Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades
Daniela Reis foi difícil de apanhar - e ela sabe -, mas a conversa com o Maisfutebol chegou em boa hora, revelando toda a simplicidade e força de vontade de uma jovem que tem e que quer continuar a vingar no ciclismo de estrada.
Entre os treinos de pré-época e o trabalho numa padaria, a ciclista contou a história que tem escrito: começou tudo por acaso e quando era adolescente, agora é vê-la nas estradas europeias a competir pelo Lares-Waoudeals da Bélgica e pela seleção nacional.
Cresceu em Sobral de Monte Agraço, mas nasceu em Torres Vedras e tem Joaquim Agostinho na memória. Daniela Reis também quer marcar o ciclismo nacional, mas quer ir com calma. Para já, aos 24 anos, é a única ciclista portuguesa a correr por um clube estrangeiro e foi 14.ª nos Jogos Europeus em Baku (2015).
«Ser como o Joaquim Agostinho? É um patamar muito difícil de alcançar, se lá chegar muito bem, mas o Joaquim Agostinho será sempre o Joaquim Agostinho. Não dá para comparar, mas claro que muita gente me fala disso», afirmou.
Daniela Reis começou em Portugal, passou por França - pelo DN17 Poitou Charrentes - e despertou o interesse belga, aceitando o desafio. Tem sido um percurso glorioso, mas não tem sido fácil. Competir a este nível nunca o seria, mas a atleta olha para todos os desafios de forma positiva.
Apaixonada por desporto foi aos 16 anos que entrou no ciclismo de estrada. «Sempre fiz desporto na escola e BTT com o meu pai, um dia um diretor da ACD Milharado disse-me para experimentar ciclismo de estrada, experimentei, gostei e fiquei», começou por contar, deixando o desabafo: «Tornou-se num vício.»
Aos poucos, Daniela Reis foi passando etapas. Desde os escalões de formação e das provas menores, à competição sénior, profissional e, por exemplo, ao Giro de Itália - a prova que mais a entusiasmou até hoje.
Muitos quilómetros depois é no World Tour (WT) que quer continuar a competir e a destacar-se: «Quero fazer as coisas bem e um percurso positivo, se possível ganhar. Não tenho nenhuma prova como objetivo, mas quero obviamente ganhar muitas. No WT bastava-me uma.»
«Seria um sonho ganhar qualquer uma porque são todas importantes», justificou.
A ritmo elevado e no grupo da frente há muito tempo, agora entre Portugal e a Bélgica
Atualmente, sem residência fixa, Daniela Reis divide-se entre Portugal e a Bélgica. «Na altura das corridas estou por lá, mas agora é tempo de pré-época e estou por casa. Nos últimos três meses do ano estou sempre por Portugal», disse.
Ainda assim, não há férias quando se é atleta de alta-competição e o trabalho é quase tanto como nos meses anteriores: «Normalmente descanso um dia por semana e nos outros treino no mínimo duas horas, no máximo quatro/cinco. Às vezes, duas vez por dia. Durante a pré-época, além do treino, faço BTT, caminhada e ginásio.»
Esforçada e dedicada, Daniela Reis anda a este ritmo há muitos anos. Soma títulos atrás de títulos e foi feliz com a camisola do ACD Milharado, decidindo ainda nessa altura dedicar-se mais à modalidade e abdicar dos estudos no 12.º ano.
«Saí da escola e fui logo trabalhar com vista a dedicar-me à modalidade. Foi o que consegui fazer mais tarde, em julho de 2014, e no ano seguinte consegui ir para França», recordou.
Ao lado teve sempre, como ainda tem o apoio e a sabedoria do treinador Hélder Miranda. Há muito a trabalhar ao lado do ex-ciclista, Daniela Reis mantém a parceria mesmo que tenha rumado ao estrangeiro. A justificação é simples e dita a sorrir: «Em equipa que ganha não se mexe.»
250 mensais e a «mão na massa» numa padaria
Ao lado das pessoas que nunca lhe falharam, Daniela Reis tem conseguido trilhar o caminho, mas admite que não é fácil. Gostar do que faz ajuda, mas, como acontece em muitas outras modalidades, diz que não consegue viver do ciclismo.
«Não, não é possível. Nem em Portugal, nem fora, até se atingir um certo patamar. Os salários são mínimos ou inexistentes. Pagam viagens, estadia e alimentação, mas mesmo assim não é fácil», esclareceu, expondo a própria situação: «Sou remunerada, mas recebo 250 euros a dez meses - o contrato é de dez meses. É pouco claro. Lá dão-me casa e tudo, menos a alimentação quando estou lá e não há provas.»
«Depois tenho patrocinadores do clube, que sou obrigada a ter e a ser fiel (por exemplo, dão-me óculos só posso utilizar aqueles) e consegui apoios que não chocam com os interesses do clube, e que são de pessoas que conheço cá em Portugal», disse, revelando que, ainda assim, «o maior patrocinador ainda são os pais».
«Sem eles era impossível. Ajudam-me muito e quando estou em Portugal fico sempre em casa deles, não tenho dinheiro para alugar uma casa», referiu, admitindo que por isso tem tentado encontrar outras soluções e trabalhado em altura de pré-temporada.
«Durante a época não consigo trabalhar porque, como já disse, ando entre Portugal e a Bélgica, mas por norma nesta pausa trabalho cá. Com 250 euros por mês não dá para poupar e tenho sempre de fazer uma gestão rigorosa, por isso neste momento estou numa padaria a fazer Bolos Rei e concilio com os treinos», revelou.
É assim nos últimos anos, desde outubro até ao final do ano. Sem problemas em trabalhar, confessa que o trabalho tem apertado à medida que o Natal se aproxima, mas Daniela Reis diz-se «mulher de barba rija», que não se rende e que gosta de colocar as mãos na massa.
«Não há mais mulheres no ciclismo porque faz doer as pernas»
Apesar das dificuldades que reconhece e que expôs, Daniela Reis não tem dúvidas de que quer continuar no ciclismo e só lamenta não ter a companhia de mais mulheres, sobretudo portuguesas.
«O motivo de não haver mais? Faz doer as pernas!», atirou com uma grande gargalhada, referindo mais a sério que a parte psicológica também é muito importante: «Às vezes é 50 por cento de pernas e 50 de cabeça. Correr a este nível exige muita força psicológica. Temos de acreditar mesmo muito também para que as pernas possam dar o seu melhor.»
«Além disso, claro, é preciso muita dedicação. É preciso gostar e querer muito isto, se não não resulta. É um desporto muito exigente. Estar fora, longe de tudo e todos, treinar muitas horas, às vezes com frio e muita chuva, não é fácil», justificou.
«Infelizmente não há muitas ciclistas cá e neste momento sou a única a correr no estrangeiro e a este nível. Gostava muito que mais portuguesas conseguissem ir pelo mesmo caminho. Era importante para a modalidade em Portugal», acrescentou.
No entanto, Daniela Reis sabe que o ciclismo não é de todo um dos desportos mais populares no nosso país, faltando-lhe por isso uma aposta mais concreta quer a nível de competição, quer de patrocínios e, como consequência, mais gente a praticá-lo.
«Ando nisto há muito tempo, sei que há meninas nas escolinhas que aos 15/16 anos acabam por deixar o ciclismo por falta de apoios e por haver poucas corridas em Portugal, o que depois acaba por fazer com que isto seja pouco estimulante. Falta apostar na modalidade», lamentou, referindo ter a esperança que a situação se altere para melhor.
[Fotografias retiradas do Facebook de Daniela Reis]
artigo atualizado: hora original 23:49, 30-11-2017