Primavera, dia 1: bem-vindos à liturgia negra do diabólico Nick Cave - TVI

Primavera, dia 1: bem-vindos à liturgia negra do diabólico Nick Cave

A cerimónia eclesiástica arrancou à hora agendada: 23h35. Nick Cave, pastor escanzelado, escondido atrás de um fato negro, irrepreensivelmente justo, não esteve com sermões parcimoniosos.

Fúria radical, génio extravagante, explosões ajoelhadas em súplicas esquizofrénicas e música boa. Música certamente escrita a meias com apóstolos de Lúcifer. Aos 55 anos, Nick Cave demanda, exige, conquista, olha nos olhos e foge.

Num concerto de uma hora, o mais recente trabalho «Push the sky away» foi, naturalmente, ponto de paragem obrigatória. A turba, deferente e hipnotizada, não renegou aplausos, gritos e uma entrega digna de seita. Foi bonito o espetáculo, embalado na investidura selvagem do cavaleiro negro, sempre secundado pela terrível boémia do mestre de cerimónias que é Warren Ellis.

Foi, de resto, este o momento maior do primeiro dia do Primavera Sound 2013. Agradou a fãs acidentais e aos fiéis de sempre. «The Weeping Song», «From her to eternity», «Tupelo« ou «Mercy Seat» encarregaram-se disso. Faltou «The Loverman» para ser perfeito.

Dead Can Dance melhor do que as The Breeders

O Parque da Cidade vestiu-se cuidadosamente de revivalismo. Antes do veterano australiano, já as norte-americanas The Breeders e o exotismo compassado dos Dead Can Dance cumpriram, sem registo de brilhantismo, as formalidades.

Kim Deal y sus muchachas revisitaram de uma ponta à outra o melhor álbum da sua discografia. Soube bem escutar o rock canónico de «Last Splash», mas faltou mais irreverência, barbárie e energia em palco.

Sobrou a simpatia, o regresso a um passado feliz e o português surpreendentemente afinado da também baixista dos Pixies. De todo modo, a reportagem da TVI24 deu-se melhor com o som dos Dead Can Dance.

A música de Lisa Gerrard e Brendan Perry, após 16 anos de silêncio, mantém a solenidade mais própria para outros palcos. Mas o rigor na execução rítmica e as vocalizações assombrosas fizeram do espetáculo um momento de contemplação impactante.

James Blake prejudicado pelo horário e o frio

O pulmão verde da cidade do Porto não acolheu só bandas de outros tempos. Os Deerhunter e os Wild Nothing são projetos estimáveis e consolidados. Os primeiros, guiados pela sofreguidão de Bradford Cox, soaram apressados e incoerentes.

O majestoso álbum de 2010, «Halcyon Digest», merecia uma passagem mais cuidada, talvez menos rock e distorcida e mais samplada. Não foi mau, não, embora tenhamos saído desiludidos desta semi-provação.

Ainda o sol iluminava o recinto e já a dream pop indie dos Wild Nothing ecoava pelo recinto. O disco mais recente chama-se «Nocturne», mas os rapazes da Virginia sabem bem como sacar sorrisos a multidões.

Nota final para James Blake. A música electrónica, envolvida pela voz soul do britânico merecia mais público e menos frio. «Overgrown», o último trabalho editado, tem qualidade para trepar pelas tabelas de vendas acima.

Foi pena que o concerto tenha começado já depois das 2h15. E sexta-feira ainda é dia de trabalho para muita gente.
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