A asma levou-o à natação, agora deu o primeiro passo para ir a Tóquio - TVI

A asma levou-o à natação, agora deu o primeiro passo para ir a Tóquio

Gabriel Lopes (foto Federação Portuguesa de Natação)

Gabriel Lopes conseguiu os mínimos olímpicos nos 200 metros estilos, mas espera-o um ano de renhida luta a três por duas vagas nos Jogos Olímpicos

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Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Aos três anos, a natação foi-lhe prescrita pelo médico por causa da asma que tem desde criança, daí até à competição foram só umas braçadas. E o que começou como tratamento para os problemas respiratórios rapidamente se transformou em algo maior, naquilo que Gabriel Lopes imaginava para o seu futuro.

15 anos depois das primeiras provas, o atleta do Louzan Natação conseguiu dar o primeiro passo para cumprir um sonho: ir aos Jogos Olímpicos. Mas ainda há outros passos para percorrer e uma dura competição entre três nadadores para apenas duas vagas.

Gabriel Lopes falou com o MaisFutebol quatro dias depois de ter conseguido fazer os mínimos para Tóquio e falou desse momento, o melhor da carreira até agora, e voltou também atrás, às primeiras braçadas, aquelas aos três anos de idade.

«Aprendi a nadar nessa altura e aos sete anos entrei na competição», conta o nadador, que explica que a passagem da atividade de lazer para a competição «foi natural» porque, além «do jeito que já tinha», havia algo mais: «Sempre gostei de me esforçar, sentir que estou a dar muito naquilo que estou a fazer. É uma das coisas que me acompanha até hoje e sem essa vontade de fazer mais e melhor não conseguimos ir mais além», frisa.

E Gabriel Lopes foi chegando mais além, mas não esquece aquele início e a euforia de receber um troféu. «Recordo-me de que num torneio, no primeiro ou segundo ano da competição, havia dois troféus para entregar: um era para o nadador que fizesse a melhor performance e o outro era para o nadador mais jovem. E nessas provas era eu o nadador mais novo. Lembro-me perfeitamente de ter ficado muito eufórico ao receber aquele troféu».

E o que foi feito dele? «Ainda o tenho hoje. Está lá em casa. E é a primeira recordação que tenho de receber um prémio na natação. Mesmo não tendo sido de resultados, foi o primeiro que me marcou».

Gabriel Lopes (direitos reservados)

Os pais apoiaram sempre essa aposta e Gabriel Lopes foi percebendo que a natação tinha vindo para ficar na sua vida. «Nunca tive algo que me chamasse mais do que o desporto. Aprendi a tocar um instrumento, bateria, durante dois anos, mas nunca foi algo a que eu desse tanto como dou ao desporto. E cada vez mais a natação foi fazendo mais sentido», aponta.

A adolescência, a idade em que as solicitações sociais são maiores, trouxe as primeiras dificuldades. «Essa transição nunca é fácil. Um atleta tem restrições e não pode ter uma vida tão normal com as outras pessoas. Tive as minhas dificuldades, mas acho que sempre soube lidar bem com elas. O que mais me custou foi não ter conseguido estar tão presente na vida com os meus amigos e mesmo com a minha família», recorda.

Chegou a pensar em desistir? «Uma vez. Penso que tinha 16 anos. E não era por falta de resultados. Foi uma altura em que estava um pouco em baixo, não tinha tanta vontade de treinar, não estava a gostar tanto da competição, apesar de estar a ter resultados bons na altura e até ter conseguido nesse ano ir aos Europeus de Juniores», conta Gabriel Lopes.

«Por um ou outro momento destes, acho que toda a gente passa. Nós não somos máquinas, não conseguimos estar sempre da mesma maneira todos os dias. Mas os meus pais e o meu treinador não acharam que fosse uma decisão com pés e cabeça e fizeram-me ver isso na altura», frisa o nadador, sem ponta de arrependimento. «Acho, até hoje, que foi o melhor que fiz».

Gabriel Lopes (direitos reservados)

Continuou a nadar e está cada vez mais perto de cumprir o seu sonho, por isso, olhando para trás, não tem dúvidas em apontar qual foi o «momento mais alto da carreira» … até agora.

«Foi este fim-de-semana quando consegui os mínimos olímpicos. Porque este momento é o culminar de anos de trabalho, de um sonho de anos e anos, e de um objetivo que está mesmo em cima da mesa desde 2016», conta Gabriel Lopes.

O treinador Vítor Ferreira, que acompanha Gabriel Lopes desde os nove anos, fez-lhe uma promessa: se conseguisse os mínimos, cortaria a longa barba, que deixava crescer há anos. Mal Gabriel terminou a prova, a promessa foi cumprida, mas ainda há muito trabalho pela frente até Tóquio.

