Leva uma «carreira a solo na vida», mas voa de recorde em recorde - TVI

Leva uma «carreira a solo na vida», mas voa de recorde em recorde

Paulo Conceição, do Benfica, tem as três melhores marcas de sempre no salto em altura português

Relacionados

Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Para Paulo Conceição, desde criança que tudo andava à volta dos saltos.

O miúdo irrequieto que cresceu em Sintra praticou todos os desportos que tinha à disposição.

No basquetebol, queria tocar no cesto. «Tinha o sonho de afundar.» E fê-lo muito novo, garante.

No andebol «aquilo que gostava mesmo» era de saltar entre os defesas e largar a bola junto aos pés do guarda-redes.

Chegou também a praticar badminton, mas seria um outro desporto com rede a lançá-lo para o atletismo: o voleibol.

Isso mesmo. Foi a impulsão – sempre o salto, lembra-se? – que deu para fazer um remate num torneio de voleibol inter-escolas que levou um professor da escola rival a desafiá-lo para um treino… de atletismo.

«Com 12 ou 13 anos saltei 1.50 metros à ‘tesoura’ [técnica em que a abordagem à fasquia é feita com as pernas], que era um excelente indicador. Por isso, a partir daquele primeiro sábado em que fui treinar com o professor Paulo Barrigana nunca mais larguei o atletismo», confessa ao Maisfutebol em conversa mantida no Jamor.

«Quando cheguei ao topo de Portugal foi incrível... mas deslumbrei-me»

Saltos, saltos e mais saltos.

Hoje, aos 26 anos, os saltos tornaram-se mesmo a vida de Paulo Conceição. E com sucesso tal, que o atleta do Benfica não só detém o recorde nacional de salto em altura – 2,28m, alcançados no início de fevereiro no Luxemburgo [ver vídeo associado a este artigo] –, como são dele as três melhores marcas da história da especialidade em Portugal.

O percurso, porém, fê-lo passar por várias especialidades técnicas, ainda com Paulo Barrigana como treinador, na Escola Mestre Domingos Saraiva, antes de se juntar, em 2011, ao Benfica.

«Nessa altura comecei a ter outro tipo de acompanhamento e apoio, tanto a nível financeiro como de fisioterapeutas e tudo aquilo de que um atleta precisa, e passei a levar ainda mais a sério o atletismo», nota.

Mas é agora, no ano de 2020, que parece estar a viragem. O salto para outro nível.

Porque apesar de se recordista nacional desde 2016, quando saltou 2.24m, nunca Paulo Conceição conseguiu resultados de forma tão consistente como está a fazer agora.

E se foram precisos quatro anos para ultrapassar a fasquia seguinte, o atleta culpa-se pelo «deslumbramento» e garante que agora não tem «qualquer limite na cabeça.»

«Quando cheguei ao topo de Portugal, em 2016, foi incrível. Nem consigo descrever a felicidade que senti por ter alcançado aquele salto que estava na minha cabeça desde júnior», começa por dizer, com um nervosinho que o faz ficar irrequieto, esfregar as mãos nas pernas e lhe deixa um sorriso enorme na cara.

Acontece que esse entusiasmo acabou por prejudicá-lo.

«Com esse momento aprendi que tinha de manter o foco. Porque acho que me deslumbrei e limitei a minha cabeça. Senti aquilo como o atingir de uma meta. O que foi um erro tremendo porque o meu corpo estava capaz de saltar muito mais», assegura, resumindo: «no desporto a mente é tudo!»

«Nem me lembrei de fazer a foto com a marca…»

Consistência.

No dia 1 de fevereiro, Paulo Conceição bateu por duas vezes o recorde que já era dele.

Melhorou de 2,24m para 2,25m e logo a seguir saltou os 2,28m que estão inscritos como máximo nacional.

Mas o atleta acha que isso não vai durar muito tempo. Sente-o nas pernas. E sabe-o na cabeça.

«Bati o recorde e vi aquilo apenas como saltar um centímetro mais alto e não como uma meta. Senti que não era o meu melhor. No final, estava sentado, os outros colegas a virem dar-me os parabéns pelo salto e eu só pensava: ‘podia ter feito 2,31m’», revela.

«Se tirei a foto da praxe com a marca? Eish, agora que falas nisso, não tirei. Nem me lembrei. Mas esta é uma marca de passagem», desvaloriza, sorridente.

Parece mesmo ser uma questão de tempo. Ou como ele próprio lhe diz: «Agora é época de colheitas.»

E no último fim de semana chegou mais uma prova de que atravessa a melhor fase da carreira.

«Há dois dias voltei a saltar 2,25m, ou seja, acima do meu antigo recorde. Fi-lo à primeira tentativa e foi um salto que ainda tenho de melhorar bastante», admite, ele que confessa que está numa fase de adaptação.

«Este ano já mudei a corrida três vezes. E essa é a parte principal do salto em altura. Arrisquei, mas era fundamental. E a verdade é que ao fim de quatro provas esta época, consegui o apuramento para o Europeu. Não era algo que esperasse, mas também não estava limitado a nada», reforça.

Mas calma. O melhor ainda pode estar por chegar.

