Boavista-Benfica: memórias com histórias dentro, dos dois lados - TVI

Boavista-Benfica: memórias com histórias dentro, dos dois lados

Boavista-Benfica: 3-0 em setembro de 2006

Um duelo que se renova no Bessa e tanto que contar. Nuno Gomes e Tiago jogaram nos dois clubes e recordam tantos episódios. Até com um acerto de contas antigas

(artigo originalmente criado às 23h52 de 05/12/2019)

Boavista-Benfica é uma história com muitas histórias dentro. Tem novo capítulo nesta sexta-feira, num jogo onde o Boavista chega na melhor posição por esta altura desde que regressou à Liga e terá pela frente um Benfica líder, numa série de nove vitórias seguidas para o campeonato, ainda que com sinais de menor solidez em relação à segunda metade da época passada. Este é um duelo a que a ascensão do Boavista na transição do século deu ainda maior dimensão, que perdeu espaço com a queda dos axadrezados mas que se vai renovando. O Maisfutebol revisita o duelo do Bessa pelo olhar de quem jogou dos dois lados. Com memórias felizes e outras nem por isso, que metem até uma espécie de acerto de contas.  

Nos últimos 25 anos, o Boavista-Benfica foi construindo uma história de equilíbrio. Entre 1996 e 2001 os axadrezados tiveram uma série de 12 jogos sem perder com o Benfica, que inclui seis vitórias e entre elas a conquista da Taça de Portugal 1997. Em 14 confrontos desde 2000 no Bessa para a Liga, o Boavista venceu quatro, o Benfica outros tantos e houve seis empates. Essa tendência esbateu-se com a descida de divisão do Boavista, na sequência do Apito Dourado. Mas depois do regresso, em 2014/15, o Bessa já assistiu a outro triunfo sobre o Benfica e não é preciso recuar muito para o recordar: foi em 2017/18, uma vitória por 2-1 que deixou as águias de Rui Vitória a cinco pontos do líder FC Porto logo à sexta jornada.

Nuno Gomes, a Taça em 1997 e um jogo «especial» desde a formação no Bessa

É um jogo «especial». Quem o diz sabe bem do que fala. Nuno Gomes fez a formação no Boavista, foi lá que se revelou e foi de lá que saiu para a Luz, em 1997. Uma transferência a acentuar outra tendência desses tempos, o regular volume de negócios entre os dois clubes. Do Bessa saíram muitos jogadores para a Luz, incluindo, para lá de Nuno Gomes, referências como Isaías ou João Pinto.

«Para mim pessoalmente é um jogo especial, entre duas das equipas em que joguei. O Boavista porque foi onde fiz a formação, depois de ter saído de Amarante, o Benfica devido aos anos que passei no clube», diz Nuno Gomes ao Maisfutebol. «Para o Boavista é sempre especial, é contra um grande. E é sempre uma deslocação difícil, para o Benfica ou para qualquer outro grande. É uma equipa que se bate muito bem com as equipas grandes.»

«Ainda quando estava na formação do Boavista, os jogos em que o Boavista sénior recebia o Benfica eram sempre diferentes dos outros, havia sempre uma emoção diferente», conta o antigo avançado, acrescentando que também a partir da Luz as visitas ao Bessa tinham outro envolvimento: «Sim, porque ao longo do tempo foi sempre difícil passar no Bessa. Nunca é fácil para o Benfica. É um jogo sempre encarado sabendo que se não se jogar a 100 por cento se vão encontrar dificuldades. São os jogos que todos os jogadores gostam de jogar.»

A primeira grande memória de Nuno Gomes desses duelos não é do Bessa, mas do Jamor: a final da Taça de Portugal de 1998, que o Boavista venceu por 3-2 e em que marcou um golo: «Pelo Boavista, a grande recordação que tenho é a Taça de Portugal. Foi muito especial ganhar aquela Taça», diz. Tinha 20 anos e despedia-se pouco depois do Boavista, para rumar à Luz.

Por essa altura estava na Luz Tiago, então um jovem médio, que anos mais tarde rumaria ele próprio ao Bessa. Deixou a Luz em 1998, jogou em Espanha no Rayo Vallecano e no Tenerife, voltou para a U. Leiria e daí seguiria com José Mourinho para o FC Porto, onde fez parte da equipa que ganhou campeonato, Taça e Taça UEFA em 2002/2003. Ainda voltou a Leiria e em 2004/05 rumou ao Bessa.

Tiago junta-se à conversa com o Maisfutebol, para reforçar a ideia da importância que os duelos entre Boavista e Benfica ganharam. «Naquela altura o Boavista cresceu muito, chamavam-lhe Boavistão, e o Boavista-Benfica ganhou maior dimensão», diz, lembrando como do ponto de vista do Benfica as idas ao Bessa eram encaradas como deslocações difíceis, a reboque da imagem de marca do Boavista: «Era uma equipa competitiva, agressiva.»

2004/05: o Benfica campeão 11 anos depois, entre a «loucura»... e a «azia»

Para o Benfica, há uma recordação óbvia do Bessa neste século. 22 de maio de 2005, a última jornada do campeonato. O Benfica chegava na iminência de celebrar o primeiro título de campeão nacional em 11 anos. E o empate final (1-1, com golo de Simão para o Benfica e Éder Gaúcho a empatar ainda antes do intervalo), garantiu mesmo a festa. «Claro que o que recordo é o último jogo desse campeonato, em que selámos o título finalmente. Para mim foi uma grande coincidência, ganhar o primeiro campeonato pelo Benfica no Estádio do Bessa, o clube que me formou», diz Nuno Gomes, a lembrar aquele dia: «Era um ambiente incrível. Estávamos a jogar no Bessa e com os ouvidos também no jogo do FC Porto. Sabíamos que fazendo o nosso trabalho ganhávamos o campeonato. O estádio estava completamente cheio, de um lado os adeptos do Boavista e do outro os do Benfica. A festa no fim foi incrível, os festejos ainda nas imediações do estádio e depois no caminho para o aeroporto, uma loucura.»

