De homem dos sete ofícios a titular no Marítimo - TVI

De homem dos sete ofícios a titular no Marítimo

Marítimo-Benfica

Trabalhava na jardinagem, pintava cascos de barcos e assinou o primeiro contrato profissional aos 22 anos. Fábio China estreou-se na Liga em maio de 2016 e foi titular no Marítimo nos primeiros meses desta época

«Liga a pulso» é um espaço do Maisfutebol com relatos na primeira pessoa de jogadores que chegaram ao principal escalão do futebol português depois de terem passado por clubes semiprofissionais e/ou amadores. São histórias de vida de quem nunca desistiu de um sonho mesmo quando as portas pareciam fechar-se. (sugestões e críticas para david.j.marques@gmail.com)

 

Fábio China, 24 anos (lateral esquerdo do Marítimo)

«Sempre fui fanático por futebol. Quando andava na escola, corria logo para o campo quando dava o toque para sair. Desde miúdo que tinha o sonho de um chegar a profissional. Lembro que, quando os professores entregavam aquelas folhas com as profissões que queríamos seguir, a que eu escolhia era sempre a de futebolista.

Comecei a jogar futebol com nove anos nos Prazeres, um clube do concelho da Calheta onde estive até aos 18. No último ano em que lá estive joguei futsal. Tive a possibilidade de ir para o Estrela da Calheta mas, como as relações entre os clubes não eram as melhores, o presidente dos Prazeres não entregou a minha carta de desvinculação.

Estive a treinar algum tempo no Calheta mas, como a situação não se resolveu e eu não podia competir, voltei para os Prazeres, que nesse ano tinha acabado com o futebol e só restava o futsal. Foi aí que me sugeriram o futsal para não estar apenas a treinar e ainda conseguir competir na segunda metade da época.

Nos tempos do Estrela da Calheta

Sempre joguei futsal na escola e participei nos torneios de desporto escolar. Gosto de jogar, mas nunca me passou pela cabeça trocar o futebol pelo futsal e no final da época, quando a minha situação ficou resolvida, fui para o Calheta e retomei o futebol 11.

Consegui atingir os meus objetivos a jogar no regional. Evoluí e mostrei que tinha talento. Durante dois ou três anos, já enquanto sénior, fui convidado para fazer testes de pré-época na equipa B do Marítimo, mas nunca fiquei, até que em 2014 tive uma oportunidade no Marítimo C através do Nelson Gouveia, que tinha sido meu treinador no Calheta.

Fiz todos os jogos na equipa C na primeira volta e em janeiro foi-me proposto um contrato profissional. Tinha 22 anos e esse foi claramente um ponto de viragem na minha vida.

Até essa altura, a minha fonte de rendimento não era o futebol. Tinha outros trabalhos, onde fazia de tudo um pouco. Pintei cascos de barcos, trabalhei na jardinagem, numa loja de pesca, etc.

Percurso no futebol sénior

2011-2014: Estrela da Calheta

2014/15: Marítimo C

2015/16: Marítimo B

2016-…: Marítimo

No dia em que assinei contrato, tive a noção de que estava a dar um grande passo na minha carreira. De um momento para o outro, deixei os trabalhos em part-time de manhã, e que tentava conciliar com os treinos, e passei dedicar-me exclusivamente no futebol. No meu sonho.

Passei a ser um jogador profissional e a poder retribuir aos meus pais o que fizeram por mim. Nunca perdi a esperança de um dia conseguir um contrato profissional um dia, mas confesso que a partir de uma certa altura já não acreditava muito na possibilidade de chegar mais acima do que uma II Liga.

Essa possibilidade chegou na última jornada da época passada, contra o Moreirense. Na altura já treinava com a equipa principal uma ou duas vezes por semana, mas fiquei surpreendido com a oportunidade que o professor Nelo Vingada me deu.

Soube na véspera do jogo que ia jogar de início. Fizemos um treino com a equipa titular montada e, mesmo antes, o mister já me dava a entender que eu seria o lateral esquerdo da equipa. Lembro-me de me dizer para ficar tranquilo e para jogar aquilo que sabia e para mostrar o meu valor. O truque para tudo correr bem era pôr na cabeça que estava a jogar pela equipa B e com os meus colegas do costume no Campeonato de Portugal.

Estreei-me aos 23 anos na Liga. Fiz o meu trabalho e as coisas correram bem, ainda que tivéssemos perdido o jogo. O nervosismo é normal, mas quando a primeira coisa nos sai bem, ganhamos confiança e ficamos mais calmos com o passar dos minutos.

De um dia para o outro, saltei do Campeonato de Portugal para a Liga, onde o futebol é totalmente diferente. Há muito mais qualidade, o jogo é mais intenso, mais rápido, técnico e há mais respeito entre os jogadores.

Na pré-época deste ano fui promovido à primeira equipa do Marítimo e tive uma série de dez jogos seguidos a titular. Sinceramente, esperava que a adaptação ao futebol na Liga fosse mais difícil mas, desde que cheguei cá acima, acho que até é mais fácil do que jogar lá em baixo, embora a exigência seja muito maior neste patamar.

Estou a voltar agora de uma paragem de três meses por causa de uma pubalgia. Foi um período difícil, mas já fui convocado e estou a treinar com a equipa. Agora? É lutar para reconquistar o meu lugar, como sempre fiz.

O meu sonho de criança cumpriu-se e não quero ficar por aqui. Gostava de chegar um dia à Premier League, mas sinto-me bem no Marítimo e quero retribuir a confiança que depositaram em mim.»

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