«A minha obrigação é que os jogadores joguem sem medo de errar» - TVI

«A minha obrigação é que os jogadores joguem sem medo de errar»

Julio Velázquez

Entrevista a Julio Velázquez (PARTE II)

Vive no centro de Setúbal, está encantado com a cidade e os adeptos, come peixe sempre que pode e no pouco tempo livre que tem – «chego ao estádio às 07h00/07h30 da manhã e vou embora às 10h00/10h30 da noite» - já foi espreitar as praias da Arrábida. «Imagino que no verão seja uma loucura de carros. Há uma zona lá, um pueblito pequeño… o Portinho da Arrábida, isso! É incrível chegar lá», diz, como desbloqueador de conversa, Julio Velázquez na primeira entrevista que concede desde que regressou há um mês a Portugal, pela porta do histórico V. Setúbal cerca de três anos após ter deixado o Belenenses.

Aquela ‘crush’ que o técnico espanhol confessou em tempos ter por Portugal mantém-se intacta, ou não tivesse ele visitado muitos estádios nacionais desde que deixou o comando dos italianos da Udinese em novembro de 2018. No último ano foram várias as abordagens recebidas para voltar a treinar cá, mas agora, ainda que tenha pegado numa equipa que não construiu, sentiu que tinha condições para fazer um bom trabalho. Para já, o saldo é de sete pontos em nove possíveis e uma escalada do 12.º para o 6.º lugar da Liga, a par do Rio Ave.

Numa longa conversa com o Maisfutebol, Velázquez falou sobre a forma como «concebe» o desporto-rei, os longos «retiros» que faz para ver jogos noutros pontos do planeta e partilhou que pretende para uma equipa que diz já apresentar em campo, ainda que a espaços, a filosofia que pretende implementar mas que não é estanque. «Eu não quero que o Vitória jogue à minha imagem: quero que jogue à imagem dos jogadores que temos.»

Leia a primeira parte da entrevista: «Continuo encantado com o futebol português»

Maisfutebol – O futebol português mudou nos últimos três anos?

Julio Velázquez – Talvez esteja um pouco mais competitivo.

MF – Não lhe parece que há mais equipas a tentarem praticar um futebol mais arrojado, corajoso e mais focado nas próprias ideias do que nas dos adversários?

J.V. – Não sei. Quando estive no Belenenses também havia equipas que faziam isso muito bem. O Sp. Braga do Paulo Fonseca, com quem tenho uma relação muito boa. O Sp. Braga dele jogava muito bem, tal como a equipa do Luís Castro [Rio Ave]. Para mim, há uma maneira de jogar bem, porque concebo-o de uma forma: gosto de ter posse de bola, de jogar no meio-campo contrário e de tentar que a minha equipa seja agressiva e que provoque e não espere pelo erro do adversário.

MF – Mas há diferentes correntes.

J.V. – Sim. E são igualmente respeitáveis. Não são melhores nem piores. Quando há um processo e um trabalho coerente, há que respeitar todos os treinadores. O mais importante é que as equipas tenham uma identidade e que sejam reconhecíveis.

MF – Disse que gosta que as suas equipas sejam agressivas e que tenham posse de bola no meio-campo do adversário. Acha que o seu Vitória já faz isso?

J.V. – Estamos no caminho certo. Estamos a fazer bem as coisas. Primeiro, ao nível dos resultados: somar sete pontos em nove possíveis é incrível para uma equipa que luta pela manutenção e que tem um dos orçamentos mais baixos do campeonato. Mas gosto da forma como alcançámos esses sete pontos: com um futebol positivo, percentagens positivas de posse de bola, mas não apenas isso, porque é importante onde acontece essa posse. Os jogadores perceberam o que queremos e estão a trabalhar muito bem. Em muitas fases destes três jogos da Liga já pudemos ver a filosofia que queremos implementar.

MF – Diga lá a verdade. Quando chegou e viu que a equipa só tinha três golos à 11.ª jornada, não pensou na reabertura do mercado?

J.V. – Não! Fiz uma análise com tranquilidade e concluí que tinha um bom plantel para trabalhar.

MF – E com condições para praticar um futebol diferente?

J.V. – Todos os jogadores podem fazê-lo. Mas é preciso que sejam criados contextos adequados a isso. Muitas vezes mete-se um rótulo num jogador e acha-se que ele só chega à nota 5, mas num contexto adequado por vezes ele pode atingir um 7. Muitas vezes o jogador não é o que vemos: é o que pode ser. Esse é o desafio dos treinadores. A questão dos golos é passado e não gosto de falar disso: era-me igual se a equipa tivesse marcado três, 30 ou 50. Tenho muito respeito por todos os profissionais que passaram por cá, que deram o melhor.

MF – Mas não foi estranho ver a equipa só com três golos marcados em 11 jogos?

J.V. – Não é habitual, mas foi o que foi. Era preciso ver o que era possível fazer para aumentar esse registo. Mas sempre com uma mentalidade positiva.

MF – O Vitória marcava pouco, mas também sofria poucos golos. Talvez se tenha criado a ideia de que a capacidade defensiva era a única virtude da equipa.

