"Alemanha fica em pânico com a ameaça de Erdogan" - TVI

"Alemanha fica em pânico com a ameaça de Erdogan"

  • Paulo Delgado
  • 25 nov 2016, 14:04
Viriato Soromenho Marques

O aviso da Turquia de poder abrir as fronteiras aos refugiados deve ser "levado a sério". Para o analista Viriato Soromenho Marques, por detrás disto está um acordo "desequilibrado" feito com a União Europeia

Curto e grosso, como se costuma dizer, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ameaça abrir as fronteiras do país aos três milhões de refugiados que alberga. Caso Bruxelas venha a suspender as negociações de adesão da Turquia à União Europeia.

Na base está a moção aprovada pela esmagadora maioria dos eurodeputados na quinta-feira. Pedindo a suspensão das negociações. Algo que a diplomacia alemã já veio tentar refrear. Porque a Alemanha tem fortes razões políticas para estar preocupada, na ótica de Viriato Soromenho Marques.

Para o professor catedrático da Universidade de Lisboa, a questão dos refugiados mostra não haver "ninguém com as mãos limpas: nem a União Europeia, nem o Parlamento Europeu, nem a Turquia", como demonstrou avaliando a situação, em conversa com a TVI 24.

Como devemos entender esta ameaça da Turquia?

A ameaça deve ser tomada com precaução e levada a sério.

Há que perceber o porquê de surgir agora. Porque houve uma votação no Parlamento Europeu para suspender o processo de negociações com vista à adesão da Turquia, devido a um quadro de violações dos direitos humanos.

Estamos perante uma dimensão de conjuntura, que surge de uma atitude hostil do Parlamento Europeu. Mas não podemos considerar isto apenas como uma bravata ou uma ameaça retórica.

Pode estar em causa o acordo sobre refugiados entre a União Europeia e a Turquia, subscrito em março passado?

O acordo com a Turquia feito pela União Europeia, em boa verdade, foi feito pela chanceler Merkel, que lidera o país que mais refugiados recebeu. Cerca de um milhão.

A decisão da chanceler, a 5 setembro de 2015, de receber refugiados criou-lhe dois problemas: por um lado, ao não ouvir os seus parceiros europeus, trouxe-lhe hostilidade de países como a Polónia, Hungria e Áustria, por exemplo. Depois, a população alemã cresceu mais 1% com pessoas que ali chegaram em estado de grande necessidade. Diga-se que houve uma coragem moral pouco habitual nos políticos e muito rara nela. Mas teve um custo político que Merkel está a pagar.

Uma fatura pesada?

Sem dúvida. Basta ver que a extrema-direita era quase insignificante. Tem vindo a crescer e a AfD deverá entrar no Bundestag nas próximas eleições federais.

Perceba-se que com a ameaça de Erdogan, a Alemanha fica em pânico. Porque os refugiados não vêm para Portugal. Querem sim ir para a Alemanha.

"Provavelmente, Erdogan vai receber mais uns milhões"

Irá o presidente Erdogan concretizar o que diz?

Sinceramente, creio que Erdogan também não vai concretizar a ameaça. Mas mostra que tem cartas, tem argumentos capazes de ferir a União Europeia, onde há países como a Polónia, Hungria, Eslováquia e Roménia que são hostis a refugiados.

Um porta-voz do ministério alemão dos Negócios Estrangeiros veio já lembrar que há um acordo com a Turquia, que interessa a ambas as partes?

A diplomacia alemã vai suavizar as coisas. Provavelmente, Erdogan vai receber mais uns milhões de euros. Já recebeu 6 mil milhões.

Podemos considerar que o Parlamento Europeu não mediu as consequências reais da moção que aprovou?

Na União Europeia, nada é aquilo que parece ser e demorámos muito tempo a perceber isso. O Parlamento Europeu tem apenas poder de codecisão e durante anos e anos foi apenas consultivo. Sempre foi um órgão que chegou tarde aos acontecimentos e as coisas sérias discutem-se na Comissão Europeia e a nível intergovernamental.

O Parlamento Europeu é onde a Europa se olha ao espelho e se vê com uma imagem de princípios.

Se nos governos, ao contrário, costuma haver um défice de princípios, o Parlamento Europeu terá um défice de realismo.

"Fez-se um acordo ignóbil com a Turquia, para salvar as nossas aparências"

Será a Alemanha, uma vez mais, a enfrentar esta situação?

No realismo político há sempre o custo/benefício. E há um princípio de que não se pode enfrentar uma batalha campal, contra quem nos pode fazer mal.

Com o risco das portas se abrirem aos refugiados, com os populistas a ganharem votos, quando se aproximam tantas eleições importantes, em França e na Alemanha no próximo ano, mais um milhão de refugiados seria um desastre para Alemanha de Merkel. Já nem sequer digo para a Europa, porque aí os desastres têm sido tantos.

Estima-se que estejam na Turquia, três milhões de refugiados. Mas pode Erdogan quebrar o acordo que fez com a União Europeia?

O tratado entre a União Europeia e a Turquia é desequilibrado. Ancara presta um serviço em troca de dinheiro. A União Europeia não pode fazer nada. O que é que pode fazer? Atacar a Turquia?

O tratado depende do senhor Erdogan. E diga-se que a Turquia tem tido uma atitude de generosidade para com a Europa. Tem muito mais refugiados do que qualquer outro país europeu e está a ficar com mais alguns.

O acordo com a Turquia continua a estar na base de todos os problemas?

Em termos de direito humanitário, pedimos para a Turquia travar os refugiados. Foi isso e é mesmo muito duvidoso que este acordo seja válido.

Fez-se um acordo ignóbil com a Turquia, para salvar as nossas aparências. Mas nesta questão ninguém se salva: nem a União Europeia, nem o Parlamento Europeu, nem a Turquia. Não há ninguém com as mãos limpas.

Continue a ler esta notícia