Um «miúdo sonhador» a rescrever a história de Magalhães, contra ventos e marés - TVI

Um «miúdo sonhador» a rescrever a história de Magalhães, contra ventos e marés

Ricardo Diniz

Ricardo Diniz é um navegador solitário que leva Portugal em cada missão e se prepara para «a maior de sempre»

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Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades

Quando Ricardo foi visitar o Greenwich Maritime Museum, guiado pelo pai, aos oito anos, três depois de trocar a soalheira Costa da Caparica por Londres, não podia imaginar que aquela visita iria mudar a sua vida.

É que embora o principal objetivo da ida ao museu fosse conhecer o Cutty Sark, veleiro que ostentou bandeira portuguesa nos últimos anos em que andou no mar, foi outra a embarcação que encheu as medidas a Ricardo.

«Estava lá o Gypsy Moth IV, o veleiro onde Sir Francis Chichester, em 1967, deu a volta ao mundo sozinho. E aquela história mexeu muito comigo, porque eu era miúdo, adorava estar no mar com a minha prancha de esferovite e decidi naquele dia que queria ser navegador solitário», explica Ricardo Diniz ao Maisfutebol, lembrando que disse isso mesmo ao pai… que desvalorizou. «Está bem, pois vais. Isso deve ser fome, come lá a sopa», recorda sorridente.

A verdade, porém, é que aquilo nunca mais lhe saiu da cabeça. «A ideia de poder estar no meio do mar sozinho, a liberdade que aquilo podia dar, fascinou-me completamente», resume.

O mar como destino e Portugal como missão

Logo num primeiro momento Ricardo Diniz faz questão de esclarecer que não existe uma lógica desportiva no que faz. «O meu desporto são as ondas, não é a vela. Na Costa da Caparica faz-se surf ou bodyboard, não é vela e o meu pai nem sabe nadar», sublinha antes de falar das missões que já levou a cabo para introduzir a maior de todas – já lá vamos.

Para Ricardo, mais importante do que, por exemplo, uma ou outra competição de vela em solitário em que participou, são as viagens que fez tendo «Portugal como missão.»

Como aquela em 2006, quando cumpriu a rota original do vinho do Porto até Inglaterra, de forma a entregar à Rainha Isabel II uma garrafa de vinho do Porto com os mesmos 80 anos que a monarca cumpria. Dessa forma pretendeu reforçar os laços entre Portugal e Inglaterra, ao mesmo tempo que fazia uma campanha pelo vinho do Porto e pela cortiça, dois símbolos tão portugueses.

«Aquilo que me moveu sempre foi uma enorme paixão ao mar e a Portugal. Foi isso que me levou a encontrar formas de juntar as duas paixões de maneira útil, sempre com o objetivo de alcançar a excelência em nome de Portugal», reforça.

Se procurarmos bem nas viagens que Ricardo Diniz fez à vela – nas quais já somou milhas suficientes para dar quatro voltas ao mundo – encontramos pontos de contacto com o desporto… mas sempre com um objetivo maior como motivação.

Foi assim quando em 2005 partiu do Tejo e, ao mesmo tempo em que decorria o rali Lisboa-Dakar, ligou as duas cidades por mar, de forma a comunicar a importância das energias renováveis.

Existe também um elo de ligação ao futebol, ainda que Ricardo assuma não ser particularmente fã do desporto. Em 2013, porém, quando Portugal jogava o playoff de apuramento para o Mundial do ano seguinte, algo o levou a lançar uma promessa.

«Lembro-me que se não ganhássemos à Suécia não íamos ao Mundial. Eu estava a ouvir o relato na Antena 1, aquilo mexeu um bocadinho comigo e atirei uma promessa para o ar: 'se a seleção se qualificar eu vou à vela até ao Brasil'. E quando verbalizei aquilo senti um quentinho especial e acreditei que iria de vela ao Brasil como tributo.»

Assim foi. Portugal conseguiu o bilhete para a fase final e Ricardo Diniz mobilizou-se em busca de apoios que o levaram até ao Brasil, onde se encontrou com a comitiva portuguesa que ia participar no Mundial de futebol.

A inspiração de Fernão de Magalhães, o «herói esquecido»

O objetivo desta rubrica do Maisfutebol é, como diz no topo destas linhas, contar «histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades». Ou seja, embora podendo ser difícil de enquadrar na vertente desportiva, as histórias de Ricardo Diniz encaixam neste espaço com enorme facilidade.

Mais não seja, porque a próxima missão que este português de 42 anos tem pela frente é precisamente ir «mais longe». Ricardo Diniz prepara-se para repetir uma rota com 500 anos e vai levar três anos a dar a volta ao mundo, como planeou Fernão de Magalhães há cinco séculos.

Ele que até partilha o dia de nascimento com o navegador português que cumpriu a primeira circum-navegação ao globo.

«Nascemos ambos no dia 3 de fevereiro e foi com 41 anos que lancei a 'Missão Magalhães'. Os mesmos 41 anos que tinha Fernão Magalhães quando morreu junto às Filipinas, depois de ter descoberto um caminho que ninguém antes fizera, abrindo caminho para a primeira circum-navegação do globo terrestre», enaltece Ricardo.

