Em setembro de 2017, Nokubonga Qampi recebeu uma chamada de madrugada. Do outro lado da linha estava uma jovem com uma notícia grave, a filha, Siphokazi, estava a ser violada por três homens. Os suspeitos eram conhecidos na aldeia onde morava, na província de Cabo Oriental, na África do Sul.
Como contou à BBC, Nokubonga ligou para a polícia, mas ninguém atendeu. A filha estava a cerca de 500 metros de distância e mesmo que a polícia aparecesse não seria rápida o suficiente para impedir a violação.
A mulher de 57 anos pegou numa faca, iluminou o caminho com a lanterna do telemóvel, e quando se aproximou da casa, ouviu os gritos da filha. Assim que entrou, viu a filha a ser violentada e os dois homens, com as calças arriadas, à espera da próxima vez para violarem novamente a jovem.
Eu estava com medo. Fiquei parada perto da porta e perguntei o que estavam a fazer. Quando eles viram que era eu, vieram na minha direção, foi quando eu pensei que tinha de me defender, foi uma reação automática", contou Nokubonga.
Os homens foram em direção à Nokubonga, que reagiu e os esfaqueou. Um dos suspeitos morreu e os outros dois ficaram feridos. Pouco depois levou a filha para a casa de um amigo. Quando a polícia chegou, Nokubonga foi presa e a filha foi levada para um hospital, onde recuperou do ataque.
Mãe Leoa
Sem conseguir identificar o rosto nem o nome nas reportagens, a imprensa local apelidou Nokubonga de “mãe leoa”. A alcunha ficou popular entre a opinião pública, que criticou a justiça por processar uma mãe que defendeu a própria filha.
Nokubonga foi libertada dois dias depois, saiu sob fiança. Uma semana depois, a advogada Buhle Tonise, apresentou-se para representar a acusada. Tonise estava certa sobre a absolvição da mãe, baseada no argumento de que Nokubonga agiu em legítima defesa, mas nem a mãe nem a vítima estavam recuperadas do ocorrido e não confiavam na justiça.
Quando se encontra pessoas com este nível de pobreza, sabes que, na maioria das vezes, elas acham que a mãe vai para a cadeia porque ninguém vai ficar do lado dela. O sistema de justiça é para quem tem dinheiro.", disse a advogada à reportagem da BBC.
Um mês após o ataque, Nokubonga foi intimada para se apresentar em tribunal. Ao chegar percebeu que eram várias as pessoas que a apoiavam e estavam do lado dela. A mãe foi chamada perante o juiz e informada que as acusações foram retiradas. A decisão fez a filha "rir-se pela primeira vez em meses".
Eu fiquei lá parada, mas estava animada, estava feliz. Naquele momento, eu soube que a justiça era capaz de separar o certo do errado, que eles eram capazes de dizer que eu não tinha a intenção de tirar a vida a alguém.", contou Nokubonga.
Um ano depois, em dezembro de 2018, os outros dois autores da violação, Xolisa Siyeka, de 30 anos, e Mncedisi Vuba, de 25 anos, membros do mesmo clã de Nokubonga e Siphokazi, foram condenados a 30 anos de prisão.
Violações na África do Sul
A África do Sul é um dos países do mundo em que há mais violações por habitantes. São cerca de 40 mil por ano, uma média de 110 por dia. Além disso, um a cada quatro homens confessaram que já consumaram uma violação.
O quadro é tão grave que, no início do ano, o presidente Sul Africano, Cyril Ramaphosa, chegou a classificar a situação como uma crise nacional. O líder político pediu aos homens que se unam contra as violações no país.
A província de Cabo Oriental, onde moram Nokubonga Qampi e a filha, Siphokazi, tem cerca de 5 mil habitantes e é a mais pobre do país. Entre 2017 e 2018 registaram-se 74 violações nesta região.