pela Internet, não é fácil encontrar notícias sobre os saharaui sem ser em sites africanos. No site da Comissão Europeia, por exemplo, também não.


O caso de Tekbar Haddi


O drama dos direitos humanos é evidente não só pela falta de condições de vida, como pelos sequestros e torturas que os refugiados enfrentam desde 1975.
 
O caso de Tekbar Haddi, por exemplo, mereceu uma reportagem no nosso jornal digital da TVI24, em julho deste ano. A mulher perdeu o seu filho, em fevereiro, às mãos dos colonos marroquinos e lutava pelo direito de lhe devolverem o corpo para dar um funeral digno a Mohamed Lamin Haidala, assim se chamava o jovem de 21 anos.
 
A forma que esta mãe encontrou de de alertar a comunidade internacional foi iniciar uma greve de fome que se tornou uma greve de fome de 24 horas em cadeia, mundo fora.
 
Quase quatro meses depois, continua a reivindicar o mesmo. Mais uma vez Isabel Lourenço acompanhou o caso e trouxe-o até para as portas do Parlamento português.

“Até agora a situação não foi clarificada pelo reino de Marrocos, aliás como muitas outras. Continua a greve de fome em cadeia, já deu volta ao mundo, vamos na 120 e tal. Pessoas que estão a fazer a greve de fome por ela”.

 

Sonhos, sempre 


Os refugiados de saharauis também têm, apesar de tudo e de tantos anos de privações, o sonho de uma vida melhor. Uma reportagem da TVI testemunhou isso mesmo em 2010.

Também eles podem aventurar-se no sonho europeu, como quem parte da Síria, do Iraque ou da Eritreia.

“Daqui a dois ou três anos também podem querer ir para a Europa e depois vai ser ‘ai, ai, ai’, antecipa Isabel.

Quando o apoio internacional poderia ter resolvido o drama com tempo e mantido essas pessoas com condições dignas, no seu país ignorado. 
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