Operação Marquês: Portugal tem "dificuldade institucional" em avançar no processo contra Sócrates - TVI

Operação Marquês: Portugal tem "dificuldade institucional" em avançar no processo contra Sócrates

  • CE
  • 22 abr 2019, 11:13

Declarações de Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil e ex-juiz responsável pela Operação Lava Jato, no VII Fórum Jurídico de Lisboa

O ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil, Sérgio Moro, disse, esta segunda-feira, que há uma "dificuldade institucional" em Portugal em fazer avançar o processo contra o antigo primeiro-ministro José Sócrates, tal como acontece no Brasil.

O Brasil está perto da centésima posição no Índice de Perceção da Corrupção, enquanto Portugal está entre a vigésima e a trigésima posição. É famoso o exemplo envolvendo o antigo primeiro-ministro José Sócrates [na Operação Marquês], que, vendo à distância, percebe-se alguma dificuldade institucional para que esse processo caminhe num tempo razoável, assim como nós temos essa dificuldade institucional no Brasil", disse o governante e o ex-juiz responsável pela Operação Lava Jato.

Falando na Conferência de Abertura sobre o Estado Democrático de Direito e o Combate à Criminalidade Organizada e à Corrupção, no VII Fórum Jurídico de Lisboa, que envolve vários juristas e governantes portugueses e brasileiros, Sérgio Moro disse que "a corrupção, a criminalidade violenta e a criminalidade organizada caminham juntas", e explicou que estes desafios levaram o executivo brasileiro a optar por uma abordagem conjunta.

Com estes desafios, a nossa opção foi apresentar um projeto com medidas simples, mas fundamentais, porque estes três tipos de crime caminham juntos", disse o governante, vincando que "boa parte dos homicídios constitui um produto de disputa de mercado entre organizações criminosas ou cobranças, muitas vezes com sangue, feitas a utilizadores do mercado de droga".

A corrupção, lamentou, "muitas vezes desvia os recursos públicos que deviam servir para enfrentar eficazmente os recursos do Estado contra a criminalidade violenta e organizada".

Na intervenção, maioritariamente composta pela apresentação do projeto do Governo brasileiro sobre este tema, Sérgio Moro comparou a criminalidade violenta no Brasil e em Portugal, considerando que as diferenças são enormes: "Temos um problema sério com a criminalidade violenta: em 2016 alcançámos o triste recorde de mais de 60 mil homicídios, e a taxa mantém-se mais ou menos nessa linha, enquanto em Portugal houve 76 homicídios, ou seja, a diferença é brutal, e nesse ponto Portugal causa-nos muito inveja".

Sérgio Moro foi o juiz responsável pela condução da Operação Lava Jato, que desvendar grandes esquemas de corrupção na estatal petrolífera brasileira Petrobras, e pela prisão de empresários, ex-funcionários públicos e políticos de renome como o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O inquérito Operação Marquês culminou na acusação pela justiça portuguesa a 28 arguidos - 19 pessoas e nove empresas - e está relacionado com a alegada prática de quase duas centenas de crimes de natureza económico-financeira.

José Sócrates, que chegou a estar preso preventivamente durante dez meses e depois em prisão domiciliária, está acusado de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada.

Entre outros pontos, a acusação sustenta que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santos e na PT, bem como por garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios do Grupo Lena.

O VII Fórum Jurídico de Lisboa decorre hoje, terça e quarta-feira em Lisboa, abordando temas da Justiça e tendo a participação de vários governantes portugueses e brasileiros, para além de juristas, académicos e investigadores na área judicial.

Condenação de Lula da Silva tem "quadro probatório suficiente"

O ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil, Sérgio Moro, disse ainda que a condenação do ex-Presidente brasileiro Lula da Silva tem por base provas suficientes, num misto de delação premiada e provas independentes.

Foi condenado por mim em primeira instância, mas a sentença foi confirmada em recurso pelo Tribunal Federal, e a prisão foi autorizada pelo Supremo Tribunal Federal. Existe todo um quadro probatório suficiente para aquela condenação", disse Sérgio Moro.

Sérgio Moro considerou que a delação premiada é um "método relevante" na investigação dos crimes de grande corrupção que envolvem figuras poderosas, adiantando contudo que esta tem que ser sempre apoiada por provas independentes.

Citando os processos Mensalão e Lava Jato, Moro apontou que "em parte" estes casos "tiveram por base delações premiadas, mas também provas de outra natureza".

Tudo o que o criminoso diz, mesmo em colaboração, precisa de ter apoio em provas independentes. Foi o que foi observado no Brasil", disse.

Durante a sua intervenção no fórum, o ministro tinha apontado "dificuldades institucionais" tanto em Portugal como no Brasil para fazer avançar este tipo de processos, dando como exemplo a Operação Marquês, que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates.

O que observo à distancia no caso do ex-primeiro-ministro português é que há um trabalho, têm sido feito esforços consideráveis para o apuramento de provas e para processar, mas, segundo algumas autoridades portuguesas com que falei, não há previsão de término desse processo", disse aos jornalistas.

Sérgio Moro considerou, por outro lado, que o panorama da justiça brasileira mudou nos últimos cinco ou seis anos já com resultados visíveis a nível institucional.

O que tínhamos no Brasil antes do Mensalão e da Lava Jato é que esses grandes casos de corrupção, muito embora muitas vezes provados, com provas extremamente robustas, nunca tinham as consequências extraídas pela justiça", disse.

 

Hoje vê-se que pessoas que cometeram esses crimes e ocupavam elevadas posições na administração pública ou até no parlamento estão a cumprir pena. Foi um avanço institucional", acrescentou.

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