Chegou à Alemanha com duas palavras e acabou como o maior - TVI

Chegou à Alemanha com duas palavras e acabou como o maior

Miroslav Klose

Miroslav Klose termina carreira e deixa guatemalteco no topo

Gerd Müller era o bombardeiro alemão e tinha um recorde que quase parecia inalcançável. O avançado da antiga RFA apontou 68 golos pela seleção, mas viu Miroslav Klose ultrapassá-lo por três. O ponta de lança de origem polaca disse adeus ao futebol e, sem ele, passa a haver um guatemalteco a liderar os jogadores no ativo com mais golos pelas seleções. O que é inigualável até hoje é o fair-play de um jogador que quando chegou à Alemanha só sabia duas palavras de alemão e ainda teve de aprender carpintaria.

A Lazio foi a última equipa de Klose. Segue-se agora trabalho na federação alemã, para aprender com o selecionador Joachim Löw

Nascido em Opole, Polónia, Klose mudou-se para a Alemanha porque o pai tinha esse direito: Josef nasceu na Alta Silésia que até 1945 fazia parte da Alemanha. O direito ao retorno permitiu-lhe obter nacionalidade germânica e mudar-se para o lado contrário da fronteira, já depois de ter representado o Auxerre como futebolista.

Os genes de Miroslav Klose começaram por traçar-lhe o destino. Não só pela ascendência paterna, mas também pelo lado da mãe: foi guarda-redes de andebol e internacional polaca por 82 vezes. Quanto ao nome, também apontava ao futuro: o elemento eslavo Miru significa «Paz, Mundo», que «Mirek» ia conquistar em 2014.

«Para mim, era tudo novo e estranho. Os meus pais acreditavam num futuro melhor para nós na Alemanha e decidiram sair da Polónia. Quando me disseram que íamos, fiquei com um pouco de medo. Mas a minha curiosidade era maior. Colocámos as coisas mais importantes no nosso carro e atravessámos a fronteira, para um campo de refugiados, na Baixa Saxónia. Ninguém imagina isto: quatro ou cinco famílias a viver num quarto. Sabia apenas que tínhamos de conseguir os nossos passaportes para que pudéssemos ficar.», Klose in Der Spiegel

Miroslav Klose deu nas vistas no Kaiserslautern, já graúdo, mas há um passado futebolístico antes disso: o SG Blaubach-Diedelkopf surgiu depois de a família encontrar um lar e Mirek já interagir com os novos colegas.

«Felizmente, conseguimos os passaportes passados nove dias. A nossa nova casa seria a pequena vila de Kusel, perto de Kaiserslautern, porque uma tia minha viveu lá uns anos. Quando cheguei, descobri o campo de futebol imediatamente. Pensei que aquilo não podia ser assim tão mau.»

Um jovem Miroslav Klose, aqui no Kaiserslautern, clube que apoiava na Alemanha

Não foi mau, mas também não foi fácil para Mirek que «só sabia dizer Ja e Danke» em alemão. O que está para lá do sim e do obrigado foi o futebol que lhe deu.

«No meu primeiro dia de escola, tive um ditado, mas não percebi nada. Portanto, entreguei uma folha em branco à professora, que ficou furiosa comigo. Começou a queixar-se, felizmente sem eu a perceber. Mas depois da segunda hora de aulas fui para casa a correr e a chorar. Aprendei Alemão mais depressa através dos meus novos amigos. O futebol integra-te insanamente bem! Quando os outros perceberam que eu jogava bem, estava sempre na primeira equipa. Jogávamos durante horas e muitas vezes íamos para a floresta, à noite, e acendíamos uma fogueira. As histórias que contávamos, claro, eram todas em Alemão. Melhorei na escola, mas foi engraçado ter de ficar com os mais novos, uma classe abaixo. Depois, no futebol, quando era mais velho, joguei contra uma equipa do liceu. Encontrei o pai de um colega meu que era treinador do SG Blaubach-Diedelkopf. A minha carreira começou aí.»