Gabriel Lopes e o treinador Vítor Ferreira (direitos reservados)

«Somos três atletas [além de Gabriel Lopes também Alexis Santos e Diogo Carvalho] com possibilidade de fazer os mínimos para os 200 metros estilos e só vão dois. É uma situação que não existe em mais nenhuma prova e vai requerer tudo o que eu conseguir dar para conseguir lá estar. Conseguir os mínimos é o primeiro passo, ainda faltam três, quatro, cinco passos a dar em frente», diz o nadador, que se mostra confiante de que está «a ir no caminho certo».

Só cerca de um mês antes dos Jogos Olímpicos é que se saberá quem ocupará as vagas e competirá em Tóquio. «Até lá é manter e sempre a dar o máximo», diz Gabriel Lopes, que até vê um lado positivo nesta disputa até ao fim.

«Também é uma maneira de nunca baixar a guarda, de ver que não posso estar a contar com que os outros falhem, mas sim contar com que eles façam e que eu tenha que fazer melhor porque o objetivo não é só estar em Tóquio, mas sim competir o melhor que for humanamente possível para mim».

Um exemplo de como esta competição será renhida é o facto de Gabriel Lopes ter batido o recorde nacional dos 200 metros estilos, que era de Alexis Santos, no sábado de manhã e à tarde o atleta do Sporting o ter recuperado à tarde, numa prova em que Gabriel Lopes decidiu não participar.

«Estava a ver a prova de fora e quando o Alexis chegou e bateu o recorde nacional, não senti qualquer tipo de tristeza, frustração ou angústia. Senti que tinha feito a prova que conseguia fazer de manhã e o Alexis fez uma prova incrível, que foi melhor do que a minha. O que eu tiro disto é que ainda tenho de trabalhar mais porque não fiz uma prova perfeita e sinto que ainda consigo melhorar»

«É essa competição que nos faz crescer, não apenas a nós como nadadores, mas a natação em si», frisa o nadador.

O impulso financeiro dos mínimos olímpicos e o esforço para conciliar a natação com a Universidade

Fazer os mínimos olímpicos tem ainda uma importância acrescida em termos financeiros. «Eu recebo a bolsa da Federação, mas só a bolsa não é suficiente. Como fiz este fim-de-semana os mínimos vou receber a bolsa do Comité Olímpico, que é substancialmente mais do que recebia até agora. Com o dinheiro que recebo do clube e o que vou receber do Comité Olímpico é suficiente para viver só da natação, mas se tivéssemos falado na semana passada, a resposta provavelmente seria diferente», diz Gabriel Lopes.

«Este é um caso, o meu caso, mas a esmagadora maioria dos nadadores não recebem absolutamente nada e ainda há os que recebem, mas não é suficiente para viver. E especialmente quando estava em formação, se os meus pais não suportassem eu não nadava», aponta.

Gabriel Lopes e o treinador Vítor Ferreira (direitos reservados)

O jovem nadador tenta conciliar a natação com o curso de Desporto na Universidade de Coimbra, mas admite que não é fácil.

«Quando as crianças começam, toda a gente diz: ‘Tens de trabalhar e um dia vais estar nos Jogos Olímpicos’. Até faz parecer que é fácil. Mas muito pouca gente tem a noção do que é que isso significa mesmo. Quanto trabalho tem de se pôr, qual o grau de dedicação que tem de existir para isso ser mesmo realidade».

«Eu acordo diariamente às 6:15, tomo o pequeno-almoço e vou para a piscina. Entro na água às 7:00 e treino até às 9:00, 9:15. Depois vou comer qualquer coisa, descansar um pouco e tentar encaixar alguma aula que exista nesse dia. Depois do almoço, treino das 15:00 às 17:00 ou 17:15 e tento ir a outra aula. Dia sim, dia não é isto, nos outros dias tenho também ginásio, só ao domingo não tenho treinos», conta.

«O primeiro semestre até correu bem, mas encaixar as aulas é muito complicado. Mesmo que tenha tempo para lá ir, é difícil estar com atenção por causa do cansaço, da disposição. Sair da água às 9:00 depois de treinar duas horas e ainda ir para uma aula... a atenção com que vou estar não é a melhor. E ao fim da tarde, também já estou muito cansado e, se não descansar, não consigo treinar».

«Para estar a 100 por cento na natação não consigo estar a 100 por cento nos estudos, mas é algo que consigo ir fazendo e é melhor do que não estar a fazer nada», aponta, frisando como a formação académica é importante: «Não vou nadar para sempre e tenho que ter algo a que me agarrar quando terminar a carreira».

Para já, a carreira ainda se adivinha longa e há muitas mais braçadas para dar, quem sabe se até em Tóquio.

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