Síria, o país sem primavera: acontecimento internacional do ano (I) - TVI

Síria, o país sem primavera: acontecimento internacional do ano (I)

Conflito está prestes a entrar no segundo ano, após mais de 45 mil mortos e com Bashar al-Assad ainda no poder

Tunes, 17 de dezembro de 2010. Mohamed Bouazizi, um jovem licenciado sem emprego, que vendia fruta nas ruas da capital tunisina, imolou-se pelo fogo num ato desesperado. Al-Hasakah, 26 de janeiro de 2011. Hasan Ali Akleh mimetizou o desespero na cidade do nordeste da Síria. O primeiro tornou-se o rastilho da Primavera Árabe e o início do fim de 23 anos da ditadura de Ben Ali na Tunísia. O segundo foi a acendalha de um fogo que continua por circunscrever. Desde esse inverno não há primavera na Síria e Bashar al-Assad continua no poder.

No início de 2011, milhares de sírios saíram às ruas. Contagiados pela Primavera Árabe, exigiam o fim da dinastia Assad. Quase dois anos depois, o país está mergulhado numa guerra civil que fez mais de 45 mil mortos. Há milhões de pessoas a necessitar de assistência humanitária urgente, de deslocados e refugiados nos países vizinhos.

Apesar de cada vez mais isolado diplomaticamente do resto do mundo e fustigado militarmente dentro de fronteiras, o regime de Bashar Al-Assad tem sobrevivido a todos os vaticínios de queda. A Coligação Nacional das Forças da Oposição e da Revolução Síria (liderada por Ahmed Moaz al-Khatib), formada no Qatar, em novembro, é reconhecida como a única interlocutora do país por grande parte da comunidade internacional. A NATO autorizou o envio de baterias de mísseis Patriot para a Turquia. E da Rússia - de onde partiram grande parte das armas usadas por Assad - o último envio foi de navios militares, para a eventualidade de ser necessário retirar cidadãos do país. Damasco terá sempre Teerão. Mas parece ter cada vez menos Moscovo e Pequim.

Este ano chega ao fim com Assad ainda no poder, mas um Assad que, tal como no resto do ano, parece estar cada vez mais perto do fim. A sua posição é muito mais débil do que a que gozava no final de 2011, quando em dezembro negociou a entrada de observadores da Liga Árabe. A missão foi suspensa em janeiro, devido ao recrudescer da violência. Falharia também o plano de paz do enviado das Nações Unidas e da Liga Árabe, Kofi Annan. Os observadores da ONU chegaram ao terreno em meados de abril, mas só lá estiveram dois meses.

Com a formação do Exército Livre da Síria no final de 2011 (uma miscelânea de desertores e civis), o conflito assumiu uma natureza diferente durante 2012. Os rebeldes deixaram de ser apenas uma guerrilha urbana, arriscando ofensivas militares mais convencionais. Mas assumiram também outro traço menos regular: ataques bombistas e suicidas, como os que mataram 55 pessoas em Damasco a 10 de maio, junto a um edifício dos serviços secretos, e outro ainda mais duro para o regime, a 18 de julho, quando um suicida, que se fez explodir no quartel de segurança nacional, levou consigo o ministro da Defesa, o vice-ministro da mesma pasta e genro de Assad, o chefe do gabinete de crise que geria a resposta ao levantamento popular, entre outras figuras que se encontravam reunidas no local.

Três dias antes, a Cruz Vermelha havia declarado o conflito como guerra civil. Foi o cristalizar terminológico de uma evidência. Mas também uma decisão significativa. Entrou em efeito a Convenção de Genebra sobre crimes de guerra. E, neste campo, haverá muitos casos para investigar. Especialmente da responsabilidade do regime, como o massacre de Houla, em maio, ou de Al-Qubair, em junho, ou o raide aéreo que atingiu uma padaria de Halfaya, este mês. Mas do lado dos rebeldes também há suspeitas fortes, como as execuções sumárias e a multiplicação de ataques em zonas civis - um sintoma da contaminação das hostes opositoras por grupos jihadistas com ligações à Al Qaeda, como a Frente Nusrah (considerada recentemente terrorista pelos EUA, mas olhada com respeito pelos rebeldes pela determinação das ações no terreno).

Continuação: página 2
Continue a ler esta notícia