Tiago estava do outro lado. Assistiu ao jogo do banco e essa mágoa ficou, conta. «Tinha sido titular a época toda e naquele jogo não fui. Foi uma desilusão tremenda. Era um jogo que ia decidir um título, com o estádio cheio», recorda, dizendo que a explicação que lhe deram é que «tinha sido decidido optar por outro jogador»: «Fiquei com uma azia tremenda.» Foi do banco que assistiu à festa vermelha: «Era uma moldura humana impressionante, o estádio completamente cheio. No final fui para o balneário, claro, mas ainda assisti ao início da festa, à invasão de campo do «staff», do banco de suplentes…» E a imensa festa dos benfiquistas não atrasou só a viagem da equipa até Lisboa. «No fim demorei quase duas horas para sair do parque de estacionamento», recorda Tiago.

Essa é seguramente uma memória marcante do Bessa para os benfiquistas, mas os duelos, só neste século, têm muitas mais para guardar. Logo em 2000, foi lá que José Mourinho se estreou como treinador principal, no banco do Benfica. E foi lá que as águias fizeram a festa da consagração do título em 2016/17, também na última jornada, e depois de terem selado a conquista na semana anterior, frente ao V. Guimarães.

2006/07: 3-0 e o «acerto de contas» entre Nuno Gomes e Tiago

Do lado do Boavista também há muito que recordar, sobretudo daqueles tempos que culminaram com a conquista do título de campeão nacional em 2001. Dois anos antes disso, o Boavista tinha ido vencer à Luz por 3-0, o maior triunfo de sempre em casa das águias. E já bem mais tarde, em setembro de 2006, repetiu esse resultado no Bessa, ainda hoje a vitória mais expressiva em casa sobre o Benfica e a penúltima até agora.

Jogava-se a segunda jornada do campeonato, que na verdade era a estreia do Benfica de Fernando Santos, que tinha visto o jogo da jornada inaugural com o Belenenses adiado por causa do Caso Mateus. O Boavista estreava no banco Zeljko Petrovic, o sucessor de Jesualdo Ferreira, que tinha saído para o FC Porto em cima do arranque da temporada. «Foi um grande resultado e um grande jogo», recorda Tiago. Era a estreia do Petrovic», diz, lembrando ainda outro dado e um episódio curioso desse jogo: «O Rui Costa tinha regressado ao Benfica. Dado as nossas posições tivemos vários duelos. E ele não estava nas melhores condições, porque ainda estava a voltar. Vi que ele tinha, como se diz na gíria, um «ratinho» na coxa, e até lhe disse que era melhor sair para não piorar.»

Rui Costa saiu aos 61 minutos mas esse jogo, decidido com um bis de Roland Linz e um terceiro golo a fechar apontado por Kazmierczak, tem muito mais que contar. É de má memória para Nuno Gomes, que viu cartão vermelho aos 68 minutos por uma entrada sobre… Tiago. Aliás, o Benfica teria ainda Petit e Manú expulsos perto do final. Fui expulso com uma entrada assim meio de pé em riste, vi o segundo amarelo. Acho que foi injusto, que não lhe cheguei a tocar. A reação do Tiago ajudou a que fosse expulso…»

Já Tiago não se recorda bem do lance. Mas acaba por dar razão a Nuno Gomes... «Tive o prazer de partilhar o balneário com o Nuno Gomes no Benfica e se foi uma entrada dele foi sem maldade. É natural que eu tivesse tirado algum proveito dessa situação, faz parte de mim», sorri, aproveitando para falar da reputação que lhe ficou colada ao longo de uma longa carreira, que só terminou em 2016, aos 41 anos, no Trofense. «Os jogos grandes incentivavam-me ainda mais em jogar à imagem do Boavista. Reconheço que fiquei com esse rótulo, mas era uma agressividade no bom sentido, na disputa de bola. Era um jogador com raça, mas não é por acaso que fiquei com a alcunha de «Ranhoso», que até me foi posta pelo Silas, atual treinador do Sporting», ri-se.

O Boavista «a lutar pelo lugar que lhe pertenceu»

As memórias ficam para sempre, e são reavivadas agora, quando o Boavista dá também maiores sinais de estabilidade. O que é bom para o futebol, dizem os dois antigos jogadores. «Houve um período em que o Boavista esteve afastado destes grandes jogos, mas felizmente voltou à normalidade», observa Nuno Gomes: «Embora em algumas ocasiões esta época os resultados tenham sido de alguma deceção para os adeptos, sobretudo na eliminação da Taça, o Boavista está a fazer um campeonato muito sólido e está numa posição que lhe permite sonhar e lutar por um lugar que já lhe pertenceu por direito noutras alturas.»

«É preciso um Boavista forte, o Boavista que nos habituámos a ver, como ex-jogador espero que o Boavistão volte», diz por sua vez Tiago, analisando o momento dos axadrezados: «É uma equipa muito competente, com mentalidade forte, com identidade. Sem grandes nomes, à imagem do clube e do treinador.»

«É um dos jogos mais difíceis que o Benfica terá», reforça Nuno Gomes: «Apesar de achar que o Benfica tem melhor equipa, tem de o provar. Abstraindo do que tem sido a campanha na Champions e os dois empates na Taça da Liga, só no campeonato o Benfica está numa série muito boa de vitórias. Portanto, atribuo favoritismo ao Benfica, mas se não se apresentar na melhor forma vai passar dificuldades.»

Continue a ler esta notícia