Daniela Reis: a única ciclista portuguesa lá fora, padeira nos dias livres - TVI

Daniela Reis: a única ciclista portuguesa lá fora, padeira nos dias livres

Daniela Reis - Ciclismo (Facebook)

É das poucas ciclistas portuguesas e a única que corre por um clube estrangeiro, o Lares-Waowdeals. Aos 24 anos, a jovem de Sobral de Monte Agraço sonha com um título no World Tour e para isso passa o ano entre a Bélgica e Portugal. Ganha apenas 250 euros ao mês e por cá, fora da competição, procura outros trabalhos. De «barba rija» e mãos na massa, literalmente.

Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades

Daniela Reis foi difícil de apanhar - e ela sabe -, mas a conversa com o Maisfutebol chegou em boa hora, revelando toda a simplicidade e força de vontade de uma jovem que tem e que quer continuar a vingar no ciclismo de estrada. 
 
Entre os treinos de pré-época e o trabalho numa padaria, a ciclista contou a história que tem escrito: começou tudo por acaso e quando era adolescente, agora é vê-la nas estradas europeias a competir pelo Lares-Waoudeals da Bélgica e pela seleção nacional. 
 
Cresceu em Sobral de Monte Agraço, mas nasceu em Torres Vedras e tem Joaquim Agostinho na memória. Daniela Reis também quer marcar o ciclismo nacional, mas quer ir com calma. Para já, aos 24 anos, é a única ciclista portuguesa a correr por um clube estrangeiro e foi 14.ª nos Jogos Europeus em Baku (2015).
 
«Ser como o Joaquim Agostinho? É um patamar muito difícil de alcançar, se lá chegar muito bem, mas o Joaquim Agostinho será sempre o Joaquim Agostinho. Não dá para comparar, mas claro que muita gente me fala disso», afirmou.
 
Daniela Reis começou em Portugal, passou por França - pelo DN17 Poitou Charrentes - e despertou o interesse belga, aceitando o desafio. Tem sido um percurso glorioso, mas não tem sido fácil. Competir a este nível nunca o seria, mas a atleta olha para todos os desafios de forma positiva.
 
Daniela Reis com as cores de Portugal

Apaixonada por desporto foi aos 16 anos que entrou no ciclismo de estrada. «Sempre fiz desporto na escola e BTT com o meu pai, um dia um diretor da ACD Milharado disse-me para experimentar ciclismo de estrada, experimentei, gostei e fiquei», começou por contar, deixando o desabafo: «Tornou-se num vício.»

Aos poucos, Daniela Reis foi passando etapas. Desde os escalões de formação e das provas menores, à competição sénior, profissional e, por exemplo, ao Giro de Itália - a prova que mais a entusiasmou até hoje.
 
Muitos quilómetros depois é no World Tour (WT) que quer continuar a competir e a destacar-se: «Quero fazer as coisas bem e um percurso positivo, se possível ganhar. Não tenho nenhuma prova como objetivo, mas quero obviamente ganhar muitas. No WT bastava-me uma.»
 
«Seria um sonho ganhar qualquer uma porque são todas importantes», justificou.
Em agosto de 2016 após a conquista da Taça de França a nível individual e coletivo

A ritmo elevado e no grupo da frente há muito tempo, agora entre Portugal e a Bélgica

Atualmente, sem residência fixa, Daniela Reis divide-se entre Portugal e a Bélgica. «Na altura das corridas estou por lá, mas agora é tempo de pré-época e estou por casa. Nos últimos três meses do ano estou sempre por Portugal», disse.
 
Ainda assim, não há férias quando se é atleta de alta-competição e o trabalho é quase tanto como nos meses anteriores: «Normalmente descanso um dia por semana e nos outros treino no mínimo duas horas, no máximo quatro/cinco. Às vezes, duas vez por dia. Durante a pré-época, além do treino, faço BTT, caminhada e ginásio.»
 
Esforçada e dedicada, Daniela Reis anda a este ritmo há muitos anos. Soma títulos atrás de títulos e foi feliz com a camisola do ACD Milharado, decidindo ainda nessa altura dedicar-se mais à modalidade e abdicar dos estudos no 12.º ano.
 
«Saí da escola e fui logo trabalhar com vista a dedicar-me à modalidade. Foi o que consegui fazer mais tarde, em julho de 2014, e no ano seguinte consegui ir para França», recordou.
 