«Ainda não sei o que posso fazer quando o meu salto estiver perfeito. O saltador em altura é um perfecionista. E o meu salto está longe de estar perfeito. Está talvez a 60 por cento em termos técnicos. Fiz esta corrida cinco vezes e preciso de a fazer de olhos fechados», sustenta.

Voltando um pouco atrás. O apuramento para os Europeus de Paris não pode surgir aqui como mera nota de rodapé. Porque, mais do que ser a primeira vez que Paulo Conceição o consegue, nunca antes Portugal esteve representado na prova continental no salto em altura.

E isso reforça claramente o papel desempenhado pelo atleta na evolução da modalidade.

«Desde que vi o Obikwelu sonho estar naquele palco»

O Europeu, contudo, está marcado para agosto. E antes disso até pode haver um salto imortal para dar.

«Sinto que vou saltar mais alto. E vou procurar o acesso aos Jogos Olímpicos», revela, sem esquecer que isso o obriga a bater novamente o recorde nacional, uma vez que o mínimo olímpico está fixado em 2,33m.

«Se não for com a marca de acesso, acredito que posso chegar lá através do ranking. Ainda estou longe, mas a regularidade dos resultados vai fazer-me subir. É um processo que está em andamento e acredito que posso conseguir», completa, antes de falar no sonho que tem em chegar aos Jogos.

«Desde que vi o Obikwelu a ganhar aquela medalha olímpica para Portugal que sonho chegar àquele palco», confidencia.

Ainda que sem ter isso como meta – já nos disse que deixou de se impor metas -, os passos dados na carreira nos últimos anos têm tido como objetivo assegurar um crescimento sustentado.

«O trabalho que tenho feito no Benfica, e com a minha treinadora, a Ana Oliveira, tem sido muito importante. Não é por acaso que temos dois recordes nacionais a trabalhar juntos. E também o meu psicólogo, o Miguel Sá, tem sido fundamental. Grande parte do meu sucesso deve-se ao trabalho que ele faz comigo porque fez-me mudar o mindset. Deixei de colocar metas, mas também de me deslumbrar com aquilo que consigo alcançar», explica.

Outra das alterações à rotina passou pela mudança para o Centro de Alto Rendimento (CAR) do Jamor, onde está há três anos.

«O CAR oferece todas as condições para um atleta trabalhar. É uma estrutura de apoio muito importante. Moro perto da pista e consigo ter a minha vida organizada, estando também perto da Faculdade», aponta o também estudante de Engenharia Informática.

Voar de recorde em recorde com a solidão como bagagem

É verdade que a ligação de Paulo Conceição ao desporto foi quase inata. Além de predisposição física que sempre teve, em casa, a mãe sempre incutiu nos filhos o gosto pela prática desportiva.

Mas tantas horas de dedicação ao desporto têm também consequências menos positivas.

Isso, aliás, continua a acontecer.

«Deixei de lado muitas festas e jantares com amigos em prol do meu sonho. Ainda agora na Faculdade, alguns colegas perguntam-me porque não apareço mais vezes, ou vou mais às aulas. Mas como atleta tenho de me adaptar: fazer mais trabalhos à distância, estudar em casa», realça.

Com o tempo, Paulo foi-se habituando, até porque a sua maneira de ser também contribui um pouco para isso.

«Sempre fui muito introvertido. Em miúdo vivia muito no mundo dos videojogos. E dedicar tanto tempo ao atletismo fez com que algumas amizades também se fossem afastando», lamenta, resumindo: «No fundo, segui uma carreira a solo na vida.»

Até que chegou ao CAR, sublinha.

«Aqui no Jamor criámos um bom grupo e apoiamo-nos bastante. Todos estamos focados nas nossas carreiras, mas existe apoio entre todos. E vir para cá fez-me perceber que não sou o único da minha espécie», sorri.

O atleta do Benfica tem, desde cedo, as prioridades bem definidas. E apesar de assumir que nunca imaginou fazer algo «que não fosse ser desportista», não descurou o percurso académico e frequenta o último ano da licenciatura em Engenharia Informática.

«Vai haver uma altura em que o atletismo vai acabar – acaba sempre - e eu preciso de ter algo mais para quando isso acontecer. Essa foi uma preocupação que tive sempre e como gosto da área dos videojogos, achei que a engenharia informática era uma boa opção e podia ser o meu porto seguro, até por ter bons níveis de empregabilidade», defende.

Quando tiver de dar esse salto na vida, porém, há uma enorme bagagem que vai levar dos anos de deporto de alto nível.

«Aquilo que o desporto me dá vai durar para lá da minha carreira. Isto já me deu tanto que vou levar para o futuro: a força para não desistir mesmo quando as coisas correm mal, a dedicação. A resiliência que aprendi a ter vai ajudar-me muito no futuro. E vou levar a competitividade para tudo. O meu cérebro vai continuar a ser competitivo mesmo quando as pernas deixarem de o ser», assegura.

Até para esse salto Paulo parece estar preparado. Ainda que essa altura pareça estar longe de chegar.

Artigo original: 10/02; 23h50

Continue a ler esta notícia

Relacionados