Há um ano jogava no Benfica e na seleção, agora sonha com informática - TVI

Há um ano jogava no Benfica e na seleção, agora sonha com informática

A história de Fábio Vidrago, que deixou de jogar andebol aos 31 anos, no auge da carreira

Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

O ano de 2020 foi o exemplo perfeito de que as vidas podem ser viradas do avesso de um momento para o outro.

Aconteceu de tudo um pouco. E um pouco por todo o lado.

No caso de Fábio Vidrago, contudo, não foi a pandemia a obrigá-lo a uma mudança de 180 graus na sua vida.

Há exatamente um ano, Fábio era andebolista do Benfica e fazia parte da seleção que alcançou um resultado histórico no Europeu disputado na Noruega, Áustria e Suécia.

Hoje, com 32 anos, está completamente afastado do andebol, depois de uma ligação que durou 23 anos.

Há exatamente um ano, Vidrago ajudava a seleção a alcançar o melhor resultado de sempre num Europeu

Uma questão de «sanidade mental»

Vidrago deixou a modalidade que abraçou aos oito anos quando estava, provavelmente, no auge da carreira. E não o fez por simples opção. Mas sim por falta de opção. Pelo menos, uma opção que fosse para ele viável.

«Quando saí do Benfica fiquei bastante surpreendido pelas propostas que tive do estrangeiro. Não estava nada à espera», começa por dizer, em conversa com o Maisfutebol, explicando o porquê de ter optado por não emigrar.

«Na mesma altura, a minha mulher recebeu uma proposta para o emprego da vida dela e eu senti que não a podia obrigar a abdicar disso, logo, estava fora de questão ir para fora», aponta.

De Portugal também chegaram algumas propostas para o antigo ponta esquerda, mas os projetos que lhe foram apresentados não eram apelativos para alguém habituado a lutar sempre por títulos no andebol. Passou a ser uma questão de «sanidade mental».

«Joguei 19 anos no ABC e lutei sempre por títulos. Fui campeão em todos os escalões, desde os infantis aos seniores. A nossa mentalidade foi treinada para vencer sempre, por isso, sei que não iria correr bem se eu fosse para uma equipa com outros objetivos», confessa.

«Eu sei que não ia dar para mim e para a minha sanidade mental. Estava fora de questão. Ir para um jogo a pensar que ‘se perdermos por 10 já não é mau’ era algo impensável, ia fazer-me muita confusão», acrescenta.

Ao olhar para o percurso de Fábio Vidrago percebe-se o discurso. Foram mais de 20 anos sempre a vencer.

Além dos inúmeros títulos na formação, o antigo jogador, natural de Braga, fez um longo percurso nas seleções nacionais, foi 52 vezes internacional A (117 golos), e venceu várias provas internacionais.

«Na competição universitária, fui campeão da Europa, do Mundo e Olímpico», enumera o jogador que ergueu também uma Taça Challenge no ABC.

Olhando para este currículo, a pergunta é óbvia: o que ficou por fazer no andebol? E a resposta também vem de pronto.

«Faltou, sem dúvida, ser campeão pelo Benfica. Tinha de ter acontecido e não consegui», realça o jogador que ‘apenas’ venceu a Taça de Portugal e a Supertaça nos quatro anos em que vestiu a camisola das águias.

Ver andebol só pelo canto do «para não custar tanto»

Há outra coisa que Vidrago assume que ficou por fazer. E que estava tão próximo…

«Faltou-me também ir a um Mundial», concede.

E isso leva a uma outra pergunta obrigatória: quando decidiu terminar a carreira já sabia que Portugal ia participar no Mundial do Egipto, que começa na quarta-feira. Não pensou estender um pouco mais a carreira para ficar mais próximo de ir à competição?

«Claro que isso me fez pensar duas vezes. Faz sempre, mas achei que primeiro tinha de vir a minha saúde mental», reforça, garantindo agora, tão perto do início da competição, que a decisão não lhe pesa na consciência.

«Durmo tranquilo com esse fechar da porta do andebol. Foi um ciclo que terminou. Eu escrevi a minha história e agora é a vez de os mais novos fazerem as deles», defende.

E como vê de fora agora, alguém que esteve tanto tempo lá dentro?

«Tento não ver muito», começa por responder entre risos.

«Vou vendo aos poucos, mas sei que me vai custar mais se estiver muito atento», justifica, ele que aponta «as saudades dos amigos, do ambiente do balneário e da competição» como aquilo que mais lhe custa.

Ainda assim, Vidrago aceita o desafio de olhar para o Mundial que marca o regresso de Portugal, 18 anos depois da última presença. E desvalorizando a possibilidade que podia ter de estar no grupo de Paulo Jorge Pereira.

«Se calhar, podia estar lá, mas não penso mesmo nisso. Quem lá está merece estar, sem dúvida. E não vale a pena viver com o ‘se’. Não estou e tenho de seguir em frente», enaltece.

E apesar de não estar, o sentimento de ambição não muda muito.

«Espero que Portugal vá pelo menos até às meias-finais. Isso ficou-nos atravessado no Europeu. Acho que devíamos e merecíamos ter chegado lá, mas não fomos por culpa própria», diz.

De volta ao sonho que o andebol adiou

Sem andebol, a vida de Fábio Vidrago mudou completamente. A rotina que sempre conheceu deixou de ter aquilo que lhe ocupava mais tempo, mas houve uma outra paixão a ocupar esse espaço.

«Posso dizer que abdiquei de tudo para poder estudar informática. Entrei num curso para cumprir um sonho adiado de fazer uma coisa de que sempre gostei muito», refere, assumindo algum arrependimento.

«Já devia ter adiantado algumas coisas. Pensei só no andebol e foi um bocado estupidez da minha parte. Pelo menos, até ter ido para o Benfica, quando os olhos ficam todos em cima de nós», sublinha.

Até porque agora, não foi fácil voltar aos livros, conforme confessa.

«O processo foi difícil porque faltava o hábito e já não sabia como começar a estudar. Mas como gosto tanto daquilo, vou sempre aprimorando e as coisas avançam», garante.

Avançar. Essa é a palavra que agora vai na cabeça de Fábio Vidrago. Avançar sem deixar de olhar para trás. Porque o rasto que fica é muito bonito. E o melhor de tudo não ficou para trás. Continua lado a lado com ele.

«O melhor que levo do andebol continua comigo: são os amigos que fiz para a vida. Muitos amigos, mas sobretudo aqueles que foram juntos desde os infantis até aos seniores, como o José Rolo, o Tiago Pereira, o Fábio Magalhães e o Bruno Dias», destaca Vidrago, sem esquecer treinadores como Nuno Cardo e Raúl Maia, com quem trabalhou na formação; e Rolando Freitas com quem fez grande parte do percurso na seleção.

Fábio Vidrago (terceiro a contar da direita, em baixo) na formação do ABC

 

 

 

[Fotos cedidas por Fábio Vidrago]

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