Ao lado teve sempre, como ainda tem o apoio e a sabedoria do treinador Hélder Miranda. Há muito a trabalhar ao lado do ex-ciclista, Daniela Reis mantém a parceria mesmo que tenha rumado ao estrangeiro. A justificação é simples e dita a sorrir: «Em equipa que ganha não se mexe.»
Chegou ao Lares-Waoudeals da Bélgica em 2017 e renovou recentemente para 2018

250 mensais e a «mão na massa» numa padaria

Ao lado das pessoas que nunca lhe falharam, Daniela Reis tem conseguido trilhar o caminho, mas admite que não é fácil. Gostar do que faz ajuda, mas, como acontece em muitas outras modalidades, diz que não consegue viver do ciclismo.
 
«Não, não é possível. Nem em Portugal, nem fora, até se atingir um certo patamar. Os salários são mínimos ou inexistentes. Pagam viagens, estadia e alimentação, mas mesmo assim não é fácil», esclareceu, expondo a própria situação: «Sou remunerada, mas recebo 250 euros a dez meses - o contrato é de dez meses. É pouco claro. Lá dão-me casa e tudo, menos a alimentação quando estou lá e não há provas.»
 
«Depois tenho patrocinadores do clube, que sou obrigada a ter e a ser fiel (por exemplo, dão-me óculos só posso utilizar aqueles) e consegui apoios que não chocam com os interesses do clube, e que são de pessoas que conheço cá em Portugal», disse, revelando que, ainda assim, «o maior patrocinador ainda são os pais».
 
«Sem eles era impossível. Ajudam-me muito e quando estou em Portugal fico sempre em casa deles, não tenho dinheiro para alugar uma casa», referiu, admitindo que por isso tem tentado encontrar outras soluções e trabalhado em altura de pré-temporada.
 
«Durante a época não consigo trabalhar porque, como já disse, ando entre Portugal e a Bélgica, mas por norma nesta pausa trabalho cá. Com 250 euros por mês não dá para poupar e tenho sempre de fazer uma gestão rigorosa, por isso neste momento estou numa padaria a fazer Bolos Rei e concilio com os treinos», revelou.
 
É assim nos últimos anos, desde outubro até ao final do ano. Sem problemas em trabalhar, confessa que o trabalho tem apertado à medida que o Natal se aproxima, mas Daniela Reis diz-se «mulher de barba rija», que não se rende e que gosta de colocar as mãos na massa.
 
Em 2015 ao lado de outras atletas portuguesas

«Não há mais mulheres no ciclismo porque faz doer as pernas» 

Apesar das dificuldades que reconhece e que expôs, Daniela Reis não tem dúvidas de que quer continuar no ciclismo e só lamenta não ter a companhia de mais mulheres, sobretudo portuguesas.
 
«O motivo de não haver mais? Faz doer as pernas!», atirou com uma grande gargalhada, referindo mais a sério que a parte psicológica também é muito importante: «Às vezes é 50 por cento de pernas e 50 de cabeça. Correr a este nível exige muita força psicológica. Temos de acreditar mesmo muito também para que as pernas possam dar o seu melhor.»
 
«Além disso, claro, é preciso muita dedicação. É preciso gostar e querer muito isto, se não não resulta. É um desporto muito exigente. Estar fora, longe de tudo e todos, treinar muitas horas, às vezes com frio e muita chuva, não é fácil», justificou.
 
«Infelizmente não há muitas ciclistas cá e neste momento sou a única a correr no estrangeiro e a este nível. Gostava muito que mais portuguesas conseguissem ir pelo mesmo caminho. Era importante para a modalidade em Portugal», acrescentou.
 
No entanto, Daniela Reis sabe que o ciclismo não é de todo um dos desportos mais populares no nosso país, faltando-lhe por isso uma aposta mais concreta quer a nível de competição, quer de patrocínios e, como consequência, mais gente a praticá-lo.
 
«Ando nisto há muito tempo, sei que há meninas nas escolinhas que aos 15/16 anos acabam por deixar o ciclismo por falta de apoios e por haver poucas corridas em Portugal, o que depois acaba por fazer com que isto seja pouco estimulante. Falta apostar na modalidade», lamentou, referindo ter a esperança que a situação se altere para melhor.
 
[Fotografias retiradas do Facebook de Daniela Reis]
 
artigo atualizado: hora original 23:49, 30-11-2017
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