J.V. – A equipa tem características diferentes agora. Com estes jogadores, achamos que podemos aplicar o padrão de jogo que queremos implementar, mas não contranatura às características deles. Prefiro só falar do que temos feito desde que chegámos: somámos sete pontos em nove possíveis, mas podíamos ter alcançado só um que o processo seria o mesmo. Neste desporto, a curto prazo é possível ter um processo muito mau e alcançar resultados positivos e o contrário, mas a médio/longo prazo não.

MF – E o modelo de jogo que defende é fácil de aplicar rapidamente ou é necessário tempo?

J.V. – O modelo de jogo não pertence a um treinador. O treinador tem uma sensibilidade que o leva para uma maneira de jogar. Depois, é muito importante que as capacidades dos jogadores possam ir ao encontro dessas ideias. Mas o modelo de jogo também tem de estar em consonância com as capacidades dos jogadores.

Créditos: VFC

MF – O medo de perder é o maior inimigo de uma equipa para que as ideias não sejam assimiladas?

J.V. – Sim. Não só no futebol, como na vida. O medo é um limitador muito importante para que não possamos atingir o nosso limite. Mas a minha obrigação é que os jogadores joguem sem medo de errar. Por isso é que é importante gerar um contexto facilitador, mas a forma de atuar dos jogadores tem de ser uma consequência da mensagem que lhes é passada.

MF – Mas é importante eles sentirem que têm espaço para alguma liberdade criativa, certo?

J.V. – Liberdade bem concedida. Mas as coisas têm de ter um porquê e um para quê. Não gosto de um jogo em que simplesmente se passa a bola. Gosto de fazer as coisas com sentido: definir como vamos trabalhar a saída de bola, estudar as características dos adversários, ver onde estão os seus pontos fracos e como sair em transição para provocar danos no adversário. E o mesmo em ataque posicional e sem bola.

MF – Guardei uma frase que disse no final do jogo com o Desp. Aves no fim de semana passado. «Se atacas bem, defendes bem; se atacas mal, concedes mais facilidades ao adversário e não defendes bem.» É impossível ter sucesso sem conjugar estes dois fatores?

J.V. – Acho que é impossível, sim. Tem de haver uma coordenação entre uma fase e outra. Uma equipa é um todo.

MF – Esse equilíbrio é o aspeto mais difícil de encontrar para um treinador?

J.V. – É um dos... E a isso há que juntar o trabalho nas bolas paradas, que são cada vez mais importantes e que representam uma grande percentagem dos golos que são marcados hoje em dia.

MF – O que falta ainda a este Vitória para jogar à sua imagem?

J.V. – Eu não quero que o Vitória jogue à minha imagem. Quero que o Vitória jogue à imagem dos jogadores que temos.

MF – O treinador também tem de adaptar-se aos jogadores, como aflorou há pouco.

J.V. – Cien por ciento. É um equilíbrio necessário. De outra forma é impossível. Mas acho que estamos no caminho certo. Colocámo-nos numa situação muito boa, mas ainda falta muita Liga.

MF – Entre as restantes equipas da Liga, há alguma na qual se reveja no futebol que pratica e que seja um exemplo a seguir para o Vitória?

J.V. – Pode haver alguma em que eu me reveja, mas não quero ser mal interpretado. Há equipas que me agradam, mas há que analisar uma época completa, porque as equipas têm oscilações: o curto prazo leva a que não sejamos justos. No fim da época talvez possa responder-lhe a essa questão.

Créditos: VFC

MF –  Já disse que o objetivo de época é a manutenção, mas sente que agora há condições para um ano tranquilo?

J.V. – Dependerá de muitas variáveis. Se relaxarmos e um dia competirmos abaixo dos 100 por cento, vamos perder. A 100 por cento podemos lutar contra qualquer equipa durante os 90 minutos.

MF – Este cenário de instabilidade que o Vitória vive, com as demissões de elementos da direção e a convocação de eleições para janeiro, pode afetar o balneário?

J.V. – Não tenho de falar sobre essa situação. Sou treinador e falo dos jogadores que tenho à minha disposição.

MF – Vamos falar então do Benfica, que o Vitória defronta este sábado (21) para a Taça da Liga. Espera um desafio à altura do FC Porto para a Taça de Portugal?

J.V. – Não sei. É uma equipa diferente. O nosso foco principal é a Liga, mas por respeito ao clube, aos adeptos e à competição, tentamos sempre jogar para ganhar. Já não podemos chegar matematicamente à meia-final, mas não vamos jogar por jogar. Será uma boa oportunidade para acumular minutos de competição, fazer um bom jogo e deixar uma boa imagem.

MF – Vai aproveitar para testar novas dinâmicas e ver outros jogadores em ação, ou é importante solidificar uma base, até porque vem aí uma paragem competitiva e é importante não perder ritmo de jogo?

J.V. – Vamos utilizar o onze que consideramos ser o melhor para este jogo. Claro que não é a mesma coisa quando jogamos à quarta e ao domingo. Vamos utilizar um onze inicial que nos permita ser competitivos.

Leia a primeira parte da entrevista: «Continuo encantado com o futebol português»

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