Há andebol? Então estamos lá, dê por onde der! - TVI

Há andebol? Então estamos lá, dê por onde der!

Maluquinhos andebol

Histórias de portugueses que estiveram em Trondheim com a seleção portuguesa

Relacionados

É o nosso primeiro dia em Trondheim.

Acordamos de manhã e já com qualquer coisa no estômago decidimos ir em busca do Spektrum Arena, onde Portugal irá jogar ao final do dia.

A caminhada não devia levar mais do que sete ou oito minutos, mas dobramos esse tempo. A razão: o piso que devia ser alcatrão mas é… gelo.

Poucos passos na pequena cidade norueguesa e uma certeza imediata: não saímos daqui sem uns esbardalhanços valentes.

Mas adiante.

Já com o pavilhão que foi totalmente remodelado para receber dois grupos do Europeu de 2020 em fundo, há um homem a caminhar com os mesmos cuidados que nós.

Nada de mais. Não fosse ele gritar-nos quando está a cerca de cinco metros:

«Olha, olha!! Vamos Portugal! É tudo nosso. Até os comemos, carago!»

Assim mesmo. Sem uma palavra ou gesto ser emitido da nossa parte, a não ser o encolher mais para dentro das luvas, do gorro e cavar as mãos bem dentro dos bolsos do casaco.

Mas como raio percebeu que vai aqui um português?, retorquimos a tentar encontrar qualquer sinal de portuguesismo no que levamos vestido.

«Oh, um gajo topa logo outro tuga!»

João Silva é mesmo assim. Vamos percebê-lo durante os próximos minutos de conversa com este cientista forense, de 38 anos, natural de Viseu, mas há vários anos a viver em Inglaterra.

«Oh carago [todas as frases começam assim], eu vim de propósito para ver Portugal contra a França! E até os comemos, vais ver!»

Mas só para o Portugal-França?

«Sim, só consigo mesmo ver este jogo. Mas também é o mais importante, não é? É que deixei a Maria e o puto em casa e vim para aqui para gritar por Portugal. Porquê? Oh carago, houve tantos anos que estivemos a um passinho e não conseguimos, agora que conseguimos, não podia deixar de vir, não é?», questiona à espera de aprovação.

A ligação de João ao andebol, há de explicar-nos, surgiu ainda em garoto, quando começou a praticar n’Os Melros, clube de Penalva do Castelo. E prolongou-se mesmo depois de ter decidido emigrar para Inglaterra, tendo jogado em alguns clubes do sul do país.

E como aficionado da modalidade, pareceu-lhe por bem cometer uma pequena loucura para ver o regresso de Portugal a uma grande competição de andebol, 14 anos depois.

Pequena loucura, foi isso que escrevemos?

Vamos chamar-lhe apenas 'loucura' e deixar os adjetivos qualificativos ao critério do caro leitor.

Ora, resumindo: para ir de Southampton a Trondheim, João Silva iniciou a viagem na véspera da partida com a França, fez três escalas e chegou na manhã do dia do jogo; e para regressar depois?

Preparado?

«Voo amanhã de manhã de Trondheim para Oslo. Depois sigo para Helsínquia, onde vou ter uma escala de nove horas de escala – ainda vou aproveitar para conhecer a cidade, carago! – depois apanho um avião para Amesterdão e de lá para Southampton.»

Apenas isto. Para ver 60 minutos de um jogo de andebol, João Silva fez uma viagem de quase dez horas para chegar a Trondheim e de quase 20 horas (!!) para regressar a Southampton.

Se valeu a pena? Já não apanhámos João no final do jogo, mas a verdade é que ele tinha razão: «Até os comemos, carago!»

«A ideia é praticar andebol até morrer»

Recuemos umas horas no encontro com João Silva nas imediações da Spketrum Arena.

No aeroporto de Helsínquia, durante uma escala – de apenas duas horas, nada de loucuras, atenção –, vemos um grupo de seis ou sete homens e nem precisamos do João para nos dizer que são ‘tugas’.

É que a zona da porta de embarque é toda deles. Conversa-se em bom português, comentam-se mensagens para «a malta que não veio» e é impossível não perceber que também vão rumo a Trondheim.

Tiramos-lhes as medidas para os procurar mais tarde. Mas mesmo que não tivéssemos feito, logo no primeiro jogo, aquele grupo passa parte do hino nacional nos ecrãs gigantes do pavilhão, equipados a rigor e com as vozes a cantar bem alto ‘A Portuguesa’.

