De Macau ao Canadá, com origem vietnamita, agora a representar Portugal - TVI

De Macau ao Canadá, com origem vietnamita, agora a representar Portugal

Kequyen Lam (Fonte: COP)

Kequyen Lam um dos dois portugueses nos Jogos Olímpicos de Inverno em PyeongChang, à conversa com o Maisfutebol antes desta aventura. Pais refugiados em Macau e nascimento na colónia portuguesa deram-lhe a nacionalidade que agora defende com «honra e orgulho»

Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades

Kequyen Lam. O nome não é português, de todo, mas Kequyen Lam, que vive no Canadá, nasceu em Macau e por isso tem dupla nacionalidade. Sente-se português e entra em competição na madrugada desta sexta-feira (06h00 PT) , nos Jogos Olímpicos de Inverno, na modalidade de cross country (esqui de fundo), com as cores nacionais.

Vai defendê-las com todo o orgulho e gratidão. «É um privilégio e agradeço a oportunidade. Sinto-me português», começou por dizer ao Maisfutebol um dia antes da partida para PyeongChang, onde se realizam os JO de Inverno 2018.

Em estreia absoluta nos Jogos, Kequyen Lam, de 38 anos, foi porta-estandarte de Portugal na cerimónia de abertura da competição. «Nenhuma palavra pode descrever o que senti naquela noite. Chorei. Sentei-me ali nas bancadas e chorei. Sem pensamentos, apenas lágrimas», escreveu nas redes sociais.

Comitiva portuguesa na abertura dos JO de Inverno em PyeongChang

Pais vietnamitas, refugiados em Macau que agora vivem no Canadá

Kequyen Lam nasceu em Macau, mas é filho de pais vietnamitas que tiveram de fugir para a colónia portuguesa em 1978 devido à guerra no país natal. Foram à procura de asilo, liberdade e de uma vida melhor. Arriscaram tudo.

Com o irmão mais velho de Kequyen nos braços, «viajaram durante um mês num pequeno barco, que ameaçava virar-se a qualquer momento». Chegados a Macau, numa longa viagem de «obstáculos e muita superação», «viveram durante um ano num campo de refugiados» e foi nessa altura que tiveram Kequyen.

A estadia do agora atleta nacional não foi muito longa, mas ter nascido em Macau deu-lhe a possibilidade de ter nacionalidade portuguesa: «Nasci e isso bastou, mas quando tinha três meses decidiram partir para o Canadá, onde estavam os meus avós, porque claro que lhes fazia mais sentido juntar a família.»

Foi então no Canadá que cresceu e onde continua a viver, repartindo a vida de esquiador com a de farmacêutico.

Portugal, país que agora representa, foi apenas «casa» durante umas semanas quando tinha 27 anos: «Aprendi português na universidade, durante um ano. Depois decidi viajar pelo país durante dois meses.»

«Estive em Lisboa, no Porto, na zona de Peniche e no Algarve. Foi uma viagem incrível. Na altura como andava na faculdade de Farmácia, aproveitei e estive uns tempos numa Farmácia em Ferrel. Queria ver como era trabalhar noutro país e foi uma experiência fantástica», contou.

Na memória guarda «a boa comida e os vinhos maravilhosos» de Portugal. «É um país surpreendente», acrescentou, recordando a «belíssima costa que o país tem», onde foi muito feliz, e sublinhando: «Sinto-me mesmo muito honrado e orgulhoso por vestir as nossas cores e representar Portugal. Faço-o com muita vaidade. Por tudo.»

Kequyen Lam decidiu competir por Portugal por considerar que poderia «fazer parte de algo importante» e «ajudar a criar impacto nos desportos de inverno», que no nosso país não têm muita expressão.

«Espero por isso que a minha participação nos Jogos inspire as futuras gerações e que as motive para os desportos de inverno», disse, acrescentando: «Ou simplesmente para o desporto porque acho que é uma mais-valia, até para aprendermos sobre a vida.»

Kequyen Lam (à direita) com Arthur Hanse, o luso-francês que também está nos JO de Inverno

«Determinação, paixão e coragem» até aos JO de Inverno

Kequyen Lam começou no snowboard, mas chegou ao cross country quando conheceu Danny Silva, que representou Portugal nos JO de Inverno em 2006 e 2010: «Disse-me que teria jeito e convenceu-me a experimentar. Depois de uma lesão que tive em 2013, procurei outra alternativa e foi aí que experimentei. Achei que seria difícil a mudança de um desporto anaeróbico para um de resistência, mas consegui.»

«Foi um grande desafio, sim, mas depois em 2015 decidi investir e focar-me na qualificação para estes Jogos nesta modalidade. Foi um trabalho árduo, de muita determinação, paixão e coragem», disse, justificando: «Foi isso que me trouxe até aqui. Quando acreditamos que podemos conseguir alguma coisa, conseguimos.»

Foi com esse pensamento que partiu para PyeongChang, mas sabe que não será fácil obter um resultado assinalável. Por isso, revelou aquilo que pretende: «Quero esquiar bem com boa técnica e a um bom ritmo, fazendo o melhor que sei. Esta participação é apenas o começo.»

Quanto às temperaturas (muito) negativas naquela região da Coreia do Sul, Kequyen Lam disse não serem obstáculo: «Faz muito frio, mas não estou preocupado. É normal estar em ambientes com temperaturas muito baixas. 20 graus negativos não é novidade.»

«Adoro isto: o deslizar na neve, a suavidade, o equilíbrio, o ‘flow’. Adoro respirar o ar fresco da pista e da montanha», acrescentou ainda, dizendo também que não teme a prova: «Às vezes, quando está mesmo muito frio e cai muita neve, é um pouco assustador, mas sinceramente não me foco nisso. Mesmo que o medo chame por mim, penso sempre apenas em ser melhor e em seguir o trajeto. Isto é uma aventura, que me fascina, por isso não penso no medo.»

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