“Enfrentei a minha tribo, o meu pai, a minha mãe. Agora enfrento o inimigo” - TVI

“Enfrentei a minha tribo, o meu pai, a minha mãe. Agora enfrento o inimigo”

Estas mulheres lutam contra o Estado Islâmico na Síria, mas a sua luta vai mais longe. A sociedade e as famílias não perdoam que tenham abdicado do tradicional papel das mulheres 

São mulheres e lutam, de igual para igual, contra os extremistas islâmicos mais temidos. Mas a sua batalha não se fica pelos desertos da Síria e pelo Estado Islâmico. Elas lutam contra a sociedade, o preconceito, o estigma de serem mulheres e, muitas vezes, contra a própria família.

Enfrentei a minha tribo, o meu pai, a minha mãe. Agora enfrento o inimigo”, afirma Batul de 21 anos, que faz parte de uma aliança árabe-curda que lutam para reconquistar a cidade Síria de Raqa, transformada em bastião do Estado Islâmico.

Ela é uma das mais de mil mulheres que se juntaram à Aliança das Forças Sírias Democratas (Syrian Democratic Forces - SDF). No meio do deserto a 20 quilómetros de Raqa, Batul fala à AFP sobre a decisão que tomou em lutar contra o Daesh de forma apaixonada.

Os meus pais disseram-me: ‘ou largas as armas ou deserdamos-te’”, conta, vestida com um colete com munições e um lenço de flores aos ombros. Desde então não voltaram a falar com ela. 

Ela é oriunda da tribo Al-Sharabiyeh, uma das tribos sunitas mais conservadores do nordeste da Síria. É vista pela família como “um rebelde”, que tirou o lenço usado por muitas mulheres muçulmanas e recusou as ordens do pai para rezar à sua frente. 

Mas Batul tem orgulho na decisão que tomou, há dois anos, de se juntar à Unidades de Proteção do Povo Curdo, uma unidade chave dentro da SDF.

Eu juntei-me para libertar a minha terra, mas também para libertar as mulheres da escravidão. Não podemos permanecer fechadas entre quatro paredes.”

É a primeira vez que está na frente de batalha, na linha de terra sobrevoada pelos aviões da coligação liderada pelos Estados Unidos, que lhes estão a dar “apoio”. Com as bombas a cair a pouca distância.

A primeira vez que peguei numa arma tive medo”, confessa, “mas agora a minha arma é parte de mim. Liberta-me e protege-me”.

Fala em árabe, mas já mistura algumas palavras curdas, passadas pelos companheiros e companheiras de luta.

Jihan Sheikh Ahmad, porta-voz da SDF para a campanha em Raqa, diz à AFP que neste momento há mais de mil mulheres árabes nas trincheiras. “Tem tido um impacto importante na sociedade”, garante. Em seguida assume que “quanto mais território conseguimos libertar, mais mulheres se juntam a nós”.

O meu objetivo é libertar as mulheres da opressão do Daesh, mas também da opressão social”, afirma Hevi Dilirin, uma árabe que adotou um nome curdo no campo de batalha. “Na nossa sociedade a mulher não tem qualquer palavra a dizer, mas deviam ter os mesmos direitos que os homens”, acrescenta.

Os curdos sírios, desde que o conflito rebentou em março de 2011 nunca tomaram partidos. Nem pelos rebeldes, nem pelo governo de Assad. Preferiram focar a sua força no combate ao estado Islâmico e tentar desenvolver um estado semiautónomo no norte e nordeste do país.

Já Doza Jiyan, também de 21 anos, explica que para as tribos árabes mais conservadoras a ideia de uma mulher pegar em armas “é muito difícil de aceitar”. Certa de vitória sobre o Estado islâmico, condessa que “se sente feliz ali”.

Os motivos que levam estas mulheres a entrar no campo de batalha são muitos. E estes não são casos únicos. Algumas lideram brigadas inteiras, outras já perderam a vida. O Estado Islâmico não ignora a sua força e, para eles, elas são um alvo a abater. A galeria que acompanha este texto mostra também outro grupo de mulheres, da minoria Yazidi, que combatem os extremistas.

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