Histórias da Casa Branca: quase nada nisto é normal - TVI

Histórias da Casa Branca: quase nada nisto é normal

  • Germano Almeida
  • 14 fev 2017, 17:38
Michael Flynn

A queda precoce do general Flynn (nunca alguém com posto tão elevado como o até agora Conselheiro de Segurança Nacional tinha saído tão cedo) agravou o clima de conturbação na Administração Trump. O Presidente perdeu o controlo da situação

A demissão do general Flynn é a primeira saída de topo na Administração Trump.
 
Em menos de um mês, o Presidente perde o seu Conselheiro de Segurança Nacional, em claro sinal de que Trump estará a começar a enveredar pela via de desconfiança com a Rússia (James Mattis) e não com a excessiva proximidade, de que Mike Flynn era o maior representante.
 
Quase nada nisto é normal: nunca numa administração americana alguém com um posto tão elevado (e tão próximo do Presidente) havia saído tão cedo: apenas 23 dias em funções.
 
A queda de Flynn pode, também, significar mais um reforço de poder para Steve Bannon, mas só os próximos dias o poderão confirmar. 
 
E está ainda por apurar que consequências terá para Mike Pence, vice-presidente, ter dado cobertura pública às mentiras do general Flynn na questão russa.
 
A demissão de Flynn não é o fim da história na controvérsia em torno da influência dos russos para o triunfo de Trump e o arranque desta administração.
 
A confirmação de que o vice-presidente dos EUA foi induzido a mentir, mesmo que possa ter sido involuntariamente, por força das informações erradas dadas pelo então conselheiro de Segurança Nacional pode ser um ‘turning point’ na forma esta administração se tem comportado em questões chave como o relacionamento com potências rivais e a gestão da informação classificada.
 
As últimas 36 horas foram de turbulência total na Casa Branca e nos membros que rodeiam o Presidente.
 
A noção de que Donald Trump terá perdido o controlo da situação e que tem cada vez menos condições de passar uma mensagem de estabilidade diretamente da Casa Branca é cada vez maior.
 
E tem consequências: a popularidade de Donald atingiu novo mínimo (40% de aprovação e 55% de desaprovação) e o seu governo está em grande turbulência. 

Não deixa de existir em toda esta história uma suprema e fina ironia: Flynn caiu por ter mentido a uma administração que sustenta quase toda a sua argumentação em… mentiras e “factos alternativos”.
 
É claro que há um lado positivo a ver em tudo isto: tal como tinha acontecido com a ação pujante do poder judicial em relação à “Immigration Ban”, neste caso os tais “checks and balances” funcionaram dentro do próprio complexo administrativo do poder federal: o Departamento de Justiça avisou para a ação alegadamente ilegal do general Flynn, ao falar sobre temas confidenciais com diplomatas russos nas semanas anteriores a ter iniciado funções (e para os perigos de Flynn poder vir a ser sujeito a chantagem russa) e isso gerou uma crise interna na Administração Trump que teve agora este desfecho na demissão tão precoce de uma das figuras mais próximas do Presidente.
 
Flynn era alguém que acirrava o lado irracional e extremado de Donald Trump. Estamos a falar de um general que, após o ataque de Bengasi, em setembro de 2012, que vitimou quatro diplomatas americanos, entre os quais o embaixador dos EUA na Líbia, Chris Stevens, ordenou, na investigação, que se encontrassem "provas de interferência iraniana" no ataque. Ora, tal não foi possível porque... o Irão simplesmente nada tinha a ver com os problemas de insurgência na Líbia pós-Kaddafi.

Uma demissão do Conselheiro de Segurança Nacional ao fim de apenas 23 dias seria difícil de imaginar, sequer, como guião de uma série sobre os corredores do poder em Washington.
 
Mas terá sido a ponta do icebergue de problemas e contradições da administração que, na próxima segunda-feira, completa apenas um mês em funções.
 
Com a “Immigration Ban” condenada a ser de novo barrada no Supremo, Trump estará a cozinhar nova ordem executiva unilateral para “conter a pressão dos imigrantes e garantir a segurança e o conforto dos americanos”.
 
Durante a tomada de posse do procurador-geral Jeff Sessions, foi particularmente significativo o que o antigo procurador do Alabama, sulista e ultraconservador, disse sobre isso: “Vamos fazer tudo para proteger a segurança dos americanos e os salários dos americanos”.
 
A cartada económica não foi ingénua.
 
A Administração Trump tem uma visão protecionista da gestão das fronteiras e não apenas na vertente do combate ao terrorismo: também como forma de dar um trunfo aos trabalhadores americanos, na concorrência com quem vem de fora pelos melhores postos de trabalho.
 
Ao sinalizar que está mesmo a equacionar uma nova ordem executiva sobre tema crucial para a sua agenda, Trump fez uma espécie de assunção encapotada de derrota em relação à primeira “travel ban”.
 
A forma zangada e um pouco desastrada como reagiu à decisão do Tribunal de Apelo de São Francisco (“vemo-nos em tribunal”… minutos depois de ter perdido uma batalha em tribunal) deu conta de que nem sempre os tuits alarmistas e céleres do 45.º Presidente dos EUA lhe garantem o domínio do ciclo comunicacional.
 
Não está fácil a vida para Donald Trump.
 
Mas tendo em conta a capacidade do presidente americano de recuperar a iniciativa mediática, mesmo nos momentos em que parecia ter ido ao tapete, convém não haver precipitações nas sentenças sobre o futuro político deste bizarro presidente.

A Administração Trump é, de facto, "uma vírgula" na grande tradição americana (a expressão, certeira, é do ex-Presidente Barack Obama). 

Uma anormalidade política naquele sistema tão especial.

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