Só no dia do último jogo da seleção na fase de grupos chegamos finalmente ao grupo que, entretanto, ficara reduzido a quatro elementos.

Todos eles antigos jogadores, colegas no Sporting e no Loures e, claro, apaixonados pela modalidade que os trouxe à Noruega, onde assistem à primeira fase final de uma grande competição.

Isso não quer, contudo, dizer que é a primeira vez que o andebol os leva por essa Europa fora.

Porque, conforme nos explicam, fazem parte de uma equipa de masters e, «agora que há mais vagar», vão a vários torneios para atletas com mais de 50 anos, um pouco por toda a Europa.

Esta experiência, contudo, está a ser diferente, como refere Paulo Paiva dos Santos, elogiando a envolvência que encontraram em Trondheim.

«Está a ser fantástico. Pelo ambiente, pela organização e pela cultura desportiva completamente fora do que é normal», elogia.

E loucuras que já fizeram pelo andebol?

«Acho que a maior foi termos ido a um torneio na Croácia com apenas um mês de treinos», atira Jorge Paiva, ligado à modalidade há 43 anos, tal como Paulo Paiva dos Santos, ao seu lado.

Parece muito? Não se tivermos em conta que os restantes companheiros, Zé Pinto e João Onofre andam nisto há 48 e 50 anos, respetivamente.

E para eles parece tanto ou tão pouco, que estão longe de pensar terminar a relação.

Encaramos isto de uma forma inspirada no exemplo japonês: a ideia é jogar andebol até morrer», resume Paulo Paiva dos Santos.

Zé Pinto completa: «Tudo o que nos move é por paixão ao andebol e para servir a modalidade. Nunca para nos servirmos dela.»

«Estive cinco minutos a chorar depois de ganharmos à França»

Paixão ao andebol.

Esse é também um título do qual não dá para fugir para contar a história de João Marques, de 53 anos, que anda há 43 atrás de uma bola de andebol. Na modalidade já foi jogador, treinador e até presidente.

O que nunca deixou de ser foi adepto. E daqueles fervorosos.

Qual o significado disso? Por exemplo, ter marcado presença em todas as grandes competições de seleções desde 2009 – com exceção do Mundial de 2015, no Qatar. São, ao todo, 11 fases finais. E só à 11.ª com «a felicidade de ter a seleção portuguesa presente também.»

«Aquilo que me move é simplesmente o andebol, que é uma das grandes paixões da minha vida. E este ano, finalmente, há uma luz diferente porque está cá Portugal e com excelentes resultados, por isso estou mesmo muito, muito feliz», revela o leiriense.

«Entro na Fan Zone com o cachecol de Portugal, cheio de orgulho. Depois, sempre que chego à bancada grito por Portugal e no jogo com a França consegui meter a minha bancada toda a gritar pela nossa seleção», orgulha-se.

Mas voltando um pouco atrás. Onze fases finais das últimas doze?

«Pois. Tudo começou quando fui a Zagreb, em 2009, com um grupo lá de Leiria. Foi lá que me passaram o bichinho destas competições e nunca mais consegui deixar de vir», atira sorridente.

João Marques tem histórias intermináveis daquilo que já correu atrás do andebol. Quase tão longas, de resto, como o álbum ao qual conseguiu acrescentar vários ‘cromos’ em Trondheim: «Estrelas do andebol». É lá que vai reunindo as fotos que tira com os maiores craques nacionais e internacionais com quem se vai cruzando por esse mundo fora.

Mas com tantas e tão variadas experiências. Com tantos dos maiores jogos vistos ao vivo, desafiamo-lo a escolher o melhor de todos.

«Já vi muitos, mas o melhor de todos foi o Portugal-França. Pela emoção, por tudo… Foi indescritível. No final do jogo estive cinco minutos a chorar com a emoção daquela vitória», responde de pronto.

Ah, o Portugal-França. Como é que dizia mesmo o João Silva? «Até os comemos…»

E por falar em João Silva: na véspera da viagem da seleção de Trondheim para Malmo recebemos uma mensagem:

«Amigo, já tenho o bilhete comprado para Malmo! Vou outra vez, por isso lá nos vemos na sexta!»

Só não apostamos que vai conseguir topar pela pinta todos os tugas que andam por Malmo, porque conseguimos sair de Trondheim sem ir ao chão.

E isso sim, parecia impossível de acontecer.

Continue a ler esta notícia

Relacionados