Completamente adaptado e alemão, Miroslav Klose chega ao Kaiserslautern depois de uma passagem pelo Homburg e pela…carpintaria.

Aos 19 anos, o jovem Klose ainda andava pelas equipas amadoras, preparava-se para outro ofício, caso assim fosse necessário e mesmo a passagem para o Homburg não lhe deu futebol profissional: passou a maioria do tempo na equipa B.

Klose e Ottmar Hitzfeld no primeiro ano do avançado no Bayern Munique

Ao fim de 12 meses, o Kaiserslautern contratou-o, mas o estatuto de «Mirek» continuou igual: carpinteiro e atirado para o terceiro escalão, onde jogavam as equipas de reservas.

«Vivi com os meus pais durante muito tempo, com o campo de futebol em frente a casa. Até quando estava no Kaiserslautern. Apesar de a minha vida parecer muito diferente agora, penso sempre de onde venho. Os meus pais e eu começámos completamente do zero. É um sentimento que me caracteriza até hoje.»

Miroslav Klose cumpriu o sonho aos 22 anos. Finalmente, uma oportunidade para jogar pela equipa principal do Kaiserslautern. Em abril de 2000, «Mirek» estreou-se. Em outubro, fez o primeiro golo. Curiosamente, com o Werder Bremen, que o iria acolher ao fim de 51 golos em 147 jogos pelo Kaiserslautern.

O primeiro troféu surgiu vestido de verde e branco. Uma taça da liga alemã, conquistada em 2006, um ano depois do primeiro assomo de fair-play. Em 2005, negou-se a marcar uma grande penalidade frente ao Arminia Bielefeld porque achava que o penálti tinha sido injusto. Em 2012, marcou um golo com a mão, pela Lazio. O árbitro perguntou-lhe se tinha sido falta e ele respondeu que sim.

Na Alemanha, o topo chama-se Bayern Munique. E Klose também lá chegou, em junho de 2007. É nessa temporada que se cruza, pela primeira vez, com uma equipa portuguesa.

Frente ao Sp. Braga, marca o golo que vale uma igualdade 1-1 entre os minhotos e o poderoso Bayern Munique. No entanto, a principal vítima portuguesa é o Sporting. Os leões sofreram três golos do internacional alemão: dois nas goleadas de 7-1 e 5-0 com o Bayern, outro na vitória sobre a Lazio por 2-1.

No clube bávaro, «Mirek» ganha duas Bundesligas, duas taças da Alemanha e uma Supertaça. Sai quando não chega a acordo para a renovação de contrato e segue para Itália, onde acaba por terminar a carreira de clubes.

Porém, há outra história para contar nas seleções.

Müller era bombardeiro, Klose uma metralhadora alemã. Era, até agora, o jogador no ativo com mais golos marcados por uma equipa nacional: 71.

Com 16 golos, é o melhor marcador em fases finais de Campeonatos do Mundo. Pela seleção, defrontou Portugal três vezes e numa delas marcou: nos quartos de final do Euro 2008, numa vitória da Alemanha por 3-2.

Antes de ser internacional, Miroslav Klose teve de tomar uma decisão: entre a Alemanha e a Polónia, cujo selecionador o tentou persuadir.

No entanto, Rudi Völler chamou-o à Mannschaft e a estreia de «Mirek» tinha de ser assim. A Alemanha estava à beira de um escândalo, quando o camisola 18 os salvou ao minuto 87.

O último golo de Klose pela Alemanha surgiu em 2014, num jogo histórico: os 7-1 ao Brasil na meia-final da Copa do Mundo, no 136º de 137 jogos pela seleção.  

Depois disso, sagrou-se campeão mundial no Maracanã, frente à Argentina, e pendurou as botas «internacionais» Voltou à Lazio e agora deixa os relvados em definitivo.

Recordista da Mannschaft, era o homem no ativo com mais golos por uma seleção, com 71. Agora, deixa esse legado a Carlos Humberto Ruiz, da Guatemala, que tem 68 golos, mais três do que um tal Cristiano Ronaldo.

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