Camané: «Quando ouvia fado, era às escondidas» - TVI

Camané: «Quando ouvia fado, era às escondidas»

A celebrar 18 anos de discos com «O Melhor 1995-2013», o fadista recordou como cresceu a ouvir Marceneiro e Amália, mas também Sinatra e os Ramones

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«O fado é a minha forma de estar na vida. É como respirar, é como beber água... É aquilo que eu tive a sorte de ter desde muito novo.»

As palavras são de Camané, um dos mais aclamados intérpretes daquela que chama «música urbana de Lisboa». Um homem nascido e criado no fado.

«Não foi preciso andar à procura de um estilo musical, já o tinha interiorizado desde muito novo. Há excelentes cantores que não encontram o seu sítio; eu só sou cantor porque sou fadista, e isso para mim foi um descanso, sinceramente», contou Camané em entrevista ao tvi24.pt.

Em criança, Camané quis ser «piloto e cantar fado de vez em quando» - a aviação ficou pelos sonhos, o fado foi o destino real. São 18 anos de discos, mas muitos mais de carreira, e uma vida inteira dedicada ao fado. A primeira compilação de êxitos de Camané, «O Melhor 1995-2013», celebra a voz e a paixão daquele que em miúdo ouvia fado às escondidas dos amigos, e que venceu a Grande Noite do Fado com apenas 12 anos.

«Eu cresci no meio do fado, comecei a cantar com 10 anos. Tenho histórias incríveis de ouvir cantar o [Alfredo] Marceneiro e a Amália [Rodrigues] pessoalmente. Cresci a ouvi-los, e, muitas vezes, a falar e a aprender com eles, sempre muito caladinho a ouvir tudo», recordou.

Visto como uma «espécie rara» e «um tipo esquisito» na escola primária e no liceu, Camané tanto ouvia os discos dos AC/DC e dos Ramones - que os outros miúdos da sua idade ouviam -, como também era fã de Frank Sinatra, Billie Holiday, João Gilberto e Chico Buarque.

O fado, olhado com desconfiança no pós-25 de Abril por ter sido uma das bandeiras da ditadura fascista de Salazar, era uma paixão guardada em segredo.

«Quando ouvia fado, era às escondidas. Porque havia aquele preconceito em relação ao fado - não só dos meus amigos de infância, mas também dos professores e das pessoas com quem convivia naquela altura», explicou Camané.

No recordar dos melhores momentos registados em disco, a nostalgia puxa também por outras lembranças marcantes de Camané.

«Na primeira vez que fiz um concerto em nome próprio, em Lisboa, apetecia-me fugir. Foi a coisa mais difícil que eu fiz na minha vida. (...) Foi em '96, nos concertos do meu primeiro disco. Era no Teatro da Trindade, a sala estava cheia e eu estava cheio de medo. Lembro-me de ter vontade de vomitar.»

Camané afirmou que continua a ser «tímido» e a ter algum «medo de entrar no palco», mas que tem aprendido a lidar com esses obstáculos com o passar do tempo. «[Agora] já lido bem com isso. Naquela altura [do primeiro concerto], só comecei a soltar-me ao sexto ou sétimo tema», lembrou, sorridente.

Nestes últimos 18 anos, Camané tem também acompanhado a evolução de uma indústria discográfica cada vez mais aberta ao fado. E as vendas dos seus discos contrariam as tendências negativas na era dos downloads ilegais.

«Quando comecei a gravar [discos], vendia muito mal. E depois, com o tempo, fui vendendo melhor. Quando se vendiam muitos discos, eu vendia pouco; e agora, quando já se vendem poucos, eu vendo [mais]. O meu primeiro disco de platina foi [apenas] há três ou quatro anos», afirmou.

O balanço de carreira com o disco best of é feito também com o piscar de olho a projetos futuros, e inclui três inéditos, como este «Ai Margarida», com música de Mário Laginha. Já com dois novos discos pensados para os próximos anos, Camané tem uma certeza absoluta: «O fado é uma coisa para a vida».

«Não faço ideia quando vou parar de cantar, isto é a minha vida. Espero cantar ainda com 70 anos. Não me vejo a fazer outra coisa.»

Camané atua esta noite no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, e vai estar acompanhado, entre outros, dos convidados especiais Mário Laginha, Carlos Bica e os Dead Combo. A 29 de junho, será a vez da Casa da Música, no Porto, receber o espetáculo que celebra fados como «Sei de um Rio», «Súplica» ou o novo «Ai Margarida».
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