Malangatana, todo o mundo perdeu um génio (parte I) - TVI

Malangatana, todo o mundo perdeu um génio (parte I)

Moçambique perdeu um génio que era só o seu maior e mais completo artista plástico e uma das suas maiores referências culturais no mundo. Mas eu perdi mais: perdi um irmão!

Artigo que escrevi no Brasil, mal soube da morte de Malangatana em Portugal-a 5 de Janeiro-e enviei, por mail, a Augusto de Carvalho, para publicação no jornal Notícias do Maputo

1.Gostava de chamar Mãe a minha Mãe e irmãos a meus irmãos António e Pedro e a mim. E, mesmo a meu Pai, quando se deixou de formalismos-nele improváveis-chegou a tratar com o mesmo carinho caloroso.

Foi, pois, o meu irmão Malangatana que eu perdi, no início da madrugada de ontem! Todo o mundo perdeu um génio. Na obra, na vida, na pessoa que era. Moçambique perdeu um génio que era só o seu maior e mais completo artista plástico e uma das suas maiores referências culturais no mundo. Mas eu perdi mais: perdi um irmão!



2.Recordar como o conheci e como ficámos irmãos é recordar 1968 e o primeiro quadro, comprado com a minha mesada de estudante do 2º. ano da Universidade. Mais os encontros em 1969 e 1970, em Lourenço Marques e em Matalana. Mais os reencontros em Lisboa e em Maputo, nos anos 70, nos anos 80, nos anos 90 e no novo século. E o fascínio de o ver pintar, cantar, dançar, contar histórias, debater arte, política, situações e pessoas. Ar de quem não envelhece-que ele viveu como morreu: jovem, doce, solidário, ingénuo, crente na bondade humana, amante da natureza, ligado às raízes mas virado para o futuro.

E as suas mensagens e os seus quadros foram-se somando na minha casa como na minha vida. Como se somavam os minutos, as horas passadas num ápice a ouvi-lo e a ouvir as suas aventuras sem fim. Ainda há dois ou três anos, no Polana, com outro bom amigo como testemunha, Augusto de Carvalho.



3.Este ano, o irmão Malangatana quis que eu fosse seu padrinho no doutoramento honoris causa na Universidade de Évora. E foi um dia inesquecível. Mais um. Com o doutorando

mais original de todos quantos vi sentarem-se nas doutorais de uma Universidade por esse mundo fora. Falou, em improviso sentido e imparável-como ele era quando se apaixonava por um tema ou uma pessoa-, e cantou e dançou. Em pleno acto solene. E, depois, fora dele, com os estudantes que, entusiasticamente, o vitoriavam. No dia em que celebrava mais um aniversário do seu casamento. Que aquele homem arrebatado, que tantas paixões suscitara, em tantos continentes, era, no essencial, leal e grato à sua companheira de sempre. Como a toda a sua coesa família.

E foram dias de júbilo. E de planos para o futuro. Para a sua ainda adiada Fundação. Para uma consagração em Angola. Para mais exposições em Portugal.

Só de uma coisa não consegui convencê-lo, no meio de tão ambiciosos projectos. De fazer exames médicos, imprudentemente esquecidos por entre a multiplicidade dos seus afazeres de toda a ordem.

E ele partiu para Maputo sem avaliar sintomas que já eram largamente preocupantes. Antes os tentando iludir por mais uns meses.

(continua)
Continue a ler esta notícia