Quem é “Svyeta”, a mulher que enfrenta o último ditador da Europa - TVI

Quem é “Svyeta”, a mulher que enfrenta o último ditador da Europa

  • João Lencastre Faria
  • 9 set 2020, 17:43

Nascida há 37 anos numa pequena cidade próxima de Chernobyl, Svetlana Tikhanovskaya é a mulher que tem feito frente ao líder da Bielorrúsia, Aleksandr Lukashenko, visto como o último ditador em solo europeu

Svetlana Tikhanovskaya é um nome difícil de pronunciar mas, por estes dias, de conhecimento quase obrigatório. A Bielorrússia está dividida e a menina que não queria ser política é agora a líder quase acidental de um povo que saiu à rua para contestar os resultados de uma eleição que pode pôr em causa o poder de Aleksandr Lukashenko, ao leme do país há 26 anos.

Nascida há 37 anos numa pequena cidade próxima de Chernobyl, no seio de uma família pobre, “Svyeta”, como é carinhosamente apelidada, refugiava-se durante o verão na Irlanda, junto da família que a acolheu. Uma mulher que viu sucessivamente interrompidos os seus planos de vida. Quando regressa à Bielorrússia, fá-lo com o objetivo de estudar. Foi pelos filhos que decidiu abandonar o sonho de ser professora. O mais velho nasceu quase surdo e a mãe não faltou à chamada, deixando a capital do país, Minsk, onde morava, para proporcionar ao filho os melhores tratamentos. Porque, como se define, “Svyeta” é “uma mulher comum, uma mãe, uma esposa”. 

A esposa de Sergei Tikhanovsky, uma estrela do Youtube, que se candidatou às eleições presidenciais e fez campanha contra o atual chefe de Estado. Foi detido no final de maio por perturbação da ordem pública e está preso num centro de detenção em Minsk, onde hoje se concentraram centenas de manifestantes, exigindo a sua libertação. Tikhanovskaya diz que foi “por amor” que continuou a luta do marido mas também porque se confessa cansada de ter medo de Aleksandr Lukashenko, que é visto como o último ditador da Europa. Pronta para “assumir a sua responsabilidade na luta contra a arbitrariedade e a injustiça”, como afirmou num vídeo recente, decidiu avançar.

Depois de ter rejeitado duas candidaturas de elementos da oposição, a Comissão Eleitoral Bielorrussa validou a de Svetlana, alegadamente por não a reconhecer como uma candidata séria, capaz de colocar em causa o status quo do presidente agora reeleito. Uma candidata capaz de reunir mais de 10% dos votos, o resultado que lhe foi atribuído nas eleições do último dia 9 de agosto. A oposição acusa Lukashenko de fraude massiva na contagem dos votos. Tikhanovskaya, que foi ameaçada, tinha dito, ainda antes do escrutínio, que não tinha qualquer esperança em eleições livres e justas no país. 
Svetlana contrasta em quase tudo com o atual líder bielorrusso. Inexperiência e falta de vocação fazem parte do seu autorretrato. Uma “heroína de ocasião” que, durante a campanha, reuniu nos seus comícios dezenas de milhares de pessoas, esperançadas numa mudança e num ponto de viragem. Não tanto pela sua personalidade ou pelas suas ideias políticas, dizem os especialistas. 

Com um discurso hesitante e tímido nas suas primeiras aparições públicas, Svetlana Tikhanovskaya assentou a sua campanha em três pilares fundamentais: a libertação dos presos políticos, um referendo constitucional e a organização de eleições livres. Pouco mais se sabe sobre o seu pensamento político. A relação com a Rússia, tema sempre presente quando se fala de um país que pertenceu à União Soviética, é questão pouco aprofundada e que permanece indefinida.

Lukashenko, que assumiu os destinos do país três anos depois da queda da União Soviética, é retratado como inflexível e duro. Tão duro como o foi a repressão aos protestos que se seguiram às eleições e que já se estenderam a 25 cidades do país. Milhares de pessoas saíram à rua para exigir o afastamento do atual presidente. A resposta? Pelo menos duas pessoas morreram e mais de 7000 foram detidas. Os protestos mantêm-se, mas o presidente bielorrusso diz que rejeita sair sob pressão e que “nem morto” resigna ao cargo. 


Svetlana abandonou o país logo após a divulgação dos resultados eleitorais e refugiou-se na Lituânia, onde os filhos já se encontravam por razões de segurança. Num primeiro momento, dirigiu-se em vídeo aos seus apoiantes, pediu-lhes que aceitassem os resultados eleitorais e apelou ao fim das manifestações, num discurso que muitos viram como resultado das coações e ameaças do regime. Mais tarde, voltou a dirigir-se aos milhares de pessoas que têm povoado as ruas, reivindicou a vitória nas eleições e incentivou aos protestos, como forma de forçar Lukashenko a abdicar do poder. 
(Vídeo em que Svetlana Tikhanovskaya apela aos protestos, já depois das eleições)

Na Lituânia, país popular entre os dissidentes bielorrussos, acredita-se que Svetlana não é uma líder nata, que não está preparada para encabeçar o movimento. Será apenas um bastião de liberdade. A liberdade que une todos aqueles que saíram à rua. Em nome de Svetlana, do seu marido, agora preso, ou de qualquer dos ativistas e membros da oposição entretanto exilados ou presos pelo governo.

O casal que acolheu “Svyeta” na Irlanda, na década de 80, descreve-a como uma rapariga inteligente e que se mostrava resiliente perante o trauma do desastre nuclear que assolou a URSS. Em entrevista ao New York Times, Henry Deane, com 72 anos, lembra a criança que era a porta-voz de todas as outras. Aos 12 anos como agora, quando assume esse mesmo papel, o de representante máximo de uma multidão que confiou nela. O de dar voz àqueles que se sentem silenciados. Lembram-na como uma menina serena, que agora incentiva aos protestos que podem mudar o rumo de uma nação.
Diz que sabe que vão odiá-la por ter saído do país, assume ter tido medo e reconhece-se como uma mulher “fraca” que, acredita, sempre foi. Afirma que se exilou em nome dos filhos, com quem se encontra. Novamente, a mãe e os filhos, além da política.

Uma vez mais, a vida altera-lhe os planos. De cidadã anónima a ícone de um povo que luta pelo seu futuro. Como “Svyeta”, a mulher fraca, que fugiu dos perigos de Chernobyl para liderar agora a oposição a um dos mais antigos chefes de estado mundiais.

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