Quando o palco é em casa - TVI

Quando o palco é em casa

Bruno Simão

No Dia Mundial da Dança, ninguém consegue prever um regresso aos palcos. Enquanto aguardam sem saber o que esperar do futuro, bailarinos das mais prestigiadas companhias de dança do mundo juntam-se, cada um em sua casa, para um vídeo em que todos, incluindo um português, dançam uma coreografia

Tiago Coelho aproveita o tempo em casa para ir recuperando de algumas lesões da última temporada. Não sabe ainda que mazelas vai deixar o impacto de uma lesão maior na dança em Portugal: a pandemia de Covid-19. É bailarino da Companhia Nacional de Bailado, mas agora o único palco debaixo dos pés é o telhado de casa, para onde sobe e ensaia uma coreografia com vista para Lisboa ao final da tarde. “É difícil saber quais serão os desafios, porque ainda é tudo muito incerto, ainda não sabemos quando poderemos voltar a ensaiar”, confessa. “Ainda é cedo para falar em espetáculos”.

Ser bailarino, para Tiago, exige o mesmo que um atleta de alta competição. Manter a forma dentro de casa é uma tarefa quase impossível. Dançava pelo menos sete horas por dia, agora tem praticado ioga e feito algum trabalho de fortalecimento muscular.

“Esta paragem foi muito abrupta, aliás, tivemos de interromper um programa que estava em cena no Teatro Camões. Desde que a companhia interrompeu a sua atividade, o meu dia a dia enquanto bailarino tem sido bastante diferente do normal, agora tento em casa, com bastantes limitações, fazer aulas diárias de ballet lássico para tentar manter a forma para que o regresso seja mais fácil.”

Hugo David . CNB/2019 . Anestético, Adele e Lee

Mas, manter a exigência ao corpo não é a missão mais difícil que terá pela frente.

Acredito que o maior desafio para a arte, meu caso melhor a dança, será a nova relação com o público, como conjugar a necessidade humana de expressão com a segurança das pessoas, tanto dos artistas como do público, sem que percamos exatamente a nossa humanidade”.

Esta é a mesma preocupação de Ivan Romão. Como juntar centenas de pessoas numa mesma sala de agora em diante? “Acho que o maior desafio vai ser lidar com o público, pelo facto de ainda ser mesmo necessário o distanciamento social, porém acho que novos meios de espetáculos e performances ou qualquer outro tipo de expressão artísticas vão saber contornar essa situação”, aposta.

Atualmente, Ivan não é bailarino profissional, mas tinha o ballet como “uma forma de refúgio num período não muito bom da minha vida, costumo dizer que fui escolhido pela dança e não eu que escolhi dançar”. Esse refúgio está agora condicionado, já não consegue “expressar mil coisas sem dizer uma palavra”. Está tranquilo, mas os dias vão-se acumulando e há uns mais fáceis que outros. “Sinto a falta de estar no estúdio de dança, por isso sempre que possível vou fazendo aulas online, isso ajuda um pouco”. A Internet é a ajuda possível e foi assim que decidiu participar num vídeo à escala mundial. Juntou-se a outros bailarinos internacionais, cada um na sua casa, a dançar uma mesma coreografia.

Um vídeo que assinala o dia Mundial da Dança, instituído pela UNESCO em 1982. A iniciativa foi da DSECTION, uma revista de moda portuguesa, que permite correr o mundo sem sair do mesmo sítio.

Nunca unir esforços pela arte foi tão importante como durante a pandemia de Covid-19”.

Filipe Fangueiro, um dos criadores da DSECTION, considera que é muito importante, sobretudo com a incerteza que vive a cultura, mostrar que ainda existe beleza no mundo e nas artes e que é importante dar um sinal de esperança a quem está em casa. “O que nos motivou a produzir este vídeo e a contactar estes bailarinos para fazerem uma dança para o projeto foi mostrar que ainda estamos em movimento. Mesmo entre quatro paredes continuamos a fazer aquilo de que mais gostamos. São bailarinos em diferentes partes do mundo a fazerem aquilo de que mais gostam, separados, mas juntos numa mesma coreografia”, conclui. De Lisboa, Milão, Nova Iorque, Bahamas, Sydney e de muitos mais sítios, dançam ao som de uma música composta também por um português, Ed Rocha Gonçalves, músico e vocalista da banda BEST YOUTH.

Tiago fez a mesma coisa. Decidiu subir novamente ao telhado e gravar um vídeo para mostrar que ninguém parou de dançar. Juntou-se a Ivan e aos outros bailarinos internacionais. É a única forma que têm para manter contacto com o público. Certo que à distância, mas é o contacto possível até que a normalidade assente com os dois pés no chão. “Para mim a participação neste vídeo demonstra que estamos todos juntos. Não há ninguém que não esteja a passar isto e todos nós nos estamos a tentar adaptar-nos à nova realidade, mantendo o nosso amor pela dança e a nossa vontade de que tudo possa voltar ao normal com o mínimo dano possível, tanto físico como emocional”, desabafa-nos Tiago.

A recuperação, mesmo que a pandemia vá passando, vai ser demasiado lenta para quem precisa do palco para viver. Para Tiago, da Companhia Nacional de Bailado, “certamente este tempo que vivemos irá influenciar a forma como os criadores e os artistas interagem com o público e uns com os outros, mas por agora é impossível perceber como tudo se irá desenrolar. Apenas espero que seja qual for a forma, que possamos rapidamente voltar a dançar, e que o público posso voltar a ver-nos”.

Já Ivan não sabe se um dia fará disto vida, mas há coisas que são dependem de um contrato com uma Companhia. “Religiosamente todas as manhãs faço alongamentos e alguns exercícios mais básicos na barra de ballet. Para além disso, durante o dia não consigo evitar dançar pela casa, é quase involuntário.” São os pés que mandam. A obrigação, agora, só mesmo a de ficar em casa.

 

CRÉDITOS foto de capa: Bruno Simão . CNB/2015 . Carnaval

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