Eles querem ser Jesus Cristo

Uns cantavam para ensaiar e aquecer a voz, outros preferiam ficar em silêncio para tentar afastar os nervos. Nervos a que uma jovem, uma entre as dezenas que estavam na sala, atribui o sangue que teima em lhe sair pelo nariz.

Este era o cenário esta tarde, no Teatro Rivoli no Porto, onde decorreu o casting para o próximo musical de Filipe La Feria - «Jesus Cristo Superstar», de Andrew Lloyd Webber.

A equipa de La Feria contou ao PortugalDiário que foram cerca de duzentos os jovens inscritos para prestar provas para o musical. Diana Melo, de 15 anos, era mais uma. A impaciência e o nervosismo eram visíveis. «Não conheço a peça, nem sequer conheço a música que eles querem, por isso, estou com um bocadinho de medo», confessou.

A jovem, que tem dois anos de formação de teatro e pratica dança desde os seis, garante que, se fosse escolhida «abdicaria dos tempos livres para entrar na peça» e nem precisava de ser uma personagem importante, «só participar já era muito bom», afirmou.

Mesmo ao lado estava sentada Leonor Gaspar. Com 35 anos, e a trabalhar na área de conservação e restauro, não deixava de mostrar o mesmo brilho nos olhos ao falar na possibilidade de ser escolhida para o musical. «Desde pequenina que conheço os trabalhos de Andrew Lloyd Webber, mas nunca imaginei vir fazer um casting para uma peça dele».

Leonor contou que foi a «oportunidade de participar num desafio diferente» que a levou a ir ao casting, mas admite que «talvez cantar seja um sonho adormecido», até porque já cantou no coro da paróquia.

Alheio ao clima de tensão e ansiedade que se sentia cá fora, La Feria escutava atentamente os candidatos. Um a um, iam entrando na sala para cantar uma das músicas propostas. A uns era pedido que cantassem mais umas notas, a outros bastava interpretar um bocadinho da música. Outros até nem tiveram de prestar provas: «já trabalharam comigo, já os conheço», explicou o encenador ao PortugalDiário.

À saída, uns mostravam sorrisos tímidos, convencidos de que a audição tinha corrido bem, mas sem terem nenhuma certeza. Outros mostravam-se desiludidos: «podia ter corrido melhor, estava muito nervoso», contou um dos inscritos.

Eram quase todos jovens, muitos já tinham tentado a sorte em castings semelhantes, mas sem grande sorte. Outros traziam a enorme esperança da primeira experiência. Mas havia quem trouxesse na bagagem muitos anos de carreira. Cristina Briona é actriz desde 1971. Já trabalhou em vários teatros e fez participações na televisão. «Trabalho fixo? Isso os actores nunca têm. Vamos trabalhando em bares, fazendo umas graçolas, em colónias de férias, damos aulas. Um contrato de seis meses como este, seria o Nirvana», contou ao PortugalDiário à saída da audição.

«Não sou cantora», adiantou para explicar o porquê de algum desalento. «Canto em jantares de amigos, mas ali estava nervosa. Ainda se me pusessem a cantar um fadinho», gracejou. Mas também foi adiantando que talvez o La Feria procurasse «gente mais nova», ainda assim, tentou. «Podiam querer alguém para o lugar de avó».

«Jesus Cristo Superstar» é a primeira grande produção de La Feria no Porto e o encenador diz que quer contar sobretudo com actores do norte. «São 40 personagens, mas um espectáculo destes tem sempre muitas pessoas, há muita gente que não está visível», explicou.

O musical deverá ter uma duração mínima de seis meses e La Feria espera que tenha o mesmo sucesso que tiveram os seus trabalhos anterios: Amália, My Fair Lady e Música no Coração. É uma peça cara, mas o encenador garante que vai contar com o apoio de parceiros particulares. Ofertas não faltam e La Feria até se pode dar ao luxo de escolher.

Cá fora, não se pensa em dinheiro, mas em paixão. Telma Carvalho e Marco Silva foram dois dos participantes do casting que não hesitaram em dizer que abdicariam do emprego que têm se fossem escolhidos. «Porque cantar e representar é uma paixão», afirmaram.