É aqui que introduzimos então a «Missão Magalhães», a «maior e mais ambiciosa missão» que já fez e na qual pretende «honrar os valores de Magalhães: determinação, coragem, foco, trabalho de equipa e liderança».

A partida com data e local definidos pela história – dia 20 de setembro, em Sevilha, como em 1519 – pretende repetir os passos dados pela armada liderada pelo português, que recebeu o apoio da coroa espanhola depois de o mesmo ter sido recusado pela portuguesa.

«Se Magalhães fosse hoje fazer a volta ao mundo, quero acreditar que desta vez Portugal não diria que não como disse há 500 anos. Espanha disse que sim, deu-lhe 230 homens, cinco embarcações e lá foi Magalhães fazer a sua volta ao mundo. Mas foi considerado um traidor em Portugal», recorda Ricardo Diniz.

A «armada» que leva também é bastante distinta da de Fernão de Magalhães. É apenas um catamaran de 33 metros, um dos maiores do mundo, que Ricardo pretende que seja «uma embaixada de portugalidade e uma ilha de sustentabilidade.»

«O barco tem autonomia para três anos sem ir a terra. Não precisamos de ir, mas vamos fazer centenas de escalas. Vamos ter chefes de Estado a bordo para que cada um chegue à sua esfera de influência com uma mensagem de que o planeta tem de funcionar. Vamos ter cientistas e professores também. O mundo está a sofrer muito, por exemplo, pela maneira como nós comemos. A forma como comemos está a consumir os recursos do planeta», aponta o navegador que utiliza a experiência de 23 anos de mar para explicar.

«A primeira vez que atravessei o Atlântico foi em 1996, estive 21 dias no mar, entre as Caraíbas e os Açores, e o mar que vi dessa vez não é o mesmo que encontrei recentemente, quando atravessei o oceano pela sexta vez. As coisas estão mesmo a mudar. As rotas existem por causa dos ventos e, pela primeira vez na história, os ventos estão diferentes», alerta.

Ainda antes da polémica levantada pela decisão da Real Academia de História de Espanha ao decretar que a circum-navegação iniciada por Magalhães tinha sido totalmente espanhola, Ricardo Diniz já assumia que um dos objetivos da missão seria «fazer as pazes entre Portugal e Espanha». «Isto é uma pena porque 500 anos depois já nos podíamos entender um bocadinho melhor.»

E aí entram os outros objetivos desta missão maior: não só fazer as pazes entre os dois países da Península Ibérica, mas também de Portugal com aquele que Ricardo Diniz diz ser «um herói esquecido».

«Magalhães teve de demonstrar valores de liderança, de coragem e determinação, absolutamente fora do comum. Ele liderou uma tripulação internacional, num esforço que eu considero ibérico, mas que o mundo considera português. O Mundo conhece mais Magalhães – Magellan - do que Bartolomeu Dias ou Vasco da Gama», aponta, salientando as dificuldades que Fernão de Magalhães enfrentou e que partiram também dos homens que comandava.

«A tripulação que ele liderava não entendia por que razão era um português a liderá-los. Ele é que teve a ideia, mas houve várias tentativas de sabotar a missão».

Ricardo Diniz lamenta que em Portugal não seja atribuído o valor ao que foi feito pelo português, contrapondo com o reconhecimento internacional que lhe é feita.

«Quando ele encontrou a passagem que sabia existir a sul do continente americano – está lá na Patagónia, chama-se Estreito de Magalhães – chegou a um novo oceano e disse: ‘depois de tantas dificuldades que passámos no Atlântico, que pacífico é este oceano’.»

«Foi ele que deu o nome ao Oceano e eu acho que Portugal não sabe isso. Mas o mundo sabe. Existem crateras na Lua com o nome Magalhães, existe um programa espacial da NASA com o nome Magalhães, existem marcas de GPS, de roupa, fundos de investimento… O mundo reconhece a importância de Magalhães», assegura.

Por tudo isso, Ricardo Diniz não desvaloriza a importância desse objetivo da sua missão, no que encara como «uma oportunidade única.»

«Quero honrar um herói esquecido por Portugal. Esta é uma oportunidade única. São 500 anos e podemos ter o mundo a falar de Portugal. Eu acho que ainda não estamos a aproveitar bem os laços que foram desenvolvidos e as rotas que foram descobertas com tanto esforço e sacrifício, há 500 anos», resume.

Ricardo Diniz sabe a dimensão global que tem esta missão. Assume que ela deve ser a última que enfrenta. Mas não se deixa atormentar por qualquer adamastor. Até porque ele próprio assume: «sinto que ainda sou o miúdo sonhador que andava com uma prancha de esferovite na Costa da Caparica».

E nada tem a força de suster os sonhos de um miúdo que tem a imensidão do mar pela frente.

Imagem do arquivo pessoal de Ricardo Diniz

[artigo publicado originalmente às 23h48 do dia 21 de março]

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