Barman e modelo, agora com a amarela da Volta ao Alentejo vestida - TVI

Barman e modelo, agora com a amarela da Volta ao Alentejo vestida

Luís Mendonça - Ciclismo (Facebook)

Luís Mendonça tem 32 anos e sente-se um jovem recém-chegado ao ciclismo. Venceu a primeira prova da carreira este março, poucos anos após o regresso à modalidade que deixou pelo estudos e quase esqueceu por causa da noite e das passarelas. A vitória de Rui Costa nos Mundiais de ciclismo em 2013 foi o «clique», o muito trabalho e as ideias no sítio a base para o sucesso

[artigo publicado pela primeira vez no dia 28-03-2018, às 23:45]

Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades

Luís Mendonça chegou ao pódio na Volta ao Alentejo no dia 18 de março, nem cinco anos após o regresso ao ciclismo. Aos 32 anos sente-se por isso um jovem recém-chegado à modalidade que o fascina desde criança. De resto, considera-se o próprio, muito vivido e tem uma história peculiar.

À conversa com o Maisfutebol, Luís Mendonça deu-se a conhecer.

«Aos 12 anos já acompanhava as Voltas e dava as minhas voltinhas perto de casa, mas nada de especial. Foi então aos 14 anos que quis comprar uma bicicleta de estrada, fui a uma loja e o dono tinha uma equipa mais na brincadeira e convidou-me para ir. Fui e foi aí que tudo começou», contou.

«Aos 16/17 anos comecei a competir, mas pouco tempo depois abandonei a competição por causa da faculdade e estive muito tempo afastado», acrescentou, recordando os anos entre 2008 e 2014 e o que viveu nesse altura: faculdade, noite e passarelas.

«Passei um pouco por tudo. Fui bom aluno e quase entrei em medicina, mas acabei a tirar fisioterapia pensando ainda em ser médico, depois passei para a fase mais diferente em que me dediquei ao ginásio, tinha boa aparência, fui trabalhar para a noite e aí surgiram os desfiles. Nessa fase final era uma vida demasiado louca», disse.

Ainda assim, não era feliz: «Era uma vida com muito fumo, muito álcool e noites mal dormidas. A loucura da noite traz felicidade momentânea, mas a partir de um certo momento acho que ninguém é feliz a viver com tanta euforia tantos dias por semana. Estava a ter sucesso, mas era uma vida na qual não me via a ser feliz e na qual o futuro seria muito mais curto, e o curso de fisioterapia também não me fazia feliz naquela altura.»

Por isso, o desejo de mudar.

O «clique» deu-se ao ver Rui Costa sagrar-se campeão do Mundo de ciclismo, em 2013, e depois os espanhóis do CC Spol darem-lhe a oportunidade. «Treinei com ele e fui colega de equipa dele quando éramos juniores, e ao vê-lo vencer senti que também eu tinha uma palavra a dizer porque saí de uma forma muito repentina, por causa dos estudos. Aos 27 anos só havia uma alternativa: é agora ou nunca... não tinha tempo a perder», afirmou.

«Se não o fizesse, um dia mais tarde podia arrepender-me. Por isso, arrisquei», revelou, contando que mesmo assim não foi uma mudança fácil: «Foi uma maluqueira muito grande, passado um mês já estava meio arrependido, mas segui… e agora estou muito satisfeito com a decisão que tomei.»

«Noite e competição são duas vidas que exigem muito do físico, mas o desgaste da noite tira anos de vida. Prefiro o desgaste do ciclismo, de longe. É um desgaste saudável e não é comparável», disse.

«Sou mais feliz no ciclismo, estou dedicado e muito focado e, apesar de ter 32 anos, sinto a motivação de um jovem que acabou de chegar», referiu, contando que treina «cerca de quatro horas por dia, todos os dias» e que basicamente a vida que leva é «treinar, comer e descansar» e é a esse ritmo que quer andar por muitos mais anos.

«Gostava de ir até aos 40 anos. Temos exemplos que provam que é possível estar na frente com essa idade, por exemplo o Rinaldo Nocentini do Sporting que tem 40 anos, foi 4.º na Volta a Portugal e é uma das minhas referências. Ele anda todo ano nisto e ao mais alto nível.»

«Os feitos têm ajudado a pensar assim», acrescentou, atirando: «Nunca pensei chegar a esta performance porque nos dois anos anteriores a regressar nem sequer fazia nada, só umas barras em casa e por fazer. Regressei mesmo do zero. Isto é fantástico porque ninguém dava nada por mim», disse.

Luís Mendonça, de pequenino já de bicicleta na mão (Fonte: Facebook)

Mais sprinter, do que corredor de montanhas, o atleta do Aviludo-Louletano confessa que se tem adaptado bem: «Gosto de finalizar e sprintar em grupos mais pequenos. Estar perto da meta, ir e discutir a corrida pois sou muito rápido e pesado, mas tenho vindo a subir bastante bem.»

As quedas são a única coisa que lhe faz confusão, mas… «quem cai, levanta-se».

«É o maior medo dos ciclistas. As quedas são o pior, algumas são terríveis e podem afastar um ciclista da competição, mas acaba por ser o nosso dia a dia. Já estamos a contar com elas e sabemos que por temporada acontecem umas quatro ou cinco. Tenho bastante medo, sobretudo porque no sprint todos queremos estar na frente e essas quedas são muito violentas, mas fazem parte.»

Luís Mendonça nunca sofreu nenhuma queda grave, mas em 2017 foi afastado da Volta a Portugal, quando se preparava para a prova, num incidente inexplicável. Fraturou um braço na sequência de uma agressão em plena via pública e teve de ser operado, acabando por falhar a Volta.

«Passei dois dias e duas noites a chorar, mas isso só me tornou mais forte e a pensar em não deixar para amanhã o que podia fazer hoje. Quem cai também se levanta e, às vezes, mais forte.»

Por isso, o ciclista português considera também que a cabeça conta mais do que as pernas. «A meu ver, o ciclismo é mais psicológico do que físico. As etapas são muito violentas e é importante manter o foco», disse, contando como foi a prova no Alentejo em que teve duas etapas por dia.

«Terminei a primeira etapa morto e a pensar como é que iria conseguir fazer mais cinco, mas fiz e depois ganhei a prova. É um jogo psicológico diário. A cada final do dia é preciso recuperar, ter em mente o objetivo e descansar muito. Além disso, estar ciente de que não somos só nós que estamos mal porque o adversário sofre o mesmo. Aí a cabeça faz a diferença e claro que levar a amarela no corpo também nos dá força.»

Na chegada a Évora, a celebrar a vitória na Volta ao Alentejo (Fonte: Facebook)

A próxima amarela não sabe quando é que a vestirá, mas depois de um sétimo lugar numa das etapas da Volta a Portugal em 2016 e depois da conquista alentejana este ano, encara a Volta de 2018 com ainda maior ambição,

«Vencer no Alentejo foi um sonho tornado realidade e a fasquia elevou-se obviamente. Agora olham-me com outros olhos e eu também me olho com outros olhos. Vou descansar um tempo e preparar-me para conseguir fazer coisas bonitas.Vou apostar nos nacionais, em junho, e depois na Volta. O maior objetivo é, sem dúvida, ganhar uma etapa, mas quero estar ao lado do nosso líder, o Vicente de Mateos, e ajudar a equipa. Depois logo se vê se poderei fazer algo